Cedric
Entrei na sala, soltando a caixa de mantimentos no chão, ao ouvir a risada de Trevis. Me aproximei da cozinha, onde o som da risada vinha, me surpreendendo ao encontrá-lo sentado ao redor da mesa, ao lado de Kenji. Os dois estavam conversando e rindo, de uma forma que me pegou de surpresa.
—O que está rolando aqui? —Indaguei, chamando a atenção dos dois. O sorriso de Trevis morreu na mesma hora, enquanto o de Kenji ficava muito, muito grande.
—Eu estou comendo. —Kenji esclareceu, apontando para o prato de comida na sua frente, com as mãos ainda acorrentadas. —E o pequeno Trevis está me fazendo companhia.
—Você o soltou? —Indaguei a Trevis, que confirmou com a cabeça. —Onde está a Miriam e o Alex?
—Lá embaixo na sala dos guardiões, ainda tentando ler o Livro das Revelações. —Trevis explicou, enquanto meus olhos fitavam Kenji, que arqueou as sobrancelhas.
—Astrid deve estar querendo a cabeça de vocês, por terem roubado o livro dela. —Murmurou, voltando a comer com muita tranquilidade. —Estranho os seus antigos guardiões mão saberem a língua dos feiticeiros, eles tem uns bons séculos de vida. Muito mais do que eu.
—Isso não é da sua conta. —Retruquei, e Kenji soltou uma risada, balançando a cabeça negativamente. —Trevis, a gente pode conversar? Em particular.
Ele se levantou a contragosto, me seguindo para o outro lado da sala, perto da lareira. Fiquei de olho em Kenji, enquanto me aproximava de Trevis para falar mais baixo.
—Por que você o soltou? Ele deveria ficar preso no quarto. —Afirmei, vendo Trevis encolher os ombros.
—Ele ainda está acorrentado. Então não acho que tenha problema ele ficar livre. —Deu de ombros. —E eu estava de olho nele. Kenji só pediu para tomar um banho e um pouco de comida. Eu não ia deixá-lo passando fome lá em cima.
—Ele não estava passando fome. —Ele arqueou as sobrancelhas e eu bufei. —Tudo bem. Só que eu não quero ele andando por aqui, nos colocando uns contra os outros.
—Ele não vai fazer isso. —Trevis rebateu. —Ele nem falou sobre vocês. Ficou apenas me contando historias de quando ele estava no Mundo Inferior. Ele já conheceu um vampiro, sabia?
—O que? —Fiz uma careta, olhando para Kenji, que ainda estava comendo, muito lentamente.
—Ele já conheceu um vampiro. Ele mora no Mundo Inferior criando armas e as vendendo pra quem precisa. —Afirmou, com um sorriso curioso. —Já imaginou, um vampiro? Achei que eles fossem lendas.
—E ele disse alguma coisa da mãe dele? —Indaguei, vendo Trevis negar com a cabeça e curvar os lábios em frustração.
—Não. Nem da Kay e do Axel.
—Quem é Axel? —Fiz uma careta, vendo Trevis abrir um sorriso nervoso.
—O portador das sombras. Eu perguntei o nome dele. Foi a única coisa que o Kenji disse, que o nome dele é Axel. —Trevis me encarou por alguns segundos, quando eu não disse nada. —Olha, está tudo bem. Kenji não está fazendo nada demais e eu sei me cuidar. Morei sozinho nas ruas por um tempo, esqueceu? E ainda estive naquele lugar horrível, onde apanhava todos os dias. Eu sei me cuidar, Cedric.
—Eu não disse que não sabe. Sinto muito, só me preocupo com você. Com todos nós aqui. —Afirmei, vendo Trevis com os ombros encolhidos e a cabeça baixa. —Sinto muito, cara. Eu confio em você. Mais do que confio em na Lyra e na Diana.
—Então relaxa. Kenji não vai fazer nada. —Nos dois olhamos pra ele, que se levantava para lavar o prato agora vazio. —Viu, pelo menos ele lava a louça. Conheço algumas pessoas daqui que não sabem o que é isso.
Soltei uma gargalhada, puxando ele para um abraço e balançando os cabelos dele, o ouvindo rir. Trevis se afastou de mim para guardas as coisas que eu tinha comprado, enquanto eu mantinha os olhos em Kenji e no que ele fazia.
—E as garotas? —Trevis indagou, passando por mim para ir em direção a cozinha.
—Nenhuma notícia ainda. Devem ter encontrado o que procuravam. —Afirmei, pensando em quanto tempo elas já estavam fora. Eu só esperava que não estivessem com problemas.
[...]
Peguei uma muda de roupa, jogando sobre a cama, enquanto Kenji me seguia com os olhos cerrados, como se fosse um gavião. Ele ainda estava com as correntes e ficava esfregando a pele embaixo delas.
—Aí, cara, não precisa ficar bravo com o Trevis, okay? Eu posso ser bem inconveniente quando quero algo. —Afirmou, me fazendo erguer as sobrancelhas e olhá-lo. —E Trevis estava se sentindo sozinho, já que você tinha saído e as garotas também. Além daqueles dois velhos quase não aparecerem aqui.
—Velhos? —Ri, negando com a cabeça, enquanto jogava as roupas pra ele. —Você também não é jovem.
—Verdade, verdade. —Ele abriu um sorriso, se encaminhando até o cômodo onde a banheira estava. —O que vai acontecer com você daqui a algum tempo. Com vocês quatro.
Me sentei na cama, pensando naquele fato. Quando aceitei ser um guardião, depois daquele momento de caos e frustração quando Kayla explodiu, não pensei muito na parte de que eu nunca mais iria envelhecer. Mas as vezes eu me assusto com isso. Ter a eternidade pela frente é estranho, principalmente quando você não sabe o que te aguarda.
—Cedric? —Ergui os olhos para a porta do cômodo, vendo Kenji surgir ali, com a camisa enrolada nas mãos e nas correntes, já que não havia como ele tirá-la.
—Você precisava mesmo tomar banho? —Resmunguei, pegando a chave no bolso da minha calça.
—Óbvio. No mínimo um banho por dia. —Afirmou, me observando enquanto eu me aproximava e segurava as correntes que o prendiam. —Ninguém merece ficar sujo.
Tentei ignorar toda a pele exposta dele, não entendendo as reações do meu corpo, ascendendo como uma vela, com o fato de ele estar sem camisa. Já tinha visto outros caras sem roupas. Até mesmo Trevis. Mas Kenji era diferente e me irritava não conseguir entender o porquê.
Abri um lado da corrente, soltando uma das suas mãos. Ele puxou a camisa, jogando-a no chão, e então estendeu a mão de novo, deixando o pulso livre para que eu o prendesse de novo.
—Viu, não sou tão mau assim. —Murmurou, abrindo um sorriso fácil, que deixou suas bochechas cheias e os olhos pequenos. Engoli em seco, enquanto minha mente tentava não confundir aquele jeito dele, com quem ele era de verdade.
Filho da Rainha das Rainhas. Tenho que começar a me lembrar disso mais vezes, antes que comece a ficar louco.
Continua...
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Um Mundo de Sombras / Vol. 2
FantasyUMA CONJURAÇÃO DE MAGIA: PARTE II A Rainha das Rainhas foi julgada e condenada a uma prisão em seu próprio reino. Vivendo esquecida por séculos, agora ela está livre para governar os quatro reinos do continente. Usando magia das trevas para controla...