Capítulo 15

176 24 1
                                    

Saio para o meu primeiro dia de trabalho na manhã seguinte sem cruzar com ninguém, e acho ótimo, porque, convenhamos, não preciso de mais nenhuma chateação

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


Saio para o meu primeiro dia de trabalho na manhã seguinte sem cruzar com ninguém, e acho ótimo, porque, convenhamos, não preciso de mais nenhuma chateação. Já me basta o namoro de Noah, o casamento do meu pai, minha condição financeira que deixou de estar no vermelho para entrar no preto fundo de poço, meu ex arrependido, o fato de eu não ter grana nem para o ônibus... Esqueci alguma coisa? Ah, o gato, que desapareceu depois que eu o trouxe para casa.

Caminho por três quilômetros, do canal 5 ao 2, sob um sol escaldante e ardido, praguejando em pensamento. Ontem passei horas antes de pegar no sono me punindo por ter espiado Noah e Any. Eu o amaldiçoei por tê-la encontrado, se apaixonado por ela, tocado nela.

E cada um desses pensamentos me assusta, a dor sem fim que ainda posso sentir me consumindo aos poucos me assusta, não entender de onde tudo isso saiu me assusta. Além do medo, há um misto de culpa e fúria, como se Noah tivesse me traído, sido desleal comigo e com nossa amizade ao escolher Any.

Eu sei que nada disso faz o menor sentido, e é justamente por isso que paro de pensar desenfreadamente e me concentro em tentar esquecer para não fazer nenhuma merda hoje. Posso não ter mais dignidade, um gato que me ama, um pai só para mim, um carro e um melhor amigo solteiro, mas vou ter dinheiro e vou comprar muitos, muitos hambúrgueres para suprir a falta que o resto deixou.

Para que ter um homem se a gente pode matar um boi, colocar no meio do pão, adicionar mostarda e morder um pedacinho do paraíso?

Homem nenhum nunca vai ser melhor que um boi! Alguns podem até ter chifres, mas garanto que não têm o mesmo gostinho de felicidade imediata.

E eu? Eu sou bem feliz comendo hambúrguer. Hambúrgueres curam tudo.

Olho por um breve instante para o prédio simples de quatro andares pintado de cinza-chumbo, no número indicado por Clara. Ofegante, respiro fundo e caminho para dentro a passos largos, fazendo pose de mulher bem-sucedida. Não dura muito: levo um tombo assim que passo pelos portões, na frente de um punhado de adolescentes que obviamente nem pensam em me ajudar e riem da minha cara até não poder mais. Pois é, o dia começou que é uma beleza!

Eu me recomponho com o máximo da dignidade que ainda me resta e... Ok, não resta nenhuma, eu sei. Só me levanto e entro, mancando de uma das patinhas, com meu orgulho ferido atrás de mim, ofendendo a mãe deles em pensamento.

— Bom dia. Sou a Sina, a nova psicóloga — me apresento com um sorrisinho falso.

— A sua sala fica no último andar, segunda porta à direita — a mulher resmunga, apontando para um elevador, sem levantar o rosto do monitor à sua frente. Ofendo a mãe dela também e vou batendo meus pezinhos até o elevador sem olhar para trás.

Quando chego à sala onde se lê “Psicóloga” e abro a porta, descubro que acho que amo minha madrasta, afinal, e prometo nunca mais chamá-la de... Caramba, não é que a mulherzinha do meu pai tem mesmo bom gosto? Eu tenho uma linda e enorme mesa com tampo de vidro e uma cadeira giratória. Pareço uma criança correndo para brincar com um brinquedo novo. Rodo nela por alguns segundos, até reparar na estante de livros que cobre uma parede, nos dois sofás brancos confortáveis e na televisão de tela plana equipada com um aparelho de DVD. Antes que eu possa surtar de empolgação, ligar a TV para assistir a um desenho e girar mais um pouco na minha cadeira, alguém bate à porta.

Caçadora de estrelas - Adaptation NoartOnde histórias criam vida. Descubra agora