Capítulo 45: Magos.

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Não consegui dormir, mesmo que tentasse. Minha mente estava ligada demais nos últimos acontecimentos para eu conseguir me desligar por algumas horas. Não conseguia fechar os olhos sem lembrar da imagem dos meus irmãos. Não conseguia parar de pensar nas quatro pessoas que haviam embarcado nisso e agora estão aqui comigo.

Estou tentando evitar ficar no meio de uma guerra a tanto tempo. Mas quando mais eu fujo, mas perto de mim ela chega. Estou cansada de ficar apenas me defendendo. Estou cansada de passar os dias tentando sobreviver ao amanhã. Não importa se tenho a eternidade ao meu lado, ainda sinto que meu tempo de vida é contado.

—Você não sabe bater na porta? —Indaguei, vendo as sombras de Axel tomando conta do cômodo. Ele surgiu segundos depois, na ponta da cama, com os braços cruzados enquanto em encarava.

—Por que bater na porta se eu posso simplesmente entrar? —Retrucou, me fazendo fechar os olhos com força e esconder o rosto no travesseiro. —Vai me dizer o que está acontecendo? Por que está aqui, quieta e chateada?

—Não estou chateada. Só quero ficar sozinha um pouco. —Dei de ombros, vendo ele arquear as sobrancelhas, claramente não acreditando em mim. —Não estou chateada, juro. Só não sei lidar com isso tudo, tá legal? Queria viver como alguém normal. Ser alguém normal. Mas tudo sempre é um caos completo e eu sempre sou sugada para o meio.

—Podemos simplesmente ir embora daqui, Kay. —Axel se deitou ao meu lado, tocando minha bochecha. —Existem milhares de mundos por ai. Podemos ir pra qualquer um deles e ter uma vida normal como você quer.

—Não acho que conseguiríamos. —Afirmei, observando aquelas estrelas que brilhavam nos olhos deles. —Sinto que não importa pra onde eu vá, o peso das safiras estará sempre nas minhas costas e alguém sempre irá deseja-las.

—Podemos tentar. —Murmurou, enquanto eu me aproximava dele, sentindo seus braços envolverem os meus e seu calor me aquecer. —Também não quero passar a vida fugindo.

Deitei minha cabeça no peito dele, ouvindo seu coração bater acelerado. Minha respiração se acalmou, seguindo o ritmo do coração dele. Meus olhos se fecharam aos poucos, enquanto eu sentia os lábios dele na minha testa.

—O que está pensando? —Indaguei, quando Axel ficou em silencio, deslizando os lábios pela minha testa.

—Na minha mãe. —A respiração dele falhou um pouco, enquanto seus braços ficavam mais firmes ao meu redor. —Ela passou a vida servindo a rainha. Passou a vida usando seus poderes para proteger um reino todo. As vezes sinto que ela não conseguiu viver de verdade, por mais que a eternidade estivesse do seu lado. Ela morreu por aquele povo. Será que ela foi feliz de verdade?

Ergui os olhos para observar o rosto dele, vendo que Axel fitava o teto sem nem piscar, parecendo estar distante demais naquele momento, por mais que eu estivesse entre seus braços.

—Por isso nunca vou perdoar ele, Kay. Você entende, não é? —Ele abaixou os olhos pra mim, me fitando como se eu fosse a única coisa solida no mundo. —Quando aqueles magos surgiram pra criar a barreira, ela correu para proteger o reino. Ela gritou por ele, Kay... Eu escutei. Escutei ela chamar por ele. Implorar para que fosse até onde ela estava. Ela gritou o nome dele. Foram tantas vezes e até ficar rouca. —Ele fechou os olhos, negando com a cabeça. —Ele me disse pra ir. Me disse para cuidar de Kenji que ele iria voltar por ela.

—Ele não voltou. —Sussurrei, vendo ele abrir os olhos de novo. Mágoa e fúria se misturando entre aquelas estrelas.

—Ela morreu sozinha. Morreu chamando por ele, enquanto ele corria de volta para o reino, mesmo que não fosse possível ajuda-los. —Axel quebrou nosso contato visual, se sentando na cama. Fiz o mesmo, tentando ver a expressão no rosto dele. —O corpo dela estava frio como uma pedra de gelo quando a encontrei. Estava praticamente irreconhecível. Mas é isso que acontece com os portadores das sombras que são pegos. Somos destroçados de dentro pra fora, porque sempre vamos ser considerados monstros. —Ele virou o rosto e me encarou, agora com o rosto indiferente. —Ele a deixou pra morrer sozinha. Tenho certeza que se tivesse que escolher entre o reino e eu, escolheria o reino.

—Mas você não é igual a ele. —Afirmei, vendo-o negar com a cabeça.

—Eu sempre escolheria você, Kay. Independente do que fosse, eu sempre escolheria você e correria se me chamasse. —Murmurou, me puxando para o seu colo. —Quero viver de verdade. Não quero uma ilusão como a da minha mãe. Quero viver de verdade, Kay.

Balancei a cabeça afirmativamente, sentindo meu coração acelerar quando ele segurou meu rosto e me beijou, com um pouco de força e necessidade que me deixaram sem ar. Soltei uma risada quando ele me virou, me colocando deitada ficando sobre mim. Beijei os lábios dele de novo, sentindo sua mão puxar minha camisa, tentando tirá-la.

—Ei, gente, podem abrir pra mim? —Kenji bateu na porta, fazendo Axel soltar uma respiração pesada.

—Vá embora! —Axel exclamou, voltando a me beijar, enquanto Kenji continuava batendo na porta.

—Sabe, isso não foi nem um pouco gentil da sua parte. —Kenji afirmou, batendo sem parar. —Podem deixar a troca de salivas pra depois. —Axel fingiu que não estava ouvindo, já que continuava me beijando, enquanto eu tentava não rir. —É, sério, abre aí!

—Eu vou te matar, Kenji! —Axel saiu de cima de mim, marchando até a porta, enquanto eu tentava parecer o mínimo apresentável.

—Nossa, quanto amor. —Kenji entrou no quarto com um sorriso muito grande, antes de ficar sério ao ver a expressão nada boa no rosto de Axel. —Ei, irmão, foi mal. Não achei que fosse ficar tão irritado assim. Não é a primeira vez que eu interrompo vocês.

—O que você quer? —Axel fechou a porta quando ele entrou. Kenji fez uma careta pra ele, antes de olhar pra mim com as sobrancelhas erguidas, como se estivesse me fazendo uma pergunta silenciosa.

—Só quero conversar. Ainda somos um grupo, certo? Não tivemos tempo pra conversar sobre o que está acontecendo agora. —Kenji afirmou, soltando uma risada nervosa. —Mas, nossa, posso ir embora e voltar depois se...

—Senta aqui, Kenji. Está tudo bem. —O cortei, batendo na ponta da cama ao meu lado. Kenji olhou para Axel, hesitante, antes de vir e se sentar. Axel se sentou do meu outro lado, bufando irritado. —Só estávamos falando de algo... triste.

—E quando é que falamos sobre algo feliz? —Ele cruzou os braços na frente do corpo, me fazendo revirar os olhos e rir. —Tudo aqui é triste, princesa. —Ele olhou de mim para Axel. —Do que estavam falando?

—Minha mãe. —Axel murmurou, olhando para um ponto fixo no chão.

—Ah! —Kenji se encolheu ao meu lado. Parecia constrangido por ter perguntado o motivo e por ter interrompido nós dois, já que encarou a parede da cabine, como se ela fosse mais interessante que nossos rostos. —Sim, esse é um assunto muito triste.

Ficamos em silêncio, porque agora eu estava constrangia e Axel também parecia constrangido. Não sei o que estava acontecendo ali, mas era estranho, desconfortável e até mesmo um pouco tenso.

—Tenho que contar uma coisa. —Kenji hesitou, engolindo em seco, antes de olhar pra nós. —Quando fui pro reino, visitar minha mãe, antes de ser pego pelos guardiões... —Ele ergueu a mão e esfregou a nuca. —Descobri que eles estão juntos. Minha mãe e seu pai, quero dizer.

Axel inclinou a cabeça para frente, com a testa franzida.

—O que?

—Juntos, sabe? Romanticamente falando. Quer dizer... não sei se eles se gostam. Mas ele estava entrando no quarto dela no meio da noite e...

Kenji parou de falar, engolindo com dificuldade quando viu a expressão no rosto de Axel. Porque aquele certamente não era o momento para Axel descobrir sobre aquilo. Porque o rosto dele estava contorcido em uma raiva fria e crua que poderia partir o mundo ao meio.



Continua...

Um Mundo de Sombras / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora