Kenji me tirou da cidade. Caminhamos em silêncio por vários minutos pela floresta. Na maior parte do tempo, ele estava me segurando, já que eu tropeçava na maior parte do caminho, de tão cansado que me sentia. Não ousei perguntar absolutamente nada, já que ele tinha deixado muito mais do que claro que não queria conversar sobre o que tinha acabado de acontecer. Apesar de não querer também, eu tinha muitas coisas a dizer.
Observei a casa que surgiu depois da floresta, em frente a um pomar que cobria toda a área limpa atrás da casa. Kenji me olhou uma única vez, parecendo querer saber qual seria minha reação, então me levou para a casa, com os dedos firmes ao redor do meu braço, com a irritação parecendo desaparecer dele aos poucos.
—Senta aí. Vou pegar as coisas pra cuidar dos seus machucados. —Ele apontou para o sofá, antes de subir as escadas e me deixar sozinho ali. Engoli em seco e me sentei, abrindo a camisa para ver o corte no início da costela.
—Que lugar é esse? —Indaguei, assim que ele voltou, trazendo algumas coisas consigo.
—A fazenda de uns conhecidos nossos, das terras esquecidas. Eles viveram aqui antes da barreira cair e poderem voltar pra casa. —Explicou, se ajoelhado na minha frente e puxando a camisa para que eu tirasse por completo.
—Como me acharam? —Ele olhou pra mim e pressionou os lábios, como se a irritação estivesse ali de novo.
—Você estava com a safira, desejando que a Kayla aparecesse. Ela sentiu. —Ele deu de ombros. —Não foi difícil encontrar vocês na cidade. Devlon é bem conhecido hoje em dia.
Balancei a cabeça afirmativamente, chiando de dor quando ele abriu um frasco e jogou o líquido no machucado, fazendo a área queimar e meu estômago se revirar. Engoli a onda de dor que fez meu corpo estremecer e o encarei.
—Trevis? —Ele balançou a cabeça negativamente. —Acha que Devlon pegou ele também?
—Se pegou, Kayla vai arrancar a cabeça dele de vez. Mas acho que não, ele não pegou. —Kenji começou a fazer o curativo, parecendo super concentrado, enquanto eu olhava para cada detalhe no seu rosto. —Acho que saberíamos se estivesse com ele. Devlon não é um cara muito esperto. Quer dizer... as vezes eu duvido disso.
—Kayla está deixando as coisas mais vivas por onde passa. —Comentei, lembrando da cidade. Kenji olhou pra mim e então sorriu, negando com a cabeça.
—O que foi? Está surpreso por ela não ser o monstro que você imaginava? —Ele ergueu as sobrancelhas e eu bufei. Aquilo era tudo o que eu menos pensava.
—Nunca a vi como um monstro. Mas ela também não é a garota que eu conhecia nas ruas. —Afirmei, vendo Kenji rir de novo, parecendo achar minha afirmação engraçada de alguma forma. —Qual é a desse acordo dela com a rainha?
—Ela não toca em vocês e nem me obriga a fazer parte disso, em troca a Kayla não se envolve com o reinado dela. —Kenji suspirou, esfregando as têmporas. —Mas Kayla achou um jeito de concertar as coisas sem lidar com ela.
—Curando o mundo que está morrendo. —Comentei, e ele assentiu. —Você não quer ser rei?
—Não. Não quero. —Kenji nem sequer hesitou em responder. —Não sirvo pra isso. Gosto de fazer o que eu quero. Gosto de viver com Kayla e Axel no mar. Não quero ficar sentado em um trono dando ordens, com uma coroa idiota na cabeça.
—Isso não deve deixar sua mãe muito feliz. —Murmurei, vendo ele pressionar os lábios em negação.
—É por isso que Kayla deixou claro que ela não pode me obrigar a participar do reinado dela. Estou fora a muito tempo e não tenho intenção de voltar. —Afirmou, terminado o curativo e passando para minha mão, que tinha um pequeno corte na palma. —Estávamos procurando alguma coisa por aí, que tirasse o poder da magia das trevas sobre minha mãe. Algum tesouro dimensional poderoso. Ela está se deixando levar. A magia está dominando ela. Sei disso. —Ele piscou algumas vezes, parecendo frustado e um pouco triste. —Mas tudo que encontramos foi uma espada que invoca uma chama sagrada, um poço que transforma você no que quiser, flores mágicas que realizam desejos, uma espada negra que invoca fantasmas... nada de interessante. Nada que pudesse nos ajudar.
—E o livro das revelações? —Ergui as sobrancelhas e ele riu, dando de ombros.
—Se nenhum outro tesouro mágico poderoso pode ajudar, o livro idiota que não vai ser. —Declarou, soltando uma respiração pesada. —Mas você não se importa, não é? Você a odeia e quer matá-la por ser uma péssima rainha.
Ele enrolou a faixa na minha mão, com uma expressão indecifrável. Respirei fundo, sentindo meu coração errar algumas batidas, enquanto o toque da mão dele era um calmante pra mim. Não importava quem estava ou não errado nessa história. Todos estavam fazendo alguns sacrifício. Para proteger alguém ou proteger o mundo.
—Sinto muito, Kenji. Sinto muito mesmo. —Afirmei, vendo ele erguer os olhos e me fitar por alguns segundos, antes de abaixar a cabeça e encarar o curativo. Então ele abriu um sorriso muito grande, parecendo feliz com o próprio trabalho.
—Ei, ficou muito bom! —Exclamou, com o sorriso iluminando todo seu rosto. —Acho que já posso virar um curandeiro, não é? Já sei até fazer um curativo descente.
Fiquei olhando pra ele, sentindo meu coração bombar mais sangue pelo meu corpo, em uma velocidade anormal. Ele erguer os olhos até mim, e seu sorriso se transformou em algo como sarcasmo.
—Está me olhando com essa cara de bobo por que? Acha que o filho da temida Rainha das Rainhas não pode salvar a vida de alguém e depois cuidar dessa pessoa? —Ele arqueou as sobrancelhas, abrindo um sorriso provocativo com o canto dos lábios.
Revirei meus olhos, ignorando a onda de frustração e agarrei sua jaqueta, puxando seus lábios para se grudarem com os meus. Não queria pensar em quem ele era naquele momento. Não queria pensar quem era sua mãe. Eu só queria aproveitar o momento da forma que desejava.
Continua...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Um Mundo de Sombras / Vol. 2
FantasiaUMA CONJURAÇÃO DE MAGIA: PARTE II A Rainha das Rainhas foi julgada e condenada a uma prisão em seu próprio reino. Vivendo esquecida por séculos, agora ela está livre para governar os quatro reinos do continente. Usando magia das trevas para controla...