Capítulo 55: Orfanato.

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Trevis

Cutuquei as lenhas no meio das chamas com um graveto, tentando aumentar o fogo. O barulho do acampamento ao redor era quase inexistente, como se só existisse eu ali. Eles eram bem silenciosos. Nada de conversas altas. Nenhuma risada sequer. Era como se aquele campo congelado estivesse vazio.

Olhei por cima do ombro quando alguém entrou na barraca. Cedric estava parado na entrada dela, me observando como se eu fosse um fantasma. Eu provavelmente estava agindo como um nos últimos dias. Mas eu estava cansado de fingir que estava tudo bem, quando na verdade não está.

—Ei, o que está fazendo? —Cedric se aproximou, abrindo um sorriso. —O café da manhã já está servido. Vamos lá?

—Não estou com fome. —Afirmei, vendo ele comprimir os lábios e suspirar, como se estivesse cansado. —Pode ir. Vou ficar aqui mais um pouco.

—Tudo bem. —Ele se sentou do meu lado, parecendo estar muito disposto a uma discussão logo cedo, quando eu só queria ficar sozinho. —Qual o problema.

Fiz uma careta, porque já tinha tido aquela conversa com Diana. Já havia entendido que estava sendo um pouco injusto com meus amigos. Eu deveria estar feliz por eles. Mas estava me sentindo sozinho e cansado.

Não tive absolutamente nada a vida toda. E eu ainda era uma criança, inevitavelmente, mesmo que tivesse a eternidade pela frente. Não tive meus pais. No orfanato eu apanhava até não aguentar mais. Nas ruas não era nenhum pouco diferente, eu apanhava e ainda passava fome quando roubaram o que eu conseguia.

Então eu tinha Cedric e a Kayla. Os dois estavam na mesma situação que eu e eram meus amigos. Eles não roubaram de mim ou tentavam me espancar sempre que me viam. Eles me ajudavam. Depois veio a Diana e a Lyra. Elas se tornaram minhas amigas enquanto corríamos atrás de safiras mágicas. Cada um de nós não tinha nada além da nossa amizade. Agora eles tem algo mais. Gosto de vê-los felizes, mas odeio me sentir sozinho.

—Eu estou bem. Só estou preocupado. Vamos enfrentar a rainha em breve, não é? —Falei, abrindo um sorriso fraco pra ele. Cedric não pareceu convencido, mas assentiu.

—Sinto muito se as coisas estão um pouco pesadas pra você, Trevis. Sei que é bem mais novo que nos. Se quiser ficar de fora, vamos entender. —Ele tocou no meu ombro, sorrindo pra mim de forma carinhosa. —Queremos o seu bem. Todos nós.

—Até o Axel? —Indaguei, mesmo sabendo a responda.

—Ah... bem, acho que aquele cara só quer o bem da Kayla. Então... —Ele deu de ombros e eu acabei rindo.

Não entendia a amizade de Axel e Kenji. Axel era fechado e sombrio, como as próprias criaturas das sombras que andam com ele. Kenji era aberto e fazia amizades com muita facilidade. E ainda tinha Kayla no meio disso, que conseguiu se entender com os dois, mas principalmente com Axel.

—Eu estou bem, prometo. Vou ajudar vocês o quanto puder. —Afirmei, tocando a mão dele que estava no meu ombro.

—Que bom. —Ele se inclinou na minha direção. —Que tal a gente ir tomar café agora?

—Acho uma ótima ideia. —Falei, fazendo o sorriso dele aumentar.

Cedric ficou de pé, segurando minhas mãos e me ajudando a ficar de pé também. Segui ele até a entrada da barraca, sentindo que meus ombros estavam bem mais leves que antes. Cedric se afastou de mim quando passou pela entrada da barraca, desaparecendo lá fora. Ergui a lona saí também, parando de andar quando tudo que encontrei não foram árvores cheias de neve. barracas e cabanas.

—Cedric? —Chamei, sentindo meu coração acelerar quando encarei aquele corredor cheio de tochas pelas paredes. Olhei para trás de mim, vendo que a entrada da barraca agora era uma porta de madeira empoeirada. —Cedric?

—Trevis? —Cedric chamou de algum lugar daquele corredor, me fazendo começar a andar, com o coração martelando no peito.

—Cedric? Onde você está? —Chamei, forçando as maçanetas das portas pelo caminho, sem conseguir abrir qualquer uma delas. —Onde você está? Cedric?

Peguei embalo e arrombei uma porta, caindo no chão. Quando ergui os olhos, encontrei fileiras de camas desorganizadas e antigas, com vários garotos dormindo em cada uma delas. Minha garganta se fechou e meus olhos se arregalaram ao mesmo tempo que dava passos para trás.

Me virei assustado quando meu corpo se chocou contra outro, sentindo o ar se prender na minha garganta e meus olhos se encherem de lágrimas quando encarei a mulher que segurava uma vara nas mãos. A vara que iria usar pra me bater. A que eu conhecia muito bem.

—Fique longe de mim! —Exclamei, andando para trás. Para longe dela. —CEDRIC! ONDE VOCÊ ESTÁ?

A mulher se aproximou mais, segurando a vara pra cima, deixando-a na posição para me acertar. Meu sangue ferveu com as lembranças das outras vezes que ela havia feito aquilo comigo, gritando e me acertando até minha pele queimar e sangrar.

—CEDRIC? —Gritei, correndo para o outro lado do quarto, na direção das janelas.

—TREVIS, PARE! —Cedric exclamou, de algum lugar que eu não podia vê-lo. —PRECISA PARAR!

—ME TIRE DAQUI! —Forcei as janelas, com meus olhos embaçados pelas lágrimas. —CEDRIC, ME TIRE DAQUI! POR FAVOR, ME TIRE DAQUI!

Olhei pra trás, enquanto forçava as janelas a se abrirem. A mulher se aproximava cada vez mais, me olhando com uma expressão furiosa. Gritei, socando a janela de madeira quando ela não quis abrir, sentindo meu coração chegar a boca.

—CEDRIC!

—ABRA OS OLHOS, TREVIS! —Cedric gritou, me fazendo ofegar e arregalar os olhos. Mas eu ainda estava lá. Ela ainda estava vindo na minha direção. —TREVIS, ABRA OS OLHOS! ABRA OS OLHOS AGORA!

A mulher chegou na minha frente e eu gritei, sentindo meu sangue ferver e o poder da terra correr pelos meus ossos. Desabei no chão, gritando com os olhos fechados com força, enquanto escondia meu rosto nos joelhos e segurava minha cabeça com força.

O poder explodiu de mim, atingindo a mulher na minha frente e tudo que estava pelo caminho. O poder queimou nas minhas mãos, criando raízes, galhos e árvores por todos os lados. Cedric gritou dentro da minha cabeça, assim como outros gritos de desespero que vinham de algum lugar ao longe.

Não consegui parar. O poder me envolveu como um casulo, atingindo tudo que se aproximava enquanto eu tentava abandonar aquela lembrança.



Continua...

Um Mundo de Sombras / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora