Capítulo 39

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MAITÊ

Eu tive a melhor noite que poderia imaginar. Eu nunca perdi minha fé e com a volta da memória do Gui, isso só me faz ter ainda mais. Eu sou tão abençoada por tudo! Mesmo que não tenhamos passados por momentos bons mas ele está aqui, de volta e eu poderia nunca mais tê-lo.
Fizemos pegadinhas com nossos amigos, eles descobririam por si só da volta de memória do Gui e fui super engraçado a cara deles em choque quando ele falava algo que era de conhecimento deles, demorou mas quando caiu a ficha, foi uma bagunça só.
Foi uma semana puxada, provas e mais provas, entramos finalmente de férias, Gui voltaria a estudar no próximo ano, teria que repor o último semestre e prolongar um pouco mais, tendo que colocar em prática tudo o que havia aprendido, aliás ele irá se formar para ser médico, não dá para brincar com a vida de outra pessoa ainda mais crianças, isso irá atrasá-lo um pouco mas tem todo o lado positivo.
Hoje era um dia um pouco apreensivo, o dia do julgamento. Eu não estava muito afim de ir mas criei forças para acompanhá-lo e todos nossos amigos estavam presentes. Assim que Bianca entrou, seu olhar fulminante veio em minha direção, tenho certeza que se ela pudesse me mataria com aquele olhar.
Foi um julgamento tanto demorado mas foram condenados por pelo menos até apodrecer naquela cadeia, por falsidade ideológica, sequestro, falsificação de óbito e outros crimes que muitos de nós, estávamos chocados, inclusive o tal homem, cujo meu pai, que para Lucca não foi nada bom, aquele tribunal virou um fuzuê, Bianca gritava me ameaçando de todos os modos possíveis.
– Senhor Guilherme Appolinario?
Me virei ao ouvir o nome do Gui, encontrando com um policial. Franzi minha testa, completamente confusa.
– Sim...
– Poderia me acompanhar por favor?
– Porque deveria acompanhar o senhor? - Questionou Gui. O policial olhou para ele, em seguida todos ao redor e soltou um suspiro.
– Mauro pediu para falar com você.
  Olhei para Gui estranhando, seus olhos me encontraram, tão confusos quanto eu, o que Mauro queria agora com ele? Eu não acho que seria uma boa ideia, aliás Gui o odeia e não tiro a razão dele.
– Eu vou...
– Amor!
– Está tudo bem gata. - Suas mãos seguraram o meu rosto. – Eu quero ouvir o que ele tem para me dizer.
– Não faça nenhuma besteira.
– Confia em mim.
Assenti com a cabeça, senti um beijo em minha testa e o abracei. Gui em seguida acompanhou o policial, olhei para todos ali com receio, não sei se poderia esperar uma conversa tranquila vindo desses dois.
– Vai ficar tudo bem.
Dodô me abraçou e os minutos, viraram uma eternidade, estava enlouquecendo com a demora daquela conversa e ficava me perguntando se Gui não havia feito nenhuma besteira, porque era falar no nome dele, que podia ver seus músculos se contraindo de tamanha raiva.
Eu estava prestes a ir atrás do tal policial quando finalmente o vi voltando, acompanhado do profissional. Corri até ele, o mesmo me deu um sorriso sem mostrar os dentes.
– Ele quer ver você.
– O que ele queria? - Gui fez cara feia e suspirou.
– Conversamos depois. E gata você não precisa fazer isso. - Em sua testa se formou um vinco de preocupação entre suas sobrancelhas.
– Está tudo bem. - Levei uma de minhas mãos em seu rosto. – Eu acho que também preciso disso.
– Promete para mim que vai se cuidar?
– Ele não poderá fazer nada comigo.
Gui me abraçou apertado e eu devolvi, passei odiá-la por muito tempo mas ouvi tantas coisas boas do meu irmão que as vezes fiquei imaginando como seria se eu o tivesse em minha vida, mas isso não significa que eu o perdoei pelo o que fez.
– Eu te amo! Estarei aqui te esperando.
– Também te amo.
Selamos nossos lábios, me afastei e fui dar um abraço no meu irmão.
– Só escuta com carinho o que ele tem para dizer. Papai não é um monstro irmã, eu o conheço a vida toda, tenho certeza do que eu digo, ele se entregou ao saber que era você, acho que todos nós merecemos uma segunda chance mesmo não justificando o que ele fez.
Apenas assenti com a cabeça e o abracei apertado. Acompanhei o policial até o local, assim que entrei na sala, Mauro ergueu sua cabeça e me olhou. Me aproximei e sentei na cadeira em sua frente, um sorriso torto se contraiu em seus lábios, ele estava barbudo, com os cabelos grandes, olhos fundos e mais magro.
– Obrigado por ter aceitado vir falar comigo. - O observei por uns segundos, eu não fazia ideia do que ele queria falar comigo. – Como... como está minha neta?
– Ah! Ela está grande, esperta e linda.
Dei um sorriso sem mostrar os meus dentes, por mais estranho que seja, eu conseguia enxergar sinceridade em seus olhos, uma certa preocupação.
– É uma pena que, talvez, eu nunca posso conhecê-la.
– Eu posso te trazer uma foto dela se quiser. -
Um sorriso largo se abriu ainda mais em seu rosto, seus olhos brilharam.
– Você poderia fazer isso? - Assenti. - Obrigado, isso vai me deixar feliz.
Um silêncio se instalou naquela sala, podia ouvir sua respiração um pouco descontrolada, ele abaixou a cabeça e eu apenas o observei.
– Eu fico aliviado em saber que seu noivo recuperou a memória. Ele é um homem de sorte. Eu sei que não mereço o seu perdão por tudo que eu a fiz passar, principalmente, por não ter participado da sua vida mas como disse, eu me arrependo de cada segundo, dia, mês e anos que eu perdi. Você já sabe de toda a história, eu não me orgulho do homem que eu sou e do que eu fiz, estou longe de ser um ótimo pai para Lucca mas eu dei o meu máximo, sendo que para você, eu fui um babaca. Eu me sinto um lixo e nada justifica minhas escolhas, mas dessa escolha de me entregar, eu não me arrependo, estou pagando e pagarei até o meu último dia. Eu gostaria de pedir o seu perdão, mesmo sabendo que eu não mereço. Se eu pudesse voltar ao tempo, faria tudo diferente, mas como não posso, se fosse possível, farei diferente com a minha neta.  Tudo por dinheiro e tentar salvar a vida da mãe do meu filho. Não sou perfeito Maitê, eu errei e reconheço isso, me perdoa...
Conforme ele falava, seus olhos se enchiam de lágrimas, aprestei atenção em cada palavra que dizia. Ele merece perdão? Não! Não merece. Se ele sofreu esse tempo todo por ter nos abandonado, justo, porque ele não sabe tudo o que mamãe teve que enfrentar para me criar e me dar educação. Não sabe tudo o que eu passei por não ter um pai.
– Sinceramente? Você não merece mesmo o perdão. - Ele abaixou a cabeça concordando com a mesma, respirei fundo. – Mas mesmo que você não mereça, eu perdoo você, não por você, mas por mim. Uma das coisas que mamãe me ensinou, é que independente do que a pessoa fez, devemos perdoar para poder se sentir em paz com nós mesmo. Então eu perdoo você mas não posso prometer que poderá participar da minha vida.
– Eu entendo perfeitamente. - Sua voz saiu baixa, quase que inaudível. Pena, era isso que eu estava sentindo nesse momento. – Pode dizer ao Lucca que eu o amo? Espero que ele possa um dia me perdoar por isso.
– Lucca sempre disse que você é um pai excelente, ele está perdido, primeiro a mãe e agora o pai.
– Meu menino... - Mauro desabou e eu no instinto me levantei e fui até ele, o abraçando pela primeira vez.
– Lucca não está sozinho, ele tem a nós agora, vamos cuidar dele.
– Eu tenho certeza que ele está em boas mãos. Tão generosa quanto a sua mãe. Eu me sinto tão envergonhado por tudo que eu fiz.
Fiquei em silêncio, enquanto aquele homem soluçava em meu abraço feito uma criança. Como será nossa relação daqui para frente? Eu não sei, não posso prometer nada mas Mauro deixou bem claro que está arrependido.

(...)
GUILHERME

Satisfeito, aliviado e me sentindo em paz com esse julgamento, a única coisa que me deixou com a pulga atrás da orelha, foi Mauro ter pedido para falar comigo. Ele não é a melhor pessoa que eu gostaria de ver mas fiz isso por Maitê e ouvir também o que tanto queria comigo.
Entrei naquela sala já o encarando ali sentado, esperando por mim. Me aproximei e me sentei na cadeira em sua frente, seus olhos fixos em mim, ele estava mais magro, mais barbudo e cabeludo desde a última vez que eu lembro de ter o visto.
– Como você está?
– Isso realmente importa para você?
Ele assentiu a cabeça com a minha resposta, talvez eu tenha sido ríspido demais mas como poderia ser gentil com um cara que ajudou a falsificar a minha morte e manter com que eu tivesse falta de memória?
– Justo. Por mais que possa parecer que não, mas me importo, você é o noivo da minha filha.
– Filha essa que você não quis nem saber. O que você quer? Dinheiro?
Ele fez uma careta, meu coração estava disparado, estou tentando controlar a minha raiva para não partir pra cima desse canalha.
– Eu não quero dinheiro Guilherme. Eu errei, sou falho, ninguém é perfeito.
– Nada justifica as suas escolhas.
– Você tem toda razão. Acredito que nessas altura você já está ciente da história toda.
– Estou e para sua infelicidade, recuperei minha memória. - Ele abriu um sorriso e minha vontade era de quebrar cada dente daquela boca.
– Pelo ao contrário, eu fico feliz por saber disso. Olha, você tem todo o direito de estar me tratando dessa forma, não nos conhecemos como deveria...
– E isso nem seria possível, até então, ela nem sabia que você ainda estava vivo.
Mauro assentiu com a cabeça, abaixando a mesma e permanecendo por uns segundos assim. Logo retornou a me encarar.
– Eu me amaldiçoei todos os dias por ter ido embora, não ter enfrentado mas não posso voltar atrás, estou colhendo o que plantei e por isso estou aonde estou agora.
– Mauro aonde você quer chegar?
– Há lugar nenhum. Com esse tempo aqui, refleti sobre muita coisa e só quero lhe pedir perdão, no ato de desespero de querer ver meu filho sorrir novamente, acabei aceitando aquela grana para poder conseguir um tratamento melhor para a mãe dele, até descobrir que você, era o noivo da filha que eu deixei para trás, eu não poderia errar de novo, não poderia trazer mais sofrimento, porque eu fui embora não significa que não tenho sentimentos e não a amo. O pouco que pude ouvir falar dela, eu sei que é uma grande mulher e eu só quero garantir e pedir agora, como pai, que você a ame como sua vida, que a proteja e seja para a sua filha, o que eu, não fui para ela.
– Você não precisa me dizer o que eu devo ou não fazer. Por sua causa, minha filha quase não teve um pai.
– Estou ciente disso Guilherme. Caramba! Eu não me orgulho de nada disso, tá legal? Porra! Eu tô tentando concertar as coisas.
Ele apoiou seus cotovelos na mesa, seus olhos brilhavam com lágrimas querendo aparecer, Mauro abaixou sua cabeça e passou suas mãos pelos seus cabelos. Respirei fundo, abaixando um pouco a minha guarda.
– Estou aqui, pagando pelo o que eu fiz, isso não é o suficiente? Eu ter me entregado, não é o suficiente para mostrar que me arrependo?
– Você não precisa provar nada pra mim Mauro.
– Você não sabe o inferno que é dentro daquela prisão. - Ele ergueu sua cabeça, voltando seus olhos para mim, pude perceber seu rosto molhando com as lágrimas que escorria.
– Quem tem que perdoar você, você sabe que não é eu e sim ela. Não sou eu há quem você deve pedir perdão.
– De certa forma, eu tenho sim. Eu compactuei com esse crime.
Suspirei, passei uma das minhas mãos sobre meu cabelo e em seguida, apoiei meus cotovelos sobre a mesa, me inclinando para frente.
– Você tem noção de que eu poderia nunca mais ter voltado para minha noiva? Que eu poderia nunca ter conhecido a minha filha?
– Eu tenho!
– E se minha noiva, não fosse a sua filha? An? Você teria acabado com a minha vida?
– Talvez... eu só queria ver o meu filho sorrir, você é pai agora, não mataria por ela?
Sorri ironicamente, balançando a cabeça em negação.
– Eu mataria pela minha filha Mauro mas a situação é diferente aqui, você estaria tirando a vida de uma pessoa inocente para tentar dar um tratamento melhor para sua falecida esposa, que poderia não dar certo.
– Guilherme quando eu vi que era a minha filha, eu voltei atrás, eu me entreguei por ela.
– Olha Mauro, se ela querer te perdoar, tudo bem, eu sou seu noivo, não seu dono, vou respeitar a decisão dela mas para mim? Você continuará sendo um canalha. Como vou confiar em um homem que forjou a minha morte? Que ajudou eu manter a minha falta de memória? Eu espero de verdade, que você pague cada segundo que eu perdi, aqui dentro.
– Justo!
– E eu juro! Juro que se você fizer algum mal a ela ou a minha filha, eu acabo com você! - Disse apontando o dedo em sua direção.
– Eu jamais faria algum mal a minha filha e minha neta. Só quero uma chance para mostrar que sou um bom homem, mesmo sendo imperfeito e ter feito escolhas erradas.
– Para mim, você não precisa mostrar nada!
Me ajeitei na cadeira, me escorando na mesma e cruzando meus braços em meu peito. Posso estar sendo egoísta? Posso! Mas Mauro não tem meu perdão, se Maitê quiser perdoa-ló e ter uma relação com ele, vou respeitar mas para mim, ele é insignificante.

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