Capítulo 33 - Minha única pessoa

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Eu estava no vestiário, encarando a minha imagem no espelho, eu havia acabado de fazer um coque em meu cabelo e verificava se não havia algum fio solto. Meu rosto estava pálido, eu havia passado apenas uma leve base para tentar disfarçar a minha cara inchada e passei apenas um protetor labial em meus lábios, tentando diminuir a palidez e o ressecamento do mesmo.

Eu odiava aquilo, odiava ter que usar aquela roupa, ela já ficava no meu armário para facilitar quando eu precisasse usá-la, mas a minha vontade é que eu nunca precisasse.

Passei a mão, ajeitando o vestido preto que ia até o meu joelho e com mangas ¾, respirei fundo e saí do vestiário. Ao chegar no estacionamento, encontrei com Lucinda e Eret próximos ao carro dele, ambos estavam de preto.

– Podemos ir? – Eret me perguntou.

– Você também vai?

– Era meu plantão, Asty – disse com a cabeça baixa.

Me aproximei dele e segurei suas mãos.

– Você sabe que não foi sua culpa, você fez tudo o que podia.

– Eu sei, mesmo assim, sempre que perdemos um paciente eu me pergunto se teve algo que eu poderia ter feito diferente.

– Se lembra o que você me disse quando eu perdi um paciente e estava me sentindo culpada? – perguntei e ele ergueu o olhar para mim – Você disse que não conseguimos salvar todos, o importante é tentarmos o nosso melhor, sempre.

– A doutora Astrid tem razão, doutor Eret, você fez o possível – Lucinda disse simpática.

– Vocês têm razão – ele suspirou – é melhor irmos.

Ele destravou o carro e entrou no veículo, eu e Lucinda fizemos o mesmo.

O percurso até o cemitério foi rápido e só não foi em completo silêncio, porque Lucinda e Eret conversavam às vezes, mas eu fui o caminho todo em silêncio.

Ernesto seria enterrado no mesmo cemitério em que estava Dora, em um túmulo ao lado do dela. Esse foi o seu único desejo, ele dizia que queria ficar ao lado da esposa, mesmo depois de morrer. A primeira vez que ele tinha me dito isso, eu pensei que era bobagem, ambos estariam mortos, não faria diferença nenhuma, mas agora eu entendia, agora eu sabia como era amar uma pessoa ao ponto de querer ficar com ela mesmo depois da morte.

– Ele era muito amado por todos – Lucinda comentou comigo, me tirando do meu transe. Estávamos em um dos cantos da enorme sala.

– Sim, ele era muito especial – comentei, observando a sala.

O local estava cheio, havia diversas pessoas lamentando a morte de Ernesto. Sua vida tinha sido marcada por projetos sociais, ele havia tocado muitas pessoas.

– Eu devia ter sido melhor com ele, devia ter brigado menos.

– Não faz isso, Lucinda – a olhei – você sabe muito bem que as brigas de vocês não eram de verdade, pelo contrário, as brigas de vocês o distraía, o divertia. Ele se importava com você da mesma forma que você se importava com ele.

– Fica mais fácil, doutora? – ela respirou fundo, percebi que estava tentando segurar as lágrimas – Perder pacientes?

– Não, mas a gente aprende a conviver, a gente aprende a aceitar, porque se formos parar por cada paciente, nós não vivemos mais e não iremos salvar todas as outras pessoas que salvariamos – segurei suas mãos – mas tudo bem sentir por eles, afinal, também somos humanos.

Ela apenas assentiu enquanto abria um sorriso fraco.

Após o caixão ter sido enterrado, decidimos ir embora, afinal, ainda tínhamos que trabalhar.

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