Capítulo 28: Floresta do medo.

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Kayla

A Cidade dos Ossos estava silenciosa e inquietante. Passei a viagem toda até ali, pensando no quanto aquele lugar parecia estranho pra mim, depois de tanto tempo e depois do que aconteceu. Eu a destruí. Destruí a cidade quando não aguentei mais o que estava dentro de mim.

Ao andar pelas vielas e observar as casas de pedra, sinto que fui enviada para um mundo diferente. Tenho quase certeza que estou em outra dimensão, até finalmente encarar o castelo no horizonte. Estava parcialmente destruído, mas algumas coisas haviam sido reerguidas, assim como as casas que caíram.

Tudo ali estava morto. Estava caindo e se destruindo aos poucos. Um mundo de sombras e ruína. Aquela cidade, era um fantasma do que um dia já havia sido. O Reino Solar era uma casca oca e vazia, sem vida.

—Kayla? —Axel parou ao meu lado, observando meu rosto enquanto eu me escorava na parede ao meu lado, sentindo o ar faltar nos meus pulmões ao observar tudo aquilo.

Minha garganta secou e mesmo a noite, pude reconhecer a figura das duas crianças que estavam sentadas no chão de pedra, comendo tão rápido, um pedaço de pão velho, antes que alguém surgisse e roubasse o pouco de comida que eles tinham. Soltei o ar com força, observando os dois garotos, vendo o rosto dos meus irmãos ali. Os mesmos cabelos, os mesmos olhos, gestos e até a mesma voz, gritando por ajuda.

—Kayla? —Axel segurou meu braço no momento que dei um passo em direção aos dois. Me voltei pra ele, me sobressaltando, como se minha mente tivesse apagado por alguns segundos e agora voltado ao normal. Encarei os olhos de Axel, percebendo que ele estava confuso. —O que foi?

—Nada. —Me virei, olhando pra rua de novo. Pressionei meus lábios, percebendo que os dois garotos já não estavam mais lá. Ou talvez, era só minha mente pregando uma peça. —Não é nada. Só pensei... —Neguei com a cabeça, enfiando as mãos no bolso e caminhando na direção que sabia que ficavam as fazendas da cidade. —Não é nada.

Axel me seguiu em silêncio, me olhando de soslaio a cada instante, como se pressentisse que algo estava errado comigo. Mas aí é que está o problema, sempre teve algo de errado comigo, desde o início. Mesmo que não esteja tão quebrada quanto antes, ainda existe um ponto de escuridão no meu coração.

Ficamos em silêncio, até eu chegar aos pomares e plantações. Tudo estava morto e sem vida. Engolindo o nó que se formou na minha garganta, me sentei no chão, em cima da grama seca e morta. Cruzei as pernas embaixo de mim e toquei as palmas da mão na grama sem vida, deixando que a magia das safiras fluísse por mim.

—Não sou um monstro. —Lembrei a mim mesma. —Sou uma sobrevivente.

E por alguns minutos, enquanto a magia vibrava ao redor e se espalhava, lembrei que era essa a intenção dos conjurações. Proteger o mundo e deixá-lo vivo.

[...]

Segurei a mão de Axel, ouvindo o som das folhas das árvores batendo, enquanto passávamos pelos bosques ao redor da cidade, vendo tudo começar a ficar florido e o som da água no riacho aumentar. O som de uma coruja nos seguiu, junto com o momento levemente reconfortante.

Axel parou de andar, fazendo uma careta e olhando para a noite ao nosso redor. Fiz o mesmo, sentindo apenas o ar frio bater contra meu rosto.

—O que foi? —Indaguei, muito baixo, vendo os olhos dele ainda vagarem ao redor, como se sentisse acho.

—Tem algo diferente. —Afirmou, pressionando os lábios, como se estivesse tentando conter todo o poder dentro de si. Mas as sombras já estavam saindo, deixando a noite ainda mais viva, ao deslizarem pelos ombros dele até os arbustos ao nosso redor. Axel apertou minha mão, antes de olhar para cada canto e então cerrar os olhos. —Na floresta do medo.

Axel girou na minha direção e passou o braço ao meu redor, antes de as sombras tomarem conta de tudo e ele atravessar para dentro da floresta do medo. Soltei o ar com força, quando a floresta ganhou vida ao nosso redor, mesmo no meio de toda aquela escuridão. Minhas mãos se fecharam na jaqueta dele, quando encarei aquelas estrelas nos seus olhos, lembrando da primeira e última vez que estive ali.

—Tente não me esfaquear de novo, amor. —Pediu, com um tom provocativo muito evidente. Axel se afastou de mim, começando a caminhar pelo meio daquela floresta morta, enquanto eu o seguia, olhando ao redor para procurar qualquer coisa que estivesse acordando seus sentidos.

Axel parou de andar, ao mesmo tempo que eu, quando ouvimos o som de conversas. Meus lábios se comprimiram e eu senti o ar pesar ao meu redor. Axel tocou minha mão, acenando em direção ao som, caminhando muito lentamente, me deixando seguir logo atrás. Não demorou muito pra ele parar de novo, quando chegamos a parte mais densa da floresta do medo.

Ao longe, no meio da escuridão da noite e com apenas algumas tochas ao redor, um acampamento se erguia bem ali, com cabanas e barracas por todo lado. Pessoas caminhando pelo meio delas, conversando e se reunindo na frente de uma fogueira.

—Olha só o que temos aqui. —Axel murmurou, parecendo muito interessado no acampamento a nossa frente. —A rainha, pelo que parece, terá problemas em breve. —Ele olhou pra mim, arqueando as sobrancelhas. —Deveríamos avisa-la?

—Talvez. —Ri, girando nos calcanhares para me afastar daquele lugar. —Mas nenhum de nós vai fazer isso.

Axel estalou a língua, com o ar divertido se tornando muito maior. Então me seguiu, até me alcançar e abraçar por trás, atravessando para longe daquele lugar.



Continua...

Um Mundo de Sombras / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora