Capítulo 33: Magia das Trevas.

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Abri meus olhos muito lentamente, sentindo o sangue latejar na minha cabeça, enquanto o ar parecia pesado demais ao meu redor, para que eu conseguisse respirar. Pisquei algumas vezes, puxando as cordas que prendiam as minhas mãos atrás da cadeira em que eu estava sentado. O cômodo a minha frente estava silencioso e repleto de guardas, enquanto Devlon estava sentado em uma cadeira, do outro lado de uma mesa velha e empoeirada, com os pés erguidos e uma expressão tranquila.

Engoli o nó que se formou na minha garganta, imaginando que se estava sozinho ali, então Trevis deveria ter conseguido se livrar deles sem o poder da safira, que agora também não estava mais comigo. Devlon não disse nada, enquanto me encarava por alguns segundos, como se esperasse que eu tentasse começar um diálogo. Mas eu estava mais interessado na dor que reverberava por todos os meus ossos, como se eu tivesse sido revirado de dentro pra fora.

—Você está com uma cara péssima. —Devlon suspirou, ajeitando o casaco pesado sobre os ombros. —Parecia melhor quando ainda vivia nas ruas.

—Você também não era tão terrível de se olhar quando ainda era chefe da guarda do rei. —Afirmei, dando de ombros, como se aquilo fosse irrelevante.

—Ainda sou. Mas minha rainha é um pouco exigente. —Ele riu, inspirando o ar com força e por alguns segundos, pensei que aquilo tinha mais significado do que deveria. Mas preferi ignorar, pensando apenas em como sair dali, com aqueles guardas todos olhando pra mim. —Eles são muito bons, não são? Não caem nem mesmo quando atingidos no coração. —Olhei pra ele, erguendo uma das sobrancelhas. —A magia das trevas sabe ser magnífica quando quer.

—Eles estão mortos. —Afirmei, vendo o sorriso nos lábios dele se ampliar.

—Magnifico, eu disse. —Ele tombou a cabeça de lado, com os olhos cintilando maldade. —Porque manter guardas vivos que vão cair em algum momento, quando você pode mantê-los mortos para que nunca cainham?

Comecei a respirar mais rápido, sentindo uma sensação estranha no meu corpo, como se cada parte da minha pele formigasse. Me remexi na cadeira, olhando ao redor, esperando que aquele fantasma da minha mãe aparecesse, mas os guardas ainda estavam nos seus lugares, parecendo estátuas.

—O que foi aquilo no trem? —Indaguei, sentindo o sangue correr com mais força pelo meu corpo. —Aquela mulher falando comigo?

Devlon riu com a ainda mais vontade, como se aquilo fosse de fato divertido.

—Que mulher? —Ele arqueou uma das sobrancelhas. Não respondi, sentindo o sangue latejar na minha cabeça com mais força. —Uma coisa que eu aprendi convivendo com a magia das trevas, é que ela gosta de brincar com a mente das pessoas, com o maior medo ou desejo delas. Então, quem era a mulher que ela lhe mostrou?

—Sua rainha sabe? —Consegui perguntar, forçando as cordas atrás de mim. —O que a magia mostrou a mim?

—Não. Mas tenho certeza que ela adoraria ver. —Ele riu, inclinando a cabeça para frente. —Ela só as comanda, como um portador das sombras controla suas sombras. Mas a magia é viva, pensa e sente. Tem o próprio controle dentro de si. Ainda mais uma tão poderosa quanto essa. Quer saber de uma coisa, Cedric? Deveria...

Ele parou, as palavras não ditas pairando no ar, quando a porta do cômodo se escancarou com força. Os guardas reagiram, mas as espadas ficaram erguidas no ar, quando vários lobos imensos de pelos negros e grossos entraram na sala, grunhindo e rosnando na direção deles.

Devlon ficou de pé, dando um passo para trás, assim como os guardas, enquanto o portador das sombras passava pela porta, seguido de Kenji, que olhou diretamente na minha direção, parecendo aliviado por me ver inteiro. Mas não absorvi essa reação dele, porque meus olhos foram para a terceira pessoa que entrou. Kayla parou entre os dois, piscando algumas vezes, enquanto observava a cena a sua frente.

—Eu pensei... —Ela respirou fundo e olhou para Devlon, tombando a cabeça de lado em uma falsa confusão. —Que tinha sido bem clara com sua rainha, Devlon. Tínhamos um acordo e eu não gosto quando as pessoas não sabem cumprir sua palavra.

Engoli em seco, vendo Devlon ser jogado até a parede, com Kayla atravessando o cômodo com os olhos em chamas na direção dele, que agora era preso contra a parede por várias rainhas.

—Você tem sempre tanto a falar. —Axel cruzou os braços na frente do corpo. —Engraçado ver que agora você ficou mudo.

—Como? —Devlon sibilou, com as raizes se enrolando no pescoço dele. —Como sabia?

—Era pra você ter ido embora. Kenji já estava bem e em segurança. —Observei ela segurar o queixo dele, com os dedos tremendo com o que parecia fúria.

O ar se prendeu na minha garganta, quando senti a magia de uma das safiras fluindo pra mim, me deixando mais forte, mais ávido. Não tentei usar o poder, porque Kenji já estava atrás de mim, cortando as cordas e me puxando pelo braço para ficar de pé, enquanto eu ainda assimilava todo aquele poder que corria por mim, querendo explodir.

—Você se lembra do que aconteceu com o último reino que ficou contra mim? —Kayla indagou, apertando ainda mais as raizes ao redor dele.

Parei de andar, ouvindo um resmungo de Kenji. Mas eu precisava ver aquilo. A expressão de uma Kayla que eu não fazia ideia de quem era. Não era a garota que eu conheci nas ruas. Estava muito longe de ser.

—Virou uma casca oca e vazia. A cidade caiu, assim como seus governantes. —Ela respirou, com uma calma que me assustava, enquanto Devlon apenas a fitava. —Você quer que isso aconteça com a sua rainha também? Com seu reino? —Devlon não respondeu, o que fez Kayla rir. —Foi o que eu pensei. Deixei suas mãos nojentas longe de todos eles, ou vou arrancar aquela coroa da cabeça dela, entendeu?

—O príncipe...

—O príncipe não é da sua conta. —Ela o soltou e Devlon caiu no chão, respirando com dificuldade e com o pescoço vermelho.

Kenji puxou meu braço de novo, parecendo que dessa vez ele realmente não queria continuar ouvindo o que Kayla dizia, mesmo que eu quisesse. Ele me puxou para fora de lá, com o rosto curvado em uma expressão dura, enquanto mantinha o aperto firme no meu braço.

—Kenji...

—Só cale a boca, tá legal? —Rosnou, me lançando um olhar irritado. —Você simplesmente não entende.



Continua...

Um Mundo de Sombras / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora