Capítulo XXXIII

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 Como combinado ontem, John me esperou dentro da sala de navegação pouco depois do almoço ser servido.

— Adiantado, navegante? - perguntei ao adentrar o cômodo.

— Melhor do que estar atrasado, não acha? - sorri ao me sentar - E então, por onde vamos começar?

— Por que tanta pressa?

— Digamos que o tempo não está a nosso favor.

— Mas, o almoço acabou de ser servido.

— Não falei das horas, e sim dos dias. - franzi o cenho - Temos poucos dias até chegarmos em sua terra, depois disso não terei mais ninguém para me ensinar. - suspirei por lembrar desse detalhe que já começava a passar despercebido por mim.

— Vamos começar pelos cumprimentos simples. - desviei o assunto ao pegar uma caneta e um papel que estavam em cima da mesa - "Pẹlẹ o" significa olá. "E kaaro" significa bom dia; "E kaasan" significa boa tarde; "ka a ale" significa boa noite e assim por diante. - falei enquanto escrevia - Estou anotando isso, então não se preocupe com a escrita, deve ficar mais atento à pronúncia.

— Espere um instante. - disse olhando o papel.

— Que foi?

— Sabe ler e escrever em inglês? - pisquei algumas vezes antes de assentir - Por que não disseram isso naquele leilão?

— Porque eles não sabiam dessa informação.

— E por que não contou a eles? - suspirei - Eles poderiam te tirar do campo e te colocar em algum trabalho dentro da casa grande.

— Primeiro: eu não trabalhava no campo. - encarei seus olhos - E segundo: não é assim que funciona, John. - voltei a anotar - Uma escrava que sabe ler e escrever dentro da propriedade de um senhor analfabeto é algo humilhante para os brancos. Se descobrissem isso, eu iria para o tronco! - expliquei - Sem contar que jamais me deixariam trabalhar na casa grande.

— Por que não?

— Pela minha marca de fugitiva.

— Mas então, se você não trabalhava na casa grande e nem no campo, o que fazia nas fazendas? - respirei fundo ao perceber que teria de mexer nesse assunto.

— O trabalho que nenhuma escrava quer. - engoli seco - Os senhores, ou feitores, exigiam "favores" de mim.

— Que favores? - encarei seus olhos.

— Eu era como uma prostituta, só que sem receber pelo "trabalho". No início eu conseguia resistir porque ia apenas um homem por vez, mas depois eles passaram a ir em duplas ou trios... - fechei os olhos e sacudi a cabeça - Mas isso já passou e, pelo menos, recebi a benção ter nascido seca.

— Seca? - John perguntou com dúvida e certo grau de irritação - Acha que ser infértil é uma dádiva?

— Pra uma escrava que carregaria o filho de um feitor que é o principal culpado por toda desgraça que aconteceu em sua vida? - perguntei com revolta - Sim, é uma dádiva!

— Mas Ayla, um filho...

— Não ouse citar passagens da religião de vocês dizendo que filhos são presentes se você nunca foi forçado a se deitar com alguém, John. - fiquei com os olhos marejados - Filhos são uma benção quando se pode escolher quem será o pai deles. Algo que, para as escravas, é impossível!

 Aparentemente, John queria discutir um pouco mais aquele assunto, mas como demonstrei estar impaciente e incomodada, ele desistiu e ficou em silêncio.

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