Capítulo 30

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MAITÊ

– NÃOOOO! NÃOOO! GUILHERMEEEE!
– Maitê!
Me sentei rapidamente, sentindo meu corpo ser chacoalhado, meu coração desgovernado, minha vista estava embaçada voltando ao normal aos poucos, avistando meu melhor amigo com uma cara assustada.
– Você está bem?
Apenas assenti com a cabeça e trouxe minha mão para a mesma. Fechei meus olhos e me concentrei na minha respiração.
– Você teve notícias do Gui?
Tornei abrir os olhos e o encarei, Dodô desviou seu olhar.
– Tive... - sua voz saiu baixa.
– O que disseram?
Eu não sei se estava preparada para ouvir, não depois do pesadelo que acabei de ter com ele. Um silêncio tomou conta daquele quarto por alguns minutos, isso me deixava ainda mais nervosa.
– Ele... ele não está nada bem princesa.
Dodô disse receoso, se aproximando de mim e já me puxando para seus braços, me apertando com força. Eu não consegui dizer nada, apenas chorei, apertando meu melhor amigo, o que irei fazer agora? Gui não pode nos deixar.
O caminho para o hospital onde Gui está, foi um silêncio absoluto. A madrugada foi terrível, mal consegui dormir, toda vez que eu fechava os olhos, era a imagem dele que aparecia pra mim. Mamãe e Dodô tentavam me passar palavras de conforto, dizendo que Gui sairia dessa e ficaríamos todos bem. Falando em todos bem, nós três estávamos bem e ganhamos alta logo pela manhã.
Chegando no hospital, nossos amigos se encontravam todos ali, assim que nos viram, vieram correndo até nós e ali, eu desabei no abraço deles. O clima estava tenso e pesado, João que conseguiu descobrir aonde Gui estava internado por ter saído feito um louco, pulando em hospital por hospital.
– Minha querida. Ah graças a Deus vocês estão bem!
Me afastei ao ouvir a voz de dona Isabel, ela se aproximou e me abraçou apertado, podia sentir suas lágrimas molhando meus ombros e seus pequenos soluços.
Nos acomodamos na sala de espera, Aline foi buscar uma água com açúcar para mim, quando vi Bianca entrando na sala, paralisei.
– O que ela tá fazendo aqui? - ouvi Aline questionar.
Antes que respondessem e eu voasse para cima daquela jararaca, um homem de jaleco entrou na sala.
– Família...
Ele ergueu a cabeça, sua testa se franziu e estranhamente fez uma cara como se tivesse visto um fantasma.
– Doutor como meu filho está? Por favor, me diz que as notícias são boas?
O homem não teve nenhuma reação, ele estava paralisado. Desviei meu olhar em direção aonde ele estava olhando, encontrando com minha mãe do mesmo jeito, eles se conhecem?
– Doutor Mauro? - chamou senhor Fernando.
– Desculpe!
Ele arranhou a garganta disfarçando, isso foi bem estranho. Seus olhos fixaram nos pais do Gui e como uma bomba soltou, negando com a cabeça.
– Infelizmente Guilherme não resistiu, eu sinto muito, fizemos tudo o que estava ao nosso alcance.
– O QUE?
Apenas ouvi o grito da mãe do Gui e tudo ficou preto de repente, parecia ter aberto um buraco de baixo dos meus pés e ter me puxado para uma eterna escuridão.

(...)

– Ei você pode me ouvir?
Pisquei meus olhos algumas vezes, ouvindo uma voz feminina abafada falando alguma coisa. Quando consegui me acostumar com a claridade pude ver a uma moça de jaleco azul.
– Está me ouvindo senhorita Maitê? - Concordei com a cabeça. – Eu vou chamar o doutor e já volto!
Ela saiu do quarto e aproveitei para dar uma conferida, cá estava eu de novo, numa cama de hospital. Lágrimas invadiram meu rosto lembrando do porque que eu vim parar novamente aqui, aquele maldito pesadelo foi um sinal, estava tudo tão lindo, estávamos nós dois com nossa menina nos braços e do nada, Gui foi levado embora por uma tempestade de ventos. Levei minha mão até minha barriga, o bebê estava inquieto, talvez a dor que eu esteja sentindo está o afetando mas como poderia não sentir dor? Foi arrancado uma parte de mim com essa notícia.
– Maitê dias, como está se sentindo?
Desviei o olhar para o médico que havia entrado, não respondi, ele deve saber como estava me sentindo, já que foi ele que deu a notícia. Ele se aproximou, conferiu meus sinais vitais.
– Como está meu bebê?
Ele parou o que estava fazendo e me encarou, ao mesmo tempo que parecia frio, ele parecia sei lá, estranho.
– Seu bebê está bem. É normal acontecer desmaios com emoções fortes.
– Então... então é verdade?
O doutor abaixou a cabeça e soltou um suspiro, fechei meus olhos com força, tudo que eu queria era ter a notícia de que não passou de mais outro pesadelo, uma dor tomava conta do meu peito.
– Ele era o pai?
Apenas assenti com a cabeça, sem abrir meus olhos, é pedir muito que tudo isso fosse mentira? Eu tive pesadelos a noite toda, quem garante que eu não estou presa a eles?
– Ah meu amor, você acordou!
Ouvi a voz de minha mãe e logo senti sua presença perto de mim. Seus braços me envolveram em um abraço apertado.
– Mãe, diz que isso é mentira mãe, me diz que é apenas um pesadelo.
Disparei com a voz embargada e com um nó enorme na minha garganta. Apertei meus dedos com força sobre ela, pude ouvi-la fungando.
– Dói mãe, dói muito!
– Eu sinto muito meu amor. Sinto muito!
– NÃOOOO!
Gritei e chorei alto, enquanto mamãe tentava me acalentar e me passar conforto em seu abraço. Perder o amor da sua vida é como perder a própria vida! Eu me sinto sufoca, incapaz de continuar sem ele aqui. Gui nem teve a chance de conhecer o nosso bebê, e depois do pesadelo, tenho a certeza absoluta que é uma menina, a nossa pequena Valentina, e ele nem vai estar aqui para vivenciar isso, eu nunca mais vou ser a mesma pessoa.
Ouvi a porta bater, fazendo com que nós duas se afastássemos, olhei ao redor, estávamos sozinhas naquele quarto, voltei a encarar minha mãe, encontrando com seus olhos inchados e vermelhos.
– Mãe... - Sussurrei quase sem voz.
– Meu amor, shh...
Ela me puxou novamente  para seus braços, fechei meus olhos e ali, chorei silenciosamente, sentindo cada partizinha do meu corpo, sendo estraçalhado, não consigo imaginar um futuro sem ele com nós, lá no fundo, bem no fundo, ainda tem uma esperança de que irei acordar e ver que tudo não passou de uma mentira.
  Depois de algumas longas horas que mais pareciam uma eternidade, fui liberada. Encontrei com nossos amigos, nenhum deles sabiam exatamente o que dizer nessas horas, é um momento no qual nunca estamos preparados, até sabemos que é o nosso único destino final mas quando esse dia chega, a dor é inexplicável, é um vazio, é realmente como se uma parte minha tivesse sido arrancada a força de mim.
Não consegui ver os pais do Gui, apenas sei que sua mãe havia passado mal, seu pai estava desnorteado e perdido também com a tal notícia. Quando olhei ao redor e percebi que Bianca estava presente, fui para cima dela.
– O que pensa que está fazendo aqui?
Ela me olhou com desdém, essa carinha de cínica dela não me engana.
– O mesmo que você. Sabe a culpa foi sua né?
– Minha?
– É quiridinha, por sua causa Guilherme está morto! Foi por causa de você que ele saiu desesperado e de cabeça quente...
As palavras dela me atingiam com força, minha culpa? Será que a culpa foi minha? Eu sei que ele havia saído feito um louco quando soube da minha casa mas não foi eu quem causou aquele incêndio, na verdade nem sabemos o que aconteceu direito.
– Princesa... ei! - Senti sendo arrastada para longe daquela loira. – Não é sua culpa, ninguém teve culpa do que aconteceu.
Me virei em seus braços e o abracei com força, escondi meu rosto em seu peito, chorei culposamente, talvez se minha casa não tivesse pegado fogo nada disso estaria acontecendo, com certeza, esses dois dias estão sendo os piores da minha vida.

(...)

"Nunca estamos preparados para despedidas. Elas são cheias de incertezas, contradições, e principalmente mudanças na nossa vida, as vezes boa, as vezes não. Nunca estamos livres de nos despedir, seja em uma perda ou em uma partida, sempre vamos passar por isso. Então, aproveite o tempo que você tem, com todas aquelas pessoas que você gosta ou que gostam de você, porque a despedida, ah... a despedida deixa saudade, deixa ausência, deixa sempre alguém ir embora. E a dor da despedida, nenhum de nós estamos livres de senti-la, seja ela qual for. Abrace, beije, não deixe pra dizer depois o que sente, pois depois, talvez você não tenha nem o tempo de se despedir." (Vívia Reis)

Foi um momento desesperador, eram choros, gritos e pessoas que eu mal conhecia. Não deixaram abrir o caixão, a mãe de Gui fez um escândalo dizendo que precisaria ver seu menino, nem que fosse pela última vez, mas sem sucesso. O pai da Isabel disse que era melhor assim, pois seu rosto estava desfigurado, uma cena não tão agradável de se ver, ele foi o responsável em reconhecer o corpo, já que senhor Fernando e nem dona Isabel tiveram condições de fazer isso.
Eu chorava no meu canto, a todo momento passando a minha mão pela barriga, nossos amigos estavam o tempo todo ao meu lado, me abraçando e tentando me confortar, mas sei que para eles também não está sendo nada fácil, principalmente para Bruno e João que eram amigos há alguns anos e estavam sempre juntos, faziam tudo juntos.
Vivemos tão pouco tempo mas uma coisa ele me ensinou, a amar, amar com todas as forças, um amor no qual eu achei que já havia sentindo por alguém mas não,  só ele foi capaz de despertar esse sentimento avassalador em mim, me deixando o amor mais puro que alguém poderia ganhar, nossa filha. Tudo que eu mais queria, era desistir só que isso não cabe só a mim, tenho um pequeno ser dentro de mim, mesmo sabendo que uma parte minha foi embora junto a ele, eu não poderia desistir assim, viverei meu luto para sempre mas estarei aqui por ela, por nosso Valentina. Farei sempre presente a sua memória, ela saberá o pai maravilhoso que tinha.
Após uma noite cheia de tristeza, foi a hora da despedida real, fui puxada para longe quando me agarrei naquele caixão, mãe do Gui não estava muito diferente, ela gritava e chorava alto, como eu disse, não estamos preparados para dizer Adeus, nunca estaremos.
Fui levada para dentro de um lugar que nem sei o que era, minha mãe trouxe um copo com açúcar me fazendo tomar, nem sei para onde iríamos daqui já que nossa casa foi destruída mas pouco me importa, por mim eu dormiria bem aqui, ao ladinho dele para não se sentir sozinho.
– Maitê?
Ouvi a voz doce e embargada de dona Isabel, me desvencilhei e a encontrei com seu rosto vermelho, suas lágrimas escorriam sem parar, assim como eu. Me levantei e ela abriu os braços, me aproximei e a abracei, sentindo ela me apertar com força e soluçar.
– Dona Isabel... eu... eu não sei o que vou fazer...
– Por favor não nos tire da vida do nosso neto, é a única coisa que te peço.
– Eu jamais faria isso. Vocês são os avós dela.
– Dela? - ela se afastou e me encarou, trazendo sua mão na tentativa de enxugar minhas lágrimas.
– Bom é, eu não sei ainda mas tenho certeza de que é uma menina, a nossa Valentina.
– Valentina? Ah meu Deus, Gui sonhou tanto em ter uma menina chamada assim.
Assenti com a cabeça e deixei mais lágrimas rolarem, ah como eu sei disso.
– Aonde vocês irão ficar? - Fernando nos interrompe, dei de ombros.
– Elas ficarão comigo senhor Fernando. - Respondeu Dodô.
– Se vocês quiserem, podem ir para a mansão. - Disse dona Isabel.
Olhei para ela e em seguida desviei o olhar para meu melhor amigo, acho que não estou pronta para ir pra mansão onde sei que Gui cresceu, ou ver fotos dele espalhadas pela casa.
– Ficariam bravos se pelo menos essa noite ficássemos na casa do Dodô? Não é por vocês mas é por mim, não estou preparada para ver as coisas do Gui agora sabe...
– Ah minha querida, eu entendo perfeitamente, nem eu sei como irei encarar isso. Ah meu Deus, como isso dói.
Ela disse já me puxando novamente para um abraço apertado, esse sentimento nunca mais irá embora, esse vazio...
– Mas saibam que a porta da nossa casa está aberta para vocês, estamos aqui para tudo que essa princesinha aqui precisar e vocês também.
Concordei com a cabeça, ela se afastou, sua mão pousou em minha barriga, se inclinando e deixando um beijo na mesma.
– Nós ainda estamos aqui para você minha princesinha.
Solucei, imaginar que minha filha não terá a chance que eu também não tive de ter um pai, dói, mas dói ainda mais porque Gui não teve uma escolha, ele não fugiu, ele foi arrancado da nossa vida.

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