Meu pai demora cerca de meia hora para chegar em casa, e durante esse tempo não saio do sofá, não faço contato visual com minha nova madrasta — essa palavra já tem um gosto ruim na minha língua, só de pensar nela —, muito menos abro minha maldita boca para nada, porque eu não quero, realmente não quero que essa mulher me dê mais nenhum motivo para enfiá-la no moedor de carne.
Enquanto meu choque não cede, a única coisa em que consigo pensar é como meu pai foi sacana e omisso. Os infartos, as crises renais e a morte iminente que fingiu para que eu voltasse para casa, como se realmente se importasse ou sentisse minha falta. No fim das contas, o safado estava namorando a assustadinha bonitona — isso eu tenho que admitir: a Cássia, Carla, ou sei lá como se chama, é realmente uma mulher muito bonita. Tão bonita quanto eu acredito que minha mãe seria se ainda estivesse aqui. Minha mãe... Pensar nela me inunda de saudade e faz a solidão me dominar brutalmente.
Ele substituiu a minha mãe.
Nós a perdemos quando meu irmão e eu éramos pequenos, e por algum tempo imaginei que seria bom ter uma mulher em casa novamente, alguém para pentear meu cabelo, brincar de boneca ou me defender em uma briga. Alguém que tivesse o poder de fazer cessar os soluços que escapavam pela porta fechada do quarto do meu pai todas as noites, quando ele pensava que estávamos dormindo. Alguém que preenchesse o buraco enorme que a falta dela deixou na nossa vida e no nosso coração.
Mas nunca existiu ninguém, não que eu soubesse, então um dia parei de desejar que existisse, porque o ciúme se tornou um dos meus muitos defeitos. E agora o meu pai espera eu estar do outro lado do Atlântico, vai lá e se casa com alguém que nem mesmo me apresentou. E, para piorar, não me convida para o casamento. É uma afronta!
No momento em que distingo o barulho de um molho de chaves sendo sacudido em meio aos suspiros inquietantes de sua... sua... mulher, sei que o safado chegou. Ele nunca perde essa mania besta de brincar com as chaves, e de perdê-las sempre que pode! Ainda estou na mesma posição no sofá. Para ser precisa, não me movi um milímetro, pelo menos até meu pai entrar no meu campo de visão.
Quando olho para ele, sinto meus batimentos cardíacos se intensificarem e minhas mãos suarem, abandonada pela saudade de meses sem vê-lo. A única coisa que consigo pensar é em enforcar aquele pescocinho brilhante e queimado de sol.
Esqueço até mesmo do meu lanchinho e da minha fome lancinante, porque quero sangue. O dele, o dela, não importa, desde que seja vermelho, fresco e suje minhas mãos.
— Filhote de verme! — ele berra meu novo apelido carinhoso, disparando na minha direção em uma corrida eufórica, com os braços abertos e um lindo sorriso no rosto.
Eu quero quebrar todos aqueles dentes branquinhos. Um por um.
— Pode ir parando aí, sr. Casei e Não Contei para a Minha Filha! — resmungo, pulando do sofá e encurtando a distância que nos separa mostrando a palma para impedir que me abrace. — Quem é ela? — pergunto, apontando para a mulher com cara de assustada sentada no sofá. Contenho o ímpeto de fazer bu para vê-la pular e me volto para ele.
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Caçadora de estrelas - Adaptation Noart
Fanfic|•Noah and Sina•| Sina, após flagrar o namorado com outro cara (e descobrir que, ainda por cima, ele tem um gosto para homens melhor que o dela!), se arrepende de ter abandonado a família, o gato, o emprego, os amigos e até o país para segui-lo. Mas...