Um Mundo de Sombras / Vol. 2

Capítulo 20: Um passo a frente.

Me sentei no chão ao lado da porta aberta do cômodo onde Kenji estava, ouvindo o som da água enchendo a banheira. Ele estava cantarolando algo baixinho, como se não conseguisse ficar quieto naquele momento.

Meus pensamentos estavam vagando entre as garotas que estavam fora e o risco que elas corriam. Além de Kayla, que pelo que o lusion falou, estava em terra firme, mas por enquanto sem qualquer indicação que viria atrás de Kenji. O que era meio que um balde de água fria sobre nossas cabeças.

—Então, como você foi parar nas ruas? —Indagou do nada, iniciando uma conversa.

—Não vou falar sobre minha vida com você. —Rebati, ouvindo ele rir e então o barulho da água parando de cair, seguida por um silêncio estranho.

—Tudo bem. Eu posso falar da minha vida então. —Kenji murmurou, me fazendo revirar os olhos. —O pequeno Trevis deve ter contado que eu já estive no Mundo Inferior. Um lugar... nada legal, devo dizer. Mas passei um bom tempo lá com Axel, procurando por objetos mágicos. —Afirmou, enquanto eu prestava atenção em cada palavra. —Foram tempos estranhos. Conhecemos algumas raças que nem achávamos que eram reais.

—Vampiros? —Indaguei retoricamente.

—Vampiros, peregrinos, feéricos, essas coisas. —Kenji continuou, parecendo animado ao perceber que eu estava prestando atenção. —Não quero voltar mais lá. É um mundo sombrio e aterrorizante demais pra quem não o conhece.

—Mas você tem poderes. Não acredito que tenha medo de um lugar como aquele. —Afirmei, soando um pouco provocativo.

—Não é medo. Só não gosto de lá. Entenderia se conhecesse. —Rebateu, com uma voz mais baixa.

Kenji ficou em silêncio e eu me remexi no chão, um pouco desconfortável pela parada repentina. Umedeci meus lábios com a língua, ponderando sobre alguma coisa que pudesse falar naquele momento, para não ficamos naquele silêncio desconfortável.

—Seu pai era rei ou príncipe consorte? —Questionei, imaginando que ele iria rir e não responder aquela pergunta. Mas foi ele quem começou, querendo falar sobre nossas vidas pessoais.

—Hm, príncipe consorte. —Kenji murmurou depois de alguns segundos. —Era um mero súdito do reino que conquistou o coração da princesa.

—Ele tinha poderes? —Ousei questionar, sentindo o ar ficar um pouco tenso.

—Meu poder veio da minha mãe, Cedric. —Sinto o ar pesar e fiquei feliz por Kenji estar em outro cômodo, pra não ver o quão difícil foi engolir depois dessa informação. —Não é algo que seja de conhecimento geral. Mas a Rainha das Rainhas é uma portadora dos raios. Imagino que não seja uma informação muito agradável pra você, apesar de ser valiosa também.

—É, não me parece muito bom que ela tenha poderes, além dos que já tem. —Afirmei, soltando uma respiração pesada. —Não lembro como fui parar nas ruas. Só sei que estive lá desde o início. Não sabia quem era meus pais até um tempo atrás, quando o lusion me contou que meu pai era um pirata e minha mãe a filha de um mercador.

—Eles estão...? —Ele não completou, apesar de deixar evidente que era uma pergunta.

—Sim, estão. —Confirmei, abraçando meus joelhos. —Mas já fico feliz por saber que eles me queriam, independente do que tenha acontecido

—Sinto muito. —Kenji murmurou, me fazendo encolher os ombros. —Tenho certeza que eles amaram você, pelo tempo que foi dado a eles.

—Valeu. —Sussurrei, mesmo sabendo que era baixo demais pra ele ouvir.

Ficamos em silêncio pelo tempo que Kenji levou para terminar o banho. Quando ele voltou para o quarto, já estava parcialmente vestido, já que precisava se livrar de um lado das correntes para colocar a camisa de novo.

Esperei ele vesti-la, fechando cada botão lentamente, enquanto olhava pra mim com as sobrancelhas erguidas. Seus cabelos castanhos estavam úmidos e deixavam várias gotas caírem pelo seu rosto. Quando terminou, estendeu a mão para que eu prendesse a outra ponta da corrente no seu pulso.

Me afastei dele e deixei que fosse até a cama, se sentando nela em meio a uma respiração pesada. Quando penso em Kenji quando o vi pela primeira vez, lembro apenas na expressão furiosa dele quando soube que havíamos contado tudo a ela. Mas também, depois que Axel a tirou de lá, ele pareceu genuinamente preocupado com ela.

Pensei naquela época, que ele era igual ao que todos diziam ser a mãe dele. Estávamos lutando para não permitir que ela ficasse livre de novo e que as safiras jamais caíssem nas mãos dos reis. Parecia fácil demais não gostar dele naquela época. Parecia fácil demais usar ele pra chegarmos até as safiras. Só que não parece mais tão fácil agora.

—Eu sei ler o livro. —Murmurou, quando eu estava saindo do quarto. Parei e olhei pra ele, arqueando as sobrancelhas. —O Livro das Revelações, eu seu ler a língua dos feiticeiros que o criaram.

—Como? —Indaguei, soltando uma risada nervosa. —Impossível. Você está mentindo.

—Bem, não estou mentindo. Eu te disse, passei muito tempo com Axel no Mundo Inferior. Conhecemos e estudamos um pouco de tudo. —Ele deu de ombros. —Parecia inteligente conseguir o máximo de conhecimento possível já que estávamos lá.

—E agora você está se oferecendo para decifrá-lo pra nós? Sabe que pretendemos usá-lo contra sua mãe, certo? —Ri, negando com a cabeça e Kenji mordeu o lábio, se deitando na cama de forma relaxada.

—Na verdade, estou apenas contando a você que posso lê-lo. —Afirmou, soltando um suspiro pesado. —O que significa que estou a um passo a frente de vocês, mesmo que acorrentado.

Encarei ele por alguns segundos, antes de sair do quarto e fechar a porta. Me virei para trancá-lo, mas parei no meio do movimento e desisti, soltando um suspiro de frustração. Ele tinha razão, estava a um passo a frente de nós. Estava muito antes do livro, quando disse que Kay não viria.

Mas agora parecia que havia algo a mais para nos preocuparmos. Nenhum de nós estava esperando a rainha suprema com poderes. Com magia das trevas ela já parecia ruim o suficiente para se lidar.

—Merda! —Xinguei, caminhando para longe de Kenji. Precisava ter uma conversa com aquele lusion.

Continua...