Capítulo 25: Lâmina.

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Kenji

Movi a pequena peça, observando os olhos de Trevis avaliarem o que eu havia acabado de fazer. Enquanto ele pensava na sua jogada, esfreguei meus dedos nos meus pulsos, sentindo a pele sensível e quente, por conta das correntes.

—Você está bem? — Trevis indagou, provavelmente notando a careta que estava no meu rosto. — Está com uma cara de quem está com dor.

—Estou bem. —Murmurei, rindo ao notar o tom de preocupação na voz dele. —Se você continuar se preocupando comigo, vou começar a achar que somos amigos de verdade.

—E quem foi que disse que não somos? —Indagou, movendo sua peça pelo tabuleiro.

—Você teve a ideia de me prender, pequeno Trevis. —Murmurei, erguendo as mãos acorrentadas para bagunçar os cabelos dele. —Além disso, você se esqueceu de quem eu sou filho?

—Você é filho dela, mas isso não te faz uma pessoa ruim como ela. —Trevis afirmou, me fazendo arquear as sobrancelhas.

—Como pode ter certeza? —Indaguei, esquecendo que era minha vez de jogar. Estava mais interessado em ouvir a resposta dele. —Posso ser tão ruim quanto ela e enganar você.

—Bem, isso a gente descobre com o tempo, certo? Mas não acho que o caráter dos pais diga muita coisa. Quer dizer, pode influenciar, mas não acho que é sempre assim. —Ele deu de ombros. —Meus pais me abandonaram quando nasci. E eu sei que sou diferente deles, porque nunca abandonaria um filho. —Fitei ele por longos segundos, vendo seus olhos voltados para o tabuleiro enquanto falava. —Então, você pode muito bem ser diferente da sua mãe.

Fiquei em silencio, voltando minha atenção para o tabuleiro e movendo uma peça qualquer, sem me preocupar se iria ser uma boa jogada ou não. Estava mais ocupado absorvendo o que o garoto havia acabado de dizer, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

—Ei, você perdeu. —Afirmou com um sorriso, chamando minha atenção. —Tirei todas as suas peças e cheguei do outro lado.

Abri um sorriso fraco, observando ele começar a organizar o tabuleiro de Trilha de novo. Esfreguei meus pulsos de novo, me sentindo cansado daquele jogo deles. Ficar preso naquele lugar, com aquelas correntes, estava começando a me irritar. Mesmo que eu estivesse muito interessado em um ponto daquilo, queria ir embora. Queria ir embora logo.

—Trevis?

Olhei por cima do ombro do garoto, vendo Cedric aparecer na sala, com sua costumeira expressão de frustração sempre que me via. O que, inevitavelmente, me deixava feliz.

—O que foi? —Trevis olhou por cima do ombro, fazendo uma careta. —Nada delas?

—Não. Mas presa elas não foram. —Afirmou, olhando pra mim com desconfiança. —Pode ir lá ver se o Alex e a Miriam tiveram algum avanço com o livro? Eu fico de olho nele agora.

—Tudo bem. —Trevis ficou de pé e não demorou muito para desaparecer em uma porta de madeira escura que havia no canto da sala. Aquele era o único lugar, além da caverna que dava para a floresta, que Cedric e Trevis não me deixavam ir.

—Você está passando tempo demais com ele. —Cedric comentou, enquanto eu empurrada a cadeira e ficava de pé, sentindo meus pulsos queimarem.

—E...? —Passei por ele, abrindo um sorriso de canto antes de começar a subir as escadas pra ir pro meu quarto, vulgo prisão. —Se está incomodado com isso, pode resolver a situação me deixando ir embora.

—Oh, cara, como eu não pensei nisso antes? —Ele zombou, vindo atrás de mim. Olhei pra ele por cima do ombro, observando sua expressão curvada em uma careta, coisa que me fez abrir um sorriso maior ainda. —Você acha mesmo que vou te deixar ir?

—Hm, não sei, talvez? Você sabe que a Kayla não vem. Só não quer dar o braço a torcer e aceitar que perdeu tempo invadindo aquele navio e me pegando. —Dei de ombros, chutando a porta do quarto para entrar. —Eu preciso de um banho de novo.

—Ta de sacanagem. —Bufou, enquanto eu me voltava pra ele.

—Sou um homem que gosta de ficar limpo, o que posso fazer? —Zombei, vendo seus olhos se revirarem. Ele se moveu para pegar uma muda de roupa pra mim, enquanto eu pressionava meus lábios, tentando não sorrir. —Você pode ir comigo se quiser.

—O que? —Ele se virou, parecendo não ter certeza se tinha ouvido certo.

—A banheira é bem grande, sabia? Cabe umas três pessoas nela. —Dei de ombros, curvando os lábios em um sorriso, enquanto a expressão dele continuava confusa, ou talvez surpresa.

—O que está fazendo? —Indagou, me pegando de surpresa. Ele estava me encarando com as sobrancelhas erguidas, claramente confuso com aquilo. Mas antes que eu pensasse em questionar aquilo, ele já havia jogado as roupas pra cima de mim, de uma forma nada sutil. —Vai logo tomar seu banho.

—As correntes. —Lembrei, deixando as roupas em cima da cama, antes de começar a abrir os botões da camisa. Cedric revirou os olhos, caminhando na minha direção, enquanto puxava a chave do bolso da calça. Estendi os braços pra ele, vendo ele abrir um dos lados das correntes, soltando meu pulso.

Engoli em seco ao ver a pele vermelha e ralada, formando uma faixa no meu pulso. Aquilo explicava o incômodo que eu estava sentindo com elas nos últimos dias. Esfreguei a área com a mão, vendo os olhos de Cedric encararem o local.

—Por que não disse? —Questionou, parecendo infeliz, antes de agarrar meu braço e me colocar sentado na cama.

—Porque você não se importa, certo? Então me parecia bem óbvio. —Afirmei, dando de ombros.

Ele caminhou pelo quarto, trazendo um pano úmido do cômodo adjacente onde ficava a banheira. Soltei um chiado com a boca quando ele envolveu meu pulso com o pano úmido, apertando de leve. Relaxei o braço, sentindo a pele arder menos com aquilo. Pelo menos naquele momento.

—Melhor? —Indagou, se agachando na minha frente, olhando para meu outro pulso ainda acorrentado. Observei as curvas do rosto dele, dos lábios e do nariz, percebendo o quando ele parecia cansado, com os olhos apagados.

—Sim. —Concordei, umedecendo meus lábios com a língua, sem conseguir desviar os olhos dele. —Se continuar assim, vou começar a ficar mal acostumado. —Ele revirou os olhos, movendo o pano sobre meu pulso de novo. —Parece que o intocável Cedric tem coração, até mesmo para os inimigos.

E pra minha surpresa, ele riu. Não era uma risada irônica, sarcástica ou qualquer outra coisa. Era uma risada sutil, como se tivesse saído sem nem mesmo ele esperar.

—Intocável? —Ele torceu os lábios, erguendo os olhos até os meus.

Sem querer, ele apertou demais o pano, de uma forma que me fez meus músculos enrijecerem ao sentir a pele sensível queimar de novo. Segurei a mão dele no impulso, querendo aliviar a pressão ali. Um suspiro saiu dos meus lábios, quando ergui os olhos de novo e o encontrei me encarando, com os olhos muito iluminados e vidrados.

Por alguns segundos, nenhum de nós dois disse nada. Ficamos ali, encarando um ao outro, como se fosse o suficiente. Senti o coração martelando no meu peito, quando me curvei um pouco. Apenas o suficiente para fazê-lo entender o que eu iria fazer. Talvez ele permitisse. Ou talvez me desse um soco no meio da cara. Mas percebi naquele instante em que o encarava, que valia muito a tentativa.

Nossas respiração se misturaram e senti os dedos dele apertarem meu pulso de novo, enquanto meu polegar fazia círculos nas costas da sua mão. Não fechei os olhos quando nossos narizes se tocaram, querendo absorver cada reação dele quando o beijasse. E eu iria fazer isso com muito gosto.

Parei, com a respiração presa na minha garganta, encarando seus lábios abertos, parecendo tão ansiosos quanto os meus, quando fiquei a um movimento de beija-lo. Mas hesitei ao perceber o brilho metálico da lâmina da faca, no instante que ela tocou meu pescoço.

—O que está esperando, alteza? —Provocou, com os lábios se curvando em um sorriso sarcástico, quando engoli com dificuldade. —Pensei, por alguns segundos, que iria me beijar.



Continua...

Um Mundo de Sombras / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora