Capítulo 44: Capitão Henry.

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Kayla

Entrei na cabine, com Cedric vindo logo atrás de mim. Ele olhou ao redor, parecendo querer gravar cada cantinho dali. Apesar de ter pego o navio pra mim, a maioria das coisas ainda é do Rei dos Mares. Agora, acho mais do que justo pertencer a Cedric. Ele merece.

—Você já leu o diário todo? —Indaguei, observando o diário que estava nas suas mãos. Ele não o soltou a viagem toda até aqui. Lendo a cada parada e a cada momento que podia.

—Sim... —Ele hesitou, mordendo o lábio. —Você chegou a terminar?

—Ainda não. Por quê? —Questionei, vendo ele pegar o diário, folheando algumas páginas, antes de suspirar e encolher os ombros.

—Foi o meu avô... pai da minha mãe. —Ele parou, umedecendo os lábios com a língua. —Ele não queria o romance deles por meu pai ser um pirata. Os dois fugiram juntos quando ela descobriu que estava grávida. Aqui ele diz que... que meu avô pegou seus navios e foi para o mar em busca deles. —Cedric fechou o diário de novo, esfregando a nuca. —Eles fugiram por cinco anos. Até minha mãe ficar doente. Ele nos encontrou e a matou.

Desviei os olhos de Cedric, percebendo que ele estava muito, muito perto de chorar. Eu entendia aquela dor. Entendia o que era perder as pessoas que mais amava no mundo.

—Meu pai me pegou e voltou para o mar. Mas meu avô continuou procurando por ele. —Cedric caminhou até a mesa e jogou o diário sobre ela. —As últimas palavras dele eram sobre ter me levado para terra firme e me escondido, onde meu avô não poderia me achar. Bem, acho que podemos imaginar o que aconteceu já que ele nunca mais escreveu.

—Sinto muito, Cedric. —Murmurei, olhando pra ele de relance, vendo ele secar as lágrimas que escorriam pela bochecha. —Eles amavam você. Eles queriam você.

—É, isso me conforta um pouco. Ler todas as palavras que ele disse sobre minha mãe e eu... Pensar que eles não me queriam era bem ruim. —Ele deu de ombros. —Mas não consigo imaginar os dois sendo assassinados por... você sabe.

Olhei pra ele por alguns segundos, pensando o quanto todos nós perdemos pessoas no decorrer de todas as nossas vidas. Viver nesse mundo nunca foi a coisa mais fácil. Ou você luta ou você morre. Pra uma criança isso pode ser considerado cruel, mas somos ensinados desde o início que nosso mundo é assim.

—Recuperei o navio da ilha dos piratas. Estava apenas a carcaça. —Comentei, vendo ele erguer os olhos para me fitar. —Ele é seu. Acho justo que você seja o capitão.

—Mas... —Ele parou, olhando ao redor de novo, como se não soubesse se aceitava ou não. —Tem certeza?

—Absoluta. —Abri um sorriso fraco pra ele, sentindo meu coração se aquecer com aquele pequeno ato. —O navio é seu, capitão.

Não sou um monstro, Cedric. Veja só. Eu não sou um monstro.

[...]

Parece que Cedric não seria o único a comandar um navio até a ilha fantasma. Quando estávamos em alto mar, muito longe da costa, o navio de Henry surgiu no horizonte. Por alguns segundos me perguntei se um dos quatro havia chamado ele com uma bússola encantada, mas era algo que eu não iria perguntar.

Observei o navio se aproximar mais a cada segundo, com as bandeiras piratas que eu me lembrava bem, balançando com o vento. Da última vez que o vi, ele estava no castelo do Reino Solar. Ele havia ido me ajudar.

—Isso te lembra algo? —Axel parou ao meu lado, indicando o navio.

—Você estava bêbado daquela vez. —Afirmei, vendo ele soltar uma risada.

—Não, eu fiquei bêbado depois que estava preso naquele navio. Você cuidou de mim, esqueceu? —Ele olhou pra mim com as sobrancelhas erguidas. —Era tudo parte do meu plano, você sabe.

—Ser preso pelos piratas? —Mesmo antes de ele responder, eu já estava sorrindo.

—Não, mendiga. Ficar bêbado para que você cuidasse de mim. —Ele estalou a língua quando eu revirei os olhos, ainda sorrindo.

—Tenho certeza que a parte do vômito não estava no roteiro, Axel. Foi nojento. —Afirmei, dando uma cotovelada nas costelas dele. —Mas eu perdoo você por aquilo.

Ele soltou uma risada, enquanto a minha sumia quando Lyra, a princesa, Trevis e Cedric surgiram onde estávamos para ver o navio do capitão Henry. Engoli em seco, sentindo meu coração martelando no peito.

A água bateu com força contra o casco do navio, fazendo ele balançar, enquanto o navio ficava ao lado do nosso, com a figura de Henry passeava pelo deck olhando na nossa direção.

—Ora, ora, vejam só que grupo mais interessante eu acabei de encontrar. —Exclamou, se escorando no parapeito do navio. Então me indicou com a cabeça. —Acho que eu perdi uma parte da história.

—Você perdeu muita coisa, na verdade. —Axel afirmou, acenando pra ele com uma expressão séria. —Como nos encontrou?

Ele apontou para Lyra, enquanto balançava uma bússola na mão. Era exatamente o que eu imaginava. Da última vez, era eu quem estava com aquela bússola nas mãos. Antes de eu matar pessoas. Antes de eu destruir os reinos.

—Kayla, é bom ver você. —Fiz uma careta quando Vlad apareceu, erguendo uma garrafa de rum com um sorriso escancarado. Dessa vez a aparência parecia ter envelhecido um pouco. Mas ainda continuava o mesmo bêbado de antes.

Acenei pra ele, me afastando para sair dali. Havia algo em todo aquele clima de reencontro que estava me deixando sufocada. Talvez fosse o tempo sozinha apenas com Axel e Kenji. Ou talvez fosse porque eu estava me enfiando no meio de toda essa confusão de novo, quando prometi a mim mesma que não faria isso.

—Ei, tudo bem? —Axel tocou meu braço com cuidado, me fazendo parar de andar e olhá-lo por cima do ombro. —O que foi?

—Só estou cansada. Quero dormir um pouco. —Menti, vendo ele pressionar os lábios em negação.

—Quer que eu vá ficar com você?

—Não acho que eu vá ter pesadelos agora. —Meu estômago se revirou. —Só quero ficar sozinha. Vou ficar bem. —Quando ele não soltou meu braço, completei —Prometo.

Sai andando sem olhar pra trás, me trancando na cabine principal.


Continua...

Um Mundo de Sombras / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora