Quando era mais nova adorava a sua companhia, amava sentar em seu colo para ouvir as histórias de contos de fadas enquanto comia biscoitos açucarados com uma enorme xícara de chocolate quente. A voz suave preenchia o ambiente, o tom sempre meigo e gentil, acariciava meus ouvidos e sempre me mostrava que tudo iria ficar tudo bem, e que me amaria para sempre. A lembrança da primeira surra que tomei era tão amarga quanto o gosto do café, não me recordo o motivo de ver meu pai tão nervoso, apenas que pedi para que ele lesse o conto do Peter Pan e a Terra no nunca, naquela tarde chuvosa. Os trovões me deixaram assustada e como qualquer outra criança busquei conforto no colo do meu pai. Porém naquela tarde não havia biscoitos ou minha xícara florida com chocolate quente. A voz suave se tornou bruta e a gentileza foi substituída pela violência.
Um, dois, três pontapés, tapas e socos eu não conseguia contar. Apenas me encolhi no chão da sala, buscando proteção e orando para que Deus o fizesse parar. Não demorou muito para que ele voltasse à realidade, para que ele se ajoelhasse no chão implorando por perdão. "— Me perdoe filha, o papai está cansado do trabalho. Não deveria ter descontado em você." Como se nada tivesse acontecido ele me tirou do chão, e me levou até a cozinha. Limpou o sangue que escorria dos meus lábios, arrumou meus cabelos e me ofereceu uma limonada. Minha mãe nos olhava aos prantos, porém se mantinha como uma estátua, ninando meu irmão em seu colo. O homem mais velho caminhou até a sala, recolhendo o pequeno livro de histórias do chão, trazendo até mim e iniciando a leitura. Eu não entendia muito bem o que havia acabado de acontecer, apenas tomei o limonada sentindo meus lábios queimarem com os ferimentos. Para o meu azar as agressões não acabariam ali.Eu tinha 12 anos quando conheci o inferno. Já era uma mocinha crescida como me dizia a minha mãe, havia acabado de ganhar uma bicicleta e as chaves de casa. Agora eu poderia ir e voltar da escola e das minhas atividades sozinha. Também tinha recebido um horário para voltar para casa e jantar, minha mãe se iludia com a ideia de um dia eu ter amigos. Só o que ela não sabia é que era complicado fazer amigos quando seu pai tinha fama de violento. Me lembro perfeitamente de ser uma quarta-feira, havia acabado de voltar da aula de Ballet, mesmo insistindo para minha mãe que gostaria de fazer esgrima ou qualquer outro esporte, mas eu era a princesa. Tinha que ser perfeita. Ao chegar em casa tirei meus tênis e os larguei na porta, subi para o meu quarto para poder deixar a minha bolsa. Voltei para o andar de baixo e peguei um copo de leite e fui para sala assistir desenhos animados. A casa estava vazia, então poderia assistir o que eu quisesse e por sorte estava passando o filme do Pateta, o meu favorito. Ignorei o fato de que se algum adulto chegasse e me visse de roupa de ballet ficaria de castigo. Já estava na metade do filme quando a porta abriu com força, batendo na parede e derrubando alguns quadros pendurados. Me assustei com o estrondo e olhei por cima do encosto do sofá, vendo a silhueta masculina se aproximar com dificuldade. Meu pai havia bebido mais uma vez. Rapidamente desliguei a TV e corri para a escada, torcendo para ele não notar a minha presença e me poupar de mais uma surra.
— Michelle, eu consigo te ver aí no topo da escada. — Ele resmungou com a voz arrastada. — Desça já aqui minha garotinha, papai não vai brigar com você. — Desci lentamente até ele, receosa pela surra e enojada com o forte cheiro de álcool que exalava de si. — Olha só pra você, tão crescida, quase uma mulher de verdade.
— Eu não sou de mentira papai. — Cruzei os braços confusa, tentando entender o que ele me dizia.
— Calada. — Ele diz me guiando para o sofá, onde me colocou sentada. - Nem parece que você tem apenas 12 anos, olha só pra você. Os meninos devem fazer fila para namorar em com você.
— Não papai, a mamãe diz que eu devo focar nos meus estudos primeiro..
— Calada, Michelle. Porra! — O grito áspero me trouxe calafrios. Senti meu estômago embrulhar de medo ao vê-lo tirar o cinto da calça. — Você ama seu pai? — concordei com a cabeça em silêncio. — Quero ouvir sua voz, minha querida.
— Amo sim papai, eu amo muito o senhor. — Encarei o fundo de seus olhos ao notar que estava despido, estava confusa, meu pai nunca havia ficado nú na minha frente. — Papai, o que o senhor está fazendo?
— Nós vamos orar, minha querida. Se ajoelhe, sim? — Concordei com a cabeça e me ajoelhei. Sentindo suas mãos geladas apalparem meus ombros, retirando lentamente a pequena peça cor-de-rosa que cobria o meu corpo.
— Papai, por que está fazendo isso?
— Vamos nos conectar com o Senhor, vamos falar com ele da maneira que viemos ao mundo. Poderia tirar o resto das suas roupas e se ajoelhar, meu anjo?
— Sim papai. — me levantei e me despi, colocando as roupas já dobradas no sofá. Me ajoelhei e juntei as mãos para nossa oração.
— Isso, boa garota. Agora abre a boca e fecha os olhos.
Não oramos naquela tarde, não alcancei o céu, não levei uma surra. Apenas conheci o inferno, a dor e o sangue. Minha mãe era religiosa demais para me explicar sobre sexo, então apenas me sentia culpada por não aprender. Não queria acreditar que aquele homem realmente queria me machucar, todas as noites eu orava antes de me deitar, pedindo para Deus libertar meu pai do vício do álcool, para que o meu pai me amasse. Mas naquela noite foi diferente, pedi a Deus que me levasse daquele mundo, pois a dor e as lembranças eram maiores do que eu podia suportar
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This is Love • Spideychelle
Fanfiction𝑪𝒐𝒏𝒕𝒆𝒖́𝒅𝒐 𝒔𝒆𝒏𝒔𝒊́𝒗𝒆𝒍 +18 ᪥ Quando se torna maior do que qualquer necessidade. Quando se torna a luz ao meio das trevas. Quando sentir que se tornou impossível de controlar. Isto é o amor. Um desafio entre a razão, a justiç...