Capítulo 9

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Isabella Bacelar

O dia da viagem chegou e eu estou muito nervosa. Olho para o lado e vejo meu pai dirigindo sorrindo como sempre. Animado dessa vez, porque ia viajar com Marina. Ela tinha ficado em casa arrumando as malas, queria ter vindo pra me deixar no aeroporto, mas meu pai deixou tudo para o último momento e ela que teve que fazer tudo como sempre.

Eu não sei como Marina aguenta meu pai, eu não aguentaria. Ele é muito desorganizado, passa aquele clima de pessoa despreocupada, justamente porque sabe que eu e Marina no final sempre vamos resolver tudo. Isso me irrita as vezes, mas meu pai é assim. Já conversei diversas vezes e ele não muda. Sempre diz que eu e Marina precisamos relaxar.

Nunca vou esquecer da viagem que deixamos meu pai planejar. Eu que organizo tudo com Marina, mas ele pediu a oportunidade de nós dar as melhores férias da nossa vida. Meu pai demorou dois meses para planejar. Comprou as passagens e ligou para um hotel perguntando se tinha vaga no dia da nossa chegada, eles confirmaram que tinha e meu pai desligou o telefone, ele disse que deu o nome dele e achou que a reserva estava feita. Chegamos no hotel e ele era lindo, dei meu nome na recepção enquanto meu pai estava falando ao telefone e então tive a surpresa de saber que não tinha nenhuma reserva. Por sorte e dinheiro conseguimos os quartos. Depois não confiamos mais nele.

Meu pai para o carro em frente ao aeroporto, entramos e eu vou direto fazer meu check in enquanto meu pai estava falando com Marina aí telefone. Enquanto eu estava esperando meu vôo fizemos uma chamada de vídeo para eu me despedir e desejar boa viagem.

Marina entrou em nossas vidas quando eu tinha 11  anos. Foi a primeira vez que eu ouvi o nome dela. Meu pai disse que ia em apresentar a uma amiga. Ele nos levou para jantar para nós apresentar. Me lembro que no início eu não entendi nada. Era apenas uma amiga do meu pai, provavelmente uma cliente. O jantar foi maravilhoso, Marina era muito legal e conhecia os desenhos que eu gostava.

Ela tinha 40 e poucos anos na época, mas ela nunca pareceu ter a idade que realmente tem. Marina sempre pareceu se muito mais jovem, tanto na aparência quanto na maneira de ser. Me lembro que no final do jantar eu estava morrendo de sono. Meu pai me carregou no colo até o carro e me colocou com cuidado no banco de trás. Marina me cobriu com o blazer do meu pai e acariciou a minha cabeça. Me lembro de me sentir feliz com aquele gesto.

Semanas depois meu pai ficou me questionando o que eu tinha achado dela, e eu respondi que tinha achado muito bonita, e ela era. Bonita e chique. No mês seguinte meu pai chamou ela para jantar lá em casa. E nesse dia eu vi quando ele beijou Marina antes dela entrar. Meu pai pensou que eu estava no quarto, mas eu não estava.
Eu fiquei tentando entender o que estava acontecendo até que no meio do jantar eu perguntei se eles eram namorados. Me lembro de ver os dois paralisados pro alguns segundos. Até que meu pai olhou para Marina e começou a me explicar que eles estavam se conhecendo, que ela gostava muito do meu pai e me perguntou o que eu achava disso.

Me lembro que na minha cabeça fez um nó. Mas eu gostava de Marina e sabia que meu pai precisava de alguém para cuidar dele. Porque eu já cuidava. Ele esquecia das consultas médicas, perdia a carteira e chave do carro dentro de casa, se atrasava pra me levar e buscar do colégio. Naquela época eu pensava que meu pai precisava muito mais de uma mãe do que eu. Depois eu entendi que ele precisava de uma esposa. Então eu disse que estava chateada porque eles tinham mentido. Mas que gostava de Marina então estava tudo bem, mas que eles não podiam mentir de novo. Me lembro do alívio estampado no rosto deles e aquele jantar acabou muito bem.
Meses depois daquele jantar Marina veio morar com a gente e tudo melhorou. Ela sempre me levava nos lugares na hora certa e chagava antes do horário para me buscar. Ela me levava pra comprar roupas, tinha paciência e me ajudava a escolher. Ia a todas as reuniões da escola sem esquecer nenhuma e ainda lembrava ao meu pai das apresentações.

Eu nunca chamei a Marina de mãe, ela já me chamou algumas vezes de filha. Não é que eu não gosto desse título. É só porque nunca saiu de forma natural. Mas ela sempre cuidou de mim, sempre me amou como filha dela. Marina sempre quis ter filhos, mas ela tem um problema grave no útero e nunca conseguiu ter. Quando eu descobri que não podia ter filhos, ela foi a minha casa ficar comigo. A cada tentativa que não dava certo ela corria para a minha casa. Como meu pai sempre dizia de forma carinhosa e com humor, Marina era maravilhosa.

- Isabella .. tudo bem? – Marina me tira de meus pensamentos.

- Tudo sim. Me perdi nos pensamentos. – Falo sorrindo. – Meu vôo já vai sair. Boa viagem para vocês. Me mande fotos da viagem. – Falo animada.

- Boa viagem para você também. Me ligue toda noite para contar como está o projeto e como é o vilarejo. – Ela fala de forma educada.

Meu pai pega o telefone e se despede de Marina. Eu me levanto com a minha bolsa e casco e vou andando em direção ao embarque. Meu pai beija meu rosto e eu entro. Em alguns minutos estou dentro do avião. Mando uma última mensagem, dessa vez para Jafari avisando que eu já estava no avião. Envio a mensagem e desligo o telefone.

Todas as pessoas entram e o avião logo decola. Eu estava um pouco nervosa. Seria o primeiro projeto internacional que eu pegaria totalmente sozinha. Meu pai sempre aparecia um dia para me dar apoio o que ajudava com a questão do respeito. Mas dessa vez seria totalmente sozinha, na África, super longe de casa.

Passo metade da viagem dormindo e a outra metade estudando um pouco mais da língua, costumes e as pessoas que eu iria interagir. O vilarejo tinha duas grandes figuras de respeito. O chefe Jafari que era um tipo de prefeito do vilarejo. E uma xamã, que escutei falar dela recentemente. Ela se chamava Ayo e era muito antiga no lugar.

A xamã fazia parte da cultura do lugar. Sempre existia uma e era passado esse título a cada geração. Muitas mulheres eram treinadas, mas quando o espírito de uma ia embora, antes de se despedir, escolhia a próxima. Era tudo muito místico e com um toque de magia, mas não existia uma pessoa daquele lugar que não acreditasse ou não respeitasse essa figura.

Tudo passava por ela. As pessoas procurava a xamã para começar um novo negócio, para conseguir um casamento, para saber se os deuses aprovaram o relacionamento, para ajudar no cultivo. Para tudo. E as vezes a xamã procurava determinadas pessoas, para enviar um recado do além ou dar um aviso sobre o futuro ou passado.
Eu sou extremamente cética quanto a tudo isso. Mas vou respeitar, quero me dar bem com as pessoas e não vou conseguir isso desrespeitando a cultura deles. Se meu pai estivesse aqui sem dúvidas iria procurar pro ela. Pedir para ver o futuro dele e de Marina. Meu pai pode ser desorganizado, enrolado... Tudo. Mas sem dúvidas ele é o último romântico do mundo. Eu queria ter a sorte de encontrar alguém assim. Até entendo porque Marina aguenta ele.

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