Capítulo I

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— Ocê devia parar de resistir tanto assim! - João disse ao analisar os cortes em minhas costas.

  Depois do ataque à minha tribo, fomos todos colocados dentro do que hoje conheço como tumbeiro. A comida não era suficiente para todos, por isso fui obrigada a ver muitas das pessoas com quem cresci serem jogadas ao mar.

  Fiquei inexplicavelmente triste com o assassinato dos meus pais, mas hoje vejo que foi bem melhor assim. Eles não suportariam ver nosso povo sofrendo ao ponto de implorarem pela própria morte!

  Olhei para o jovem ao meu lado e percebi algumas características físicas de Akin, senti as lágrimas surgindo quando as lembranças me invadiram, mas me esforcei para impedi-las antes mesmo delas passarem pelos meus cílios. Prometi a mim mesma que só me permitiria chorar novamente quando conseguisse fugir dessa fazenda.

João é meu único amigo nesse lugar porque as outras escravas me odeiam. Ele diz que a atenção que o dono da fazenda me dá é o motivo de tanta raiva.

  Mal sabem elas que tal atenção me enoja.

  Como não conseguia mexer a boca por causa dessa maldita máscara, respondi o questionamento de João na terra, usando meu próprio dedo para escrever.

Sou filha de um rei. A luta corre pelas minhas veias na mesma intensidade que as batidas do meu coração! - escrevi e ele leu com dificuldade - Eu nasci livre, não vou deixar que homens mudem isso.

  — Ocê viveu na sua terra, conheceu seu povo, e isso é muito mais do que a maioria de nóis consegue, mas já tá na hora de esquecer seu passado, Ayla. Cê é escrava agora!- encarei-o com raiva.

  Essa é a SUA realidade porque já se autonomeou como escravo. Eles podem abrir incontáveis feridas em meu corpo, mas eu não sou escrava de ninguém!

  — Vão acabar matando ocê! - disse em um tom triste.

E o que acha que vão fazer contigo quando não tiver mais utilidade? Quando ficar velho? Seu destino não será diferente do meu, só irá passar mais tempo nesse inferno!

  — Ainda tentando fazê ela parar de resistir, João? - um outro escravo se aproximou.

  — É. - o garoto respondeu com cara de poucos amigos.

  — E suas costas, Ayla? Tá melhor? - assenti - Posso cuidar do'cê, se quiser.

  — Deixa ela, Rodolfo. - João afastou a mão do homem do meu corpo - O senhor Matias já disse que não quer escravo encostando nela! 

  — E ocê vai fazer o que, moleque?

Bastou um empurrão para uma luta corporal começar entre eles. Fiquei preocupada com João porque, mesmo sendo alto e tendo corpo musculoso, sua pouca idade o faria perder aquele confronto.

  Olhei assustada para a cena, queria intervir na briga, mas não podia me levantar porque meus braços estavam presos a uma corrente ligada à parede da senzala. Tentei gritar, mas a máscara abafou o som.

  As portas da senzala foram abertas com brutalidade quando o senhor Matias e mais dois capangas adentraram o local.

— QUE PALHAÇADA É ESSA AQUI? - o homem gritou e a briga parou no mesmo instante.

  Imediatamente, com meu próprio pé, apaguei tudo que estava escrito na terra.

— O Rodolfo tocou na Ana. - João disse olhando para o chão e vi o rosto do homem branco ficar vermelho.

Meu sangue fervilhou ao ouvi-lo me chamar de Ana.

  — Você fez o quê?

  — Eu só fui ver se as costas dela tinha melhorado, sinhô. - se defendeu de um jeito desesperado - Nada demais!

  — Ah é?

  — Sim, sinhô. Me desculpa, num vai acontecer de novo.

  — Eu espero que não. - Matias segurou o rosto de Rodolfo - Porque da próxima vez que você tocar no que é meu, eu corto suas mãos, criolo.

  — Sim, senhor.

— Que isso sirva de aviso para todos dessa fazenda, ouviram?! - concordaram em uníssono - Agora, todo mundo ao trabalho! - gritou e eles se retiraram, mas João ficou parado me olhando.

  — TÁ SURDO, MOLEQUE? - um dos capangas lhe deu um tapa forte na cabeça - VAI TRABALHAR!

Senti meu corpo inteiro se arrepiar de medo ao perceber que estava sozinha com os três, mas fiz o máximo para não transparecer.

— Ora, ora, ora. Não é que ela sobreviveu?! - Matias se aproximou de mim - Três dias com a máscara de Flandres, um dia no vira-mundo, 20 chibatadas no tronco e você ainda está de pé? - se agachou - Acho que subestimei você, Ana!


*Relevem os erros, por favor.*🥺
Tem erros de ortografia em algumas falas aí, mas não se preocupem, é só pra dar sentido ao longo da história.

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