Capítulo XXII

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 Permaneci com uma feição de pura dúvida, enquanto John voltava para o cavalo. Ele montou e fez um aceno rápido de cabeça para o outro homem e, juntos, ambos tocaram os cavalos.

 Não demorou muito para que chegássemos a "Olympus", uma fazenda gigantesca que já na entrada esbanjava sua ostentação de escravos. Homens e mulheres de diferentes idades ocupavam seu tempo colhendo espigas na imensa lavoura, mas é óbvio que todos pararam o serviço para olhar nossa chegada.

 Quando chegamos à "sede" da fazenda, já pude perceber duas mulheres e um homem branco na entrada da casa grande, acompanhados por mais duas escravas da casa.

— John, meu caro amigo. - o homem sorriu vindo ao nosso encontro com os braços abertos - Achei que tinha desistido de vir.

— Tive um pequeno imprevisto no caminho, nada demais. - John disse descendo do cavalo para dar um abraço rápido no homem. - Sra.Jones... - falou em tom de respeito com um leve cumprimento de cabeça.

 O homem tinha cabelo claro, barba com alguns disfarçados fios brancos e pele tão branca que chegava a ficar vermelha devido ao sol forte, aparentava ter por volta dos 40-43 anos, não mais que isso.

 As duas mulheres eram loiras, tinham olhos claros que pareciam ser esverdeados, mas com uma distância considerável não consegui distinguir com clareza. A mais velha deveria ser a esposa do tal Sr.Jones, e a mais nova a filha do casal.

— Creio que se lembre de minha filha. - o homem apontou para a garota.

— É bom revê-lo, John.

— Digo o mesmo, Violet. - deu um leve sorriso sem mostrar os dentes.

— Olha só o que temos aqui. - Sr.Jones direcionou sua atenção para mim - Onde conseguiu essa escrava?

— Comprei-a quando passei no Brasil.

— Dizem que o Brasil é o melhor lugar para comprar escravos, eles são mais fortes e mais baratos. Mas, achei que você não suportasse a ideia de ter um escravo. - o velho relembrou - Quem dirá uma escrava tão bonita quanto essa.

— Os tempos agora são outros, Jones.

— Por que ela lhe olha nos olhos, papai?

— Também gostaria de saber. - disse dando mais um passo em minha direção - Saiba que em minhas terras isso é uma grande insolência, e eu não gosto de escravos insolentes.

— Acalme-se, Jones. - John disse calmamente olhando por cima do ombro - Lembre-se que ela é minha escrava, não sua!

— Se quiser, posso pedir para educarem ela. - continuei encarando os olhos do velho - William é muito bom em colocar esses pretos no lugar deles!

— Agradeço, mas dispenso. - John disse finalmente virando o corpo para olhar o velho - Gostaria de saber se me fez vir de tão longe para ficar torrando nesse sol infernal até que a noite chegue?

— Onde estão meus modos? Vamos entrar, você parece estar cansado. - passou o braço pelos ombros do navegante - William, leve o cavalo de John para o celeiro e cuide dele como se fosse meu.

— E o que eu faço com a escrava?

— Coloque-a junto com os outros. - meu olhar se cruzou com o do capitão - Tudo bem pra você, John?

— Sim. - respondeu depois de pensar um pouco - Mas, lembre-se que qualquer atentado contra ela será visto como um atentado contra mim. - John disse encarando William que depois olhou seu patrão com dúvida.

— Você ouviu, William. - Jones reafirmou - Nem você, nem nenhum outro aqui tem permissão para encostar na criola!

 O clima ficou pesado, era possível sentir pela atmosfera que acabara de mudar.

— Mas, então John, conte-nos como foi sua viagem. - a esposa do Sr.Jones sugeriu, fazendo a tensão se dissipar levemente.

 John me olhou apenas mais uma vez antes de entregar a chave das minhas correntes para William e entrar na casa grande acompanhado pela família Jones.

 Ele me deixou sozinha de novo.

 Me tirando completamente dos meus pensamentos, William puxou meu braço com um certo nível de brutalidade apenas para que eu me virasse, depois se encarregou de desatar minhas correntes.

— Vamos! - ordenou virando as costas e segurando a rédea dos dois cavalos.

 Ainda em silêncio, comecei a segui-lo totalmente contra minha vontade.

 Andamos por um tempo considerável até chegarmos perto de uma das plantações de algodão onde havia muitos escravos trabalhando.

— BERENICE! - gritou e uma moça olhou para nós - Vem cá.

— Sim, senhor. - ela se aproximou com passos rápidos.

— Essa é a escrava do Sr.Carter. Você ficará responsável por ela enquanto ele estiver aqui! - ela me olhou - Mostre a ela como trabalhar na lavoura. - franzi o cenho e ele percebeu - Ou você achou que iria ficar apenas de braços cruzados, criola?

 Seu sorriso cínico me deixou enojada, mas continuei encarando seus olhos mesmo sabendo que isso poderia me trazer problemas futuros.

— Vou levá-la para a lavoura, senhor! - a garota se adiantou em dizer quando o clima ficou pesado.

 Willian se retirou ainda me encarando, só depois de alguns passos sua atenção se voltou para outra coisa.

— Ficou maluca? - a garota disse para mim - Encará-lo é pedir para ser castigada!

— Não ligo. - continuei vendo ele se afastar - Não nasci para ficar de cabeça baixa perante ninguém.

— Quem é você, afinal?

— Ayla.

— Se quiser continuar respirando é bom começar a respeitar as regras daqui. - estendeu a mão - A propósito, sou Berenice.

— E quantos anos você tem, Berenice? - apertei sua mão.

— Fiz 14 a uma semana. - disse alegre - E você?

— 23. - ela olhou ao redor, percebendo a atenção que estávamos atraindo.

— Precisamos voltar ao trabalho. - começou a andar em direção à plantação - Você pode não ligar de ser punida, mas eu ligo. Vamos!

 Andamos em passos largos até a enorme e quase imensurável plantação de algodão. Berenice me entregou um saco de pano e pediu para eu colocá-lo nas costas.

— Você tem que colher os algodões dessa forma. - demonstrou com paciência - E depois colocar dentro do saco. Só isso!

 O trabalho realmente não era pesado, mas o sol escaldante deixava as coisas muito mais difíceis.

 No primeiro momento pensei em retrucar a idéia e não trabalhar, mas lembrei que já havia chamado atenção suficiente para um dia só, sem contar que não posso contar com a ajuda de John caso algo aconteça comigo enquanto estiver aqui.

 Depois de alguns instantes pensando, comecei a colher o algodão e colocá-lo no saco da forma que me foi ensinada.

— Você aprende rápido! - Berenice sorriu.

 São só dois dias, Ayla. Só dois dias! 




*Relevem os erros, por favor.*

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