- SEI QUE TÔ MEIO ATRASADO.
- Só cinco dias.
Continuei mexendo a panela no fogão, negando sua existência magoada. Como se ter esquecido do meu aniversário - de novo - fosse mais triste para ele do que para mim. Não que eu me importasse, afinal, já havia passado.
Elroy insistiu, balançando o pacote indiscreto em frente ao meu rosto para chamar minha atenção. Era grotesco, marrom encardido com um laço xadrez amarrado ao meio e nada fazendo em disfarçar o conteúdo surpresa dentro dele. Era óbvio do que se tratava.
- Eu pedi um pônei - virei um dos ovos na frigideira, sorrindo de forma seca - não uma garrafa de vodca.
- Um pônei não te deixa doidona.
- E nem me dá ressaca em dia de trabalho.
Meu pai desistiu por fim, se afundando na cadeira de balanço que constantemente arrastava para cozinha quando precisava cozinhar eu não estava em casa. Sua pele assumia um tom mais corado nos últimos dias, e até mesmo era capaz de passar alguns minutos sem o cilindro de oxigênio ajudando seus pulmões. Diria que os remédios estavam ajudando mesmo em sua vitalidade, já que voltara a cortar a grama dos vizinhos e juntar o próprio dinheiro.
Dinheiro para encher a cara e pagar uma ou duas contas, mas eu não reclamaria de barriga cheia.
O Sol era uma tímida mancha alaranjada no horizonte, sinalizando que estava cedo demais até para o canto do galo. E Elroy estava acordado. Comigo. Tentando me dar, de presente de aniversário bastante atrasado, uma garrafa de bebida.
- Como tá na escola? - ele perguntou, servindo-se de mais uma xícara do café recém coado.
Respirei fundo, dispondo o café da manhã em dois pratos. Já havia dito para ele que não iria frequentar o colégio, mas seu estado abatido naquele dia o impedira de absorver as palavras por completo. Restava a mim lembrá-lo constantemente.
- Tô conseguindo acompanhar as aulas remotas - respondi. Foram manhãs sentada entre as caixas de papelão no depósito do Joshua, usando as latas de molho de tomate para tirar medidas de geometria - e é mais seguro assim.
Elroy se calou, baixando os olhos para o chão e seus ombros cairam em um suspiro. Vinha sendo assim sempre que tocávamos, sem querer, no elefante azul no recinto: o Clã.
Eles ainda tinham quatro balas reservadas para acabar com a linhagem Graham. E eu não estava mais tão preocupada com isso quanto devia, uma atitude desleixada da minha parte. Jean tinha razão quando dissera que eu andava me divertindo demais por aí, e isso só aumentava o alvo em minhas costas. Quase morrer em uma explosão colocava as coisas em outra perspectiva.
Lembrar daquele noite era relembrar o segmento de tragédias em menos de duas horas. A discussão com Santiago, a revelação de Viola e o acidente de Elle, cada um dos três responsáveis por manter minha cabeça cheia demais para sequer me lembrar de olhar para as sombras nos becos em busca da mira de uma arma. Tudo o que eu via quando fechava os olhos era o coração ferido e aberto da garota que cuidou das minhas feridas no passado. O que eu ouvia eram as acusações de famílias que perderam entes queridos no crime que acobertei anos atrás. O que eu sentia era o impacto, o fogo, o cheiro e o terror da jogadora embebida em chamas saltando de seu veículo destruído.
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FAKE GAME | ⚢
Genç Kurgu¬ Viola Sovereigh vem de uma família abastada em uma cidade pacata de Ontário. Capitã do time de lacrose, a garota se vê pressionada em um meio social de aparências a ter um par para uma importante festa, e a primeira pessoa que vem a sua cabeça é s...