FECHEI OS OLHOS E DEIXEI A BRISA frívola do cemitério bagunçar meus cabelos soltos e esvoaçar o cachecol ao redor do meu pescoço sem me preocupar. Uma garoa fina ameaçava cair em Port Town, combinando perfeitamente com a data nada célebre e o clima pesado.
O cemitério estava vazio com exceção de Howard, o vigia que cuidava do local, e uma figura solitária escorada em um dos túmulos a mais ou menos dez metros de onde eu estava. Papai me esperava lá fora, incapaz de entrar comigo, entretanto, incapaz de me deixar sozinha em um momento como aquele. Deveria ser rápido, o celular em meu bolso não parava de vibrar com mensagens de Raynolds e as garotas do time, e a viagem de volta à Felicity Lake durava quase três horas.
- Estou me recuperando bem. - continuei os relatos daquela madrugada nublada, fechando os dedos da mão direita coberta por uma tala. Uma leve pontada de incômodo, nada mais - Em breve já posso começar a fisioterapia.
Não houve uma resposta, obviamente. A placa com o nome de Ruby Zuri, mãe, filha e amiga, continuava ali sem mudança. Inanimada.
Morta.
- É... - mordi o interior da bochecha, contendo a quebra em meu tom de voz. Não queria chorar, não na frente dela - É meu aniversário de dezoito anos hoje. Lembra que disse que eu só poderia namorar nessa idade? Se soubesse...
Se soubesse que minha vida amorosa seria um ninho de cobras e confusão. Que ela começou bem antes dos dezoito, quando uma pirralha inconsequente escalou minha janela no meio da noite e arrancou meu primeiro beijo naquela data tão sombria.
- Se soubesse que é a mesma garota que me deixa uma bagunça ultimamente.
Soltei uma risada fraca, tentando inutilmente não repassar aquela noite na cabeça. O estrondo da explosão, o fogo, o cheiro. Os gritos, a fumaça, a sirene dos bombeiros. O desespero. O meu desespero quando a vi ali, caída e estática depois de ter entrado e conhecido uma parte do meu coração que tentei com tanto afinco proteger e esconder.
- Mamãe - engoli as lágrimas novamente, enterrando as mãos no bolso do sobretudo - acho que ainda gosto da Alisson Graham.
O rosto bonito de Ruby quase não era visto entre as flores que lotavam seu túmulo. A pele negra e macia como a minha, os olhos bonitos e calorosos como os meus nunca seriam. Ela era amada, muito amada, e fora uma estrela tão especial na vida das pessoas que nem sua morte apagara isso. Por um momento ansiei aquilo, achei que poderia ser como ela. Amada por todos, o suficiente para si mesma, capaz de lidar com os próprios problemas sozinha sem meter os outros no meio e machucar tudo que tocava.
Um sonho de tolo.
- Mas eu não posso fazer isso com ela. - os espinhos da única rosa entre meus dedos espetou um trecho de pele, a dor me firmando ao chão e ao certo - Não seria justo. Eu estraguei a vida dela, não foi?
Você só queria ajudar. Quase ouvi a voz dela me dizendo. Mas ela estava morta.
Sonho de tolo.
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FAKE GAME | ⚢
Novela Juvenil¬ Viola Sovereigh vem de uma família abastada em uma cidade pacata de Ontário. Capitã do time de lacrose, a garota se vê pressionada em um meio social de aparências a ter um par para uma importante festa, e a primeira pessoa que vem a sua cabeça é s...