Capítulo 60: Um desejo.

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Não lembro muito bem de como foram os últimos dias. A rainha não enviou nenhuma carta ou disse qualquer coisa sobre Cedric e Lyra. Então nossa última alternativa foi se preparar e embarcar nos navios e partir rumo as terras esquecidas. Durante toda viagem, nenhum de nós falou sobre o que ia acontecer em breve. Todos pareciam envolvidos em uma bolha de preocupação e tensão.

Mas depois de longos dias e noites, aquelas terras congeladas finalmente apareceram no horizonte. Meu coração martelou dentro do peito com a possibilidade de tudo que aconteceria em breve. Eu só queria acabar com aquilo e desaparecer de novo, ficar longe de problemas e poder ter uma vida normal. Ou algo perto disso.

Se eu pudesse fazer um desejo as estrelas, seria exatamente esse. Uma vida normal, com uma família normal. Com meus irmãos. E com Axel. Mas esse é um pedido que não cabe mais a mim e que jamais seria realizado. Não brinque com a morte, eles estão sempre dizendo. Quando na verdade é a morte que está brincando comigo o tempo todo.

—Tudo bem. —Todos ficamos ao redor do mapa, enquanto os navios atracavam em um ponto mais isolado das terras esquecidas. —Vamos descer aqui no lado sul e percorrer toda floresta até o castelo. O exército pode ir pela frente, será uma boa distração. Enquanto nós podemos nos dividir em grupos e entrar no castelo pelos pontos chave que passei. Temos que encontrar Lyra e Cedric primeiro, depois a rainha. Não podemos permitir que ela tente usá-los contra nós de alguma forma.

—Você está bem com isso? —Axel indagou, fazendo Kenji bufar e revirar os olhos.

—Irmão, você acabou de assassinar o seu pai! —Afirmou, fazendo algumas pessoas ao redor de nós arquejarem de surpresa. —Estou mesmo recebendo essa pergunta de você?

—Contextos diferentes, Kenji. —Axel retrucou, fazendo Kenji revirar os olhos de novo.

—Devlon está morto então? —Trevis indagou, parecendo surpreso quando Axel balançou a cabeça que sim. —Já foi tarde.

—Tudo bem. Vamos logo. —A princesa exclamou, caminhando em direção a rampa de descida do navio. —E tomem cuidado com a magia das trevas. Ela provavelmente vai tentar entrar na cabeça de vocês de novo.

—E o que devemos fazer mesmo? —Kenji falou, como se fosse para lembrar a todos que estavam ali, já que já havíamos discutido o assunto antes.

—Pensamentos positivos, sonhos e lembranças boas. —A princesa completou e eu engoli em seco.

Não tinha muitas lembranças boas, mas tentaria focar nelas enquanto estou lá.

[...]

Quando chegamos ao reino, nos separamos. Kenji e Axel foram para um lado, enquanto eu, Trevis e a princesa fomos por outro. Usamos passagens secretas que Kenji explicou onde existiam e onde poderíamos sair dentro do castelo. Então a usamos, percorrendo tuneis escuros, empoeirados e cheio de teias de aranha até chegarmos a uma saída que dava para a biblioteca do castelo, onde a entrada era uma estante antiga e cheia de livros.

Trevis parou no meio de nós duas, pegando a bússola de Henry e a segurando entre os dedos. Os ponteiros giraram sem para, antes dela sumir das mãos de Trevis, voltando para Henry. O sinal que ele precisava para saber que havíamos entrado e eles podiam começar o ataque.

—Temos que achar as escadas para a sala dos feiticeiros e destrui-la para que a rainha não consiga chegar nela caso tente. —A princesa afirmou, caminhando em direção a saída da biblioteca. Ela segurou a maçaneta da porta, enquanto aguardávamos. Não demorou muito para os sinos começarem a tocar, anunciando que o reino estava sobre ataque. —Vamos lá.

Ela abriu a porta e nos disparamos pelo corredor, evitando as áreas onde Kenji disse que os guardas costumavam ficar. A cada corredor que avançávamos, mais a tensão pressionava meu corpo e o poder das safiras zuniam nos meus ossos, implorando para serem usadas.

Paramos de correr quando ouvimos sons de guardas vindo. Trevis e a princesa correram para dentro de um armário que havia no corredor e eu corri até uma das varandas, me escondendo atrás da cortina. Do lado de fora, eu já podia ouvir os gritos e sons das lutas que aconteciam nos territórios ao redor do castelo. Os passos apressados passaram por onde estávamos. Aguardarei até sumirem completamente e então sai de trás da cortina, encontrando o corredor vazio.

—Eles já foram. —Falei, abrindo as portas do armário onde eles estavam. Meus dedos tremeram quando o encontrei cheio de vestidos e sapatos de criança. A maioria era rosa. E nenhum dos dois estava ali. —O que...

Me afastei do armário, olhando para o corredor, sentindo meu coração martelando no peito. Fechei as portas e respirei fundo, antes de abri-la de novo e encontrar aquelas roupas de criança. Vestidos e sapatos que eu conhecia muito bem.

—Não, você não vai fazer isso comigo! —Grunhi, fechando as portas com força, vendo o gelo se formando na mesma quando a raiva transbordou de dentro de mim. Olhei para o armário quando as portas ficaram completamente congeladas e seladas. —É só um pesadelo... é só um pesadelo... não é real...

—Pesadelo? —Me virei para a voz, encontrando a figura de Simon parado lá. —Não é a melhor forma de se referir a sua família. —Dei um passo para trás, olhando pra ele com os olhos arregalados. —Acha que isso é mentira, Kayla? Que eu não estou aqui?

—Você está morto. —Afirmei, sentindo o sangue latejar na minha cabeça quando ele começou a se aproximar. Não me movi, apertando meus dedos uns nos outros. —Isso não é real. Isso não é real. Isso não é real. Isso...

Arfei quando ele agarrou minha garganta, me empurrando até eu estar presa contra a parede. Me debati, chutando e socando o corpo dele para que me soltasse. Seu cheiro me inundou e meu estômago se revirou com as lembranças ruins.

—Pareço ser uma mentira? Parece que não sou real? —Ele apertou minha garganta ainda mais, enquanto sua respiração tocava minha bochecha, fazendo meu coração disparar dentro direito e a raiva borbulhar no meu sangue. —Você sempre foi uma vadia imunda que estava la pra me servir quando eu desejava. E você nunca vai deixar de ser isso, filha. —Gritei, batendo contra ele com mais força, enquanto meus olhos se arregalaram a ponto de doerem e se encherem de lágrimas. —Você me pertence. Seu corpo me pertence. E eu vim pegar...

—Tire suas mãos de mim! —Exclamei, com o ar explodindo ao meu redor e o lançando para o outro lado do corredor. Cai de joelhos no chão, sentindo minha garganta ardendo e a raiva queimando dentro de mim.

Fiquei de pé, vendo Simon fazer o mesmo, com um sorriso de puro prazer no rosto. O chão tremeu e as paredes do castelo estremeceram quando conjurei as safiras e elas flutuaram ao meu redor, com o poder varrendo todo meu corpo e se concentrando nas minhas mãos.

—Você está morto! —Afirmei, cuspindo as palavras. —Mas se estiver mesmo aqui, Simon, saiba que será você a implorar dessa vez. Não sou mais um animal ferido que precisa de proteção. —O poder saiu das minhas mãos, com línguas de fogo que varreram o corredor na direção dele. —Deveria ter permanecido no inferno onde era seu lugar. Mas vou garantir que volte pra lá e nunca mais volte!

As chamas explodiram na direção dele, queimando todas as coisas que estavam pelo caminho, enquanto o poder me envolvia, pronto para destruir tudo como da última vez.


Continua...

Um Mundo de Sombras / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora