Capítulo 36: Eu tenho uma condição.

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Kayla

Caminhei pelo meio do pomar, sentindo o ar gelado da manhã, enquanto Cedric me fitava sem parar, como se eu fosse um mapa a ser descoberto. Mas da mesma forma que ele não me via mais como a garota das ruas, eu também não o via daquela forma.

—Você está curando o mundo com a magia. —Comentou, depois de alguns segundos, soltando uma respiração pesada e desviando os olhos para as árvores floridas ao nosso redor.

—Estou tentando. —Concordei, engolindo em seco. —Mas não é tão fácil quanto parece. Existe um longo percurso até todas as cidades estarem de pé de novo.

—Mas nada disso vai adiantar se a rainha das rainhas continuar no poder. —Cedric afirmou, enquanto eu o observava puxar uma flor da árvore e a encarar na palma da sua mão.

Pressionei meus lábios, não sabendo ao certo o que responder sobre aquilo. Sabia que Cedric tinha razão. Mas se eu ousasse ameaçar o governo dela diretamente, ela começaria uma guerra e seria muito pior. Não quero começar uma guerra. Não quero fazer parte de mais mortes.

—Você gosta dele? —Indaguei, erguendo os olhos para Cedric. Ele parou, parecendo prender a respiração. —Ou só o está usando para chegar a mãe dele?

—Não estou usando ele. Mas... —Ele olhou pra mim e hesitou. —Não sei nada sobre nós. É complicado e você sabe disso. Tenho meus amigos e minhas próprias opiniões sobre a rainha suprema. —Assenti, desviando os olhos dele para voltar andar. —Kayla?

Um calafrio percorreu minha espinha e meu estômago se revirou quando a mão dele se fechou no meu pulso. Me afastei no mesmo instante, rápido demais, voltando a encara-ló, com o coração martelando no peito. Cedric piscou várias vezes, parecendo perplexo por alguns segundos.

—Me desculpe, eu não queria... —Seus lábios tremeram e ele se encolheu. —Convivi com você por tanto tempo nas ruas e nunca... nunca notei. Nunca imaginei.

—Não importa, Cedric. —Afirmei, porque de fato não importava mais. —Está tudo bem. Não sou tão contrária a toques como era antes. Você só me pegou de surpresa.

Ele abriu a boca para falar, mas parou. Então balançou a cabeça afirmativamente e desviou os olhos para casa.

—Ele ajudou você com isso. —Comentou, parecendo infeliz.

—Os dois ajudaram. São minha família. —Afirmei, esfregando a pele do meu pulso. —Faria qualquer coisa por Axel e Kenji.

—Mesmo depois de eles terem escondido de você a verdade? —Cedric voltou a me encarar, e eu involuntariamente me lembrei daqueles dias, de quando descobri a verdade, de quando fiquei no castelo e quase me casei.

—Temos que aprender a perdoar as pessoas. Eles sabiam, sim. Foi errado não me contarem. Mas em nenhum momento eles quiseram me usar. —Afirmei, olhando na direção da casa, vendo Axel e Kenji conversando pela janela da cozinha. —Se eu não tivesse roubado a safira e entrado na floresta do medo, nunca conheceria nenhum dos dois, Cedric. Foi um acaso. Eles jamais teriam ido atrás de mim. Eu me enfiei nisso.

Cedric ficou em silêncio, encarando as árvores ao redor, como se pensasse no que eu havia acabado de dizer. Mas eu não precisava de ninguém para me lembrar daquilo. Eu sabia muito bem o que havia acontecido. Sabendo ou não o que eu era, Axel nunca teria ido atrás de mim por causa das safiras. Ele só foi porque eu entrei na floresta do medo. Eu cruzei o seu caminho e não o contrário.

—Guardião então? —Sussurrei, vendo ele desviar os olhos das árvores para mim. Quando Cedric não respondeu, estendi minha mão na frente dele, deixando as quatro safiras surgirem ali. —Terra?

—Não. —Ele ergueu a mão para toca-las, mas hesitou. —Trevis é a terra.

Ele deslizou os dedos pelas quatro, parecendo testar cada uma delas com a mão. Então parou, segurando a safira azul que pareceu brilhar mais intensamente. Observei Cedric segura-la, enquanto eu fechava minha mão ao redor das outras e as guardava no bolso. Cedric brincou com a safira da água na palma da sua mão, parecendo cansado.

—É meu segundo favorito. —Falei, vendo os lábios dele se curvaram em um sorriso.

—Qual o primeiro?

—Fogo. —Dei de ombros, quando ele ergueu uma das sobrancelhas pra mim. Cedric negou com a cabeça, sorrindo. Então ele testou o poder, criando uma esfera de água, fazendo-a flutuar no ar. —Muito bem, guardião.

Ela despencou para o chão, quase molhando nossos pés, quando nós afastamos a tempo. Cedric encolheu os ombros e me encarou, parecendo muito mais o garoto que eu havia conhecido nas ruas naquele momento. O rosto pálido, os cabelos loiros um pouco encaracolados. Suas bochechas ficaram vermelhas e ele engoliu em seco.

—O que preciso fazer para que nos ajude contra elas, Kayla? —Indagou, com os olhos brilhando em expectativa. —Sei que você não é um monstro. Sei que você quer ajudar as pessoas, se não não estaria ajudando as cidades. Então... por favor, nos ajude. Você pode controlar as quatro ao mesmo tempo. Pode...

—Cedric. —Eu parei, dando um passo para trás, sentindo um peso enorme caindo sobre meus ombros.

—Eu sei que ela é mãe do Kenji. Mas podemos tentar... qualquer coisa. —Afirmou, soando cada vez mais ansioso. —Vim até aqui porque eu confio em você, Kay. Sei que é uma boa pessoa que passou por coisas ruins. Então... nos ajude.

Cedric olhou para as mãos quando percebeu que eu havia conjurado a safira para mim de novo, fazendo uma careta. Não havia sido intencional, mas eu não queria que aquilo estivesse entre nós naquele momento.

—Você se culpa pela morte dos seus irmãos. —Meu rosto ficou quente, enquanto eu encarava Cedric e o ouvia proferir aquelas palavras. Ele deu um passo na minha direção e depois outro, erguendo as mãos muito lentamente, até segurar as minhas. Não fugi dessa vez, o que o fez abrir um sorriso aliviado.

—A culpa não é sua. Você era só uma criança. Mas você não é mais uma criança agora. Pode ajudar todo mundo, Kay. —Um nó se formou na minha garganta quando ele tocou minha bochecha, parecendo com medo da minha reação. Mas não em afastei de novo, apenas o encarei. —Se fizermos isso juntos... eu, você, Kenji, Axel, o Trevis e as garotas, podemos concertar as coisas sem ninguém mais se machucar e sem ficar uns contra os outros.

Apertei meus lábios, olhando por cima do ombro dele, vendo Axel e Kenji juntos, olhando para onde estávamos, como se quisessem checar que estava tudo bem.

—Tudo bem. —Suspirei, vendo Cedric soltar uma respiração pesada. —Mas eu tenho uma condição.



Continua...

Um Mundo de Sombras / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora