CAPÍTULO 3

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[POV Valentina]

Lembrança ON

JANEIRO DE 2016 - DIA DO ENCONTRO COM A LUIZA

- Adeus, Lu. - subi na moto e fugi dali o mais rápido que pude.

Covarde, covarde, covarde! Por que eu fiz isso?

Na pressa esqueci de colocar o capacete, o que foi bom porque assim o vento gelado bate em meu rosto e me ajuda a respirar um pouco melhor, me sinto tão sufocada, minha visão alterna entre embaçada e lapsos de escuridão. Preciso chegar no hotel viva se não pra variar minha mãe vai pegar no meu pé.

Eu a tinha bem ali, nos meus braços, era só ter um pouco mais de coragem.

Alguns minutos pilotando pelo centro do Rio e cheguei no apartamento em que estava hospedada com a minha mãe.

- Filha, por que chegou a essa hora?

- Agora não, mãe.

- Valentina! Volta aqui. - eu sentia como se meu sangue fervesse em minhas veias.

- Me deixa em paz! - caminhei em direção ao meu quarto.

- Você não foi ver a Luiza não né? - seu tom me fez dar meia volta.

- E se eu tiver ido? - enxuguei minhas lágrimas. - Não bastasse você me comparar com ela a vida inteira, ainda tem a coragem de agir como se estivéssemos cometendo um crime por gostarmos uma da outra? Isso é bem baixo até pra você, né mãe?

- Vocês se gostam, em que sentido? - ela avançava em minha direção enquanto me interrogava.

- Eu amo a Luiza Campos, mãe. Com todo meu coração, a desejo desde... Sempre. - as lágrimas saíam incontroláveis. - Mas até isso você me podou de viver.

Lembrança OFF

Essa foi a primeira e única vez em que tive coragem de assumir o que sentia por Luiza Campos, imediatamente depois disso minha mãe surtou e me deu uma surra épica que inclusive me rendeu umas cicatrizes nas costas quando arrebentou a porta de um guarda-roupa em mim.

Durante esse momento ela falava quão errado era gostar de outra mulher, se lamentava por eu ter traído a confiança dela gostando justo da filha de consideração dela.

Infelizmente, associei Luiza a um dos momentos mais dolorosos da minha vida, então quando a vi pessoalmente meu instinto foi fugir daquela situação.

Luiza Campos é a representação de uma área da minha vida, que diferente das outras, ainda está nebulosa, mal resolvida.  Preciso consertar isso e a terapia tem sido grande aliada nesse processo.

Hoje, no auge dos meus 28 anos, sigo na carreira que me escolheu, porque esse tipo de trabalho escolhe você. Moro no Rio, bem longe da minha mãe e moro no mesmo condomínio que meu irmão, o Igor que não quer saber de nada além de beber e sair por aí pegando todas as mulheres que puder.

Minha sexualidade é outro ponto que estou entendendo, na época em que me assumi pra minha mãe e após tudo que aconteceu naquele dia, por algum tempo até cheguei a ficar com alguns homens, mas nada muito sério, definitivamente não é do que eu gosto.

Por outro lado, nunca fiquei com mulheres, embora tenha muita curiosidade e vontade, é clichê, mas espero pela mulher certa pra ter a experiência completa.

- E aí? Vi que ficou baqueada depois de ter visto a deusa Freya lá na escola do Isaque. Pegou o número dela? - meu melhor amigo, Hugo, comenta enquanto dirijo em direção a sua casa.

- Eu? Claro que não. - desconverso.

- Então vamos voltar lá, vou tentar a sorte, vai que consigo? - dou um soco leve em seu braço após pararmos no semáforo.

- Não fale esse tipo de coisa perto dele! - olhei para trás para o pequeno guerreiro viking dormindo completamente derrotado na cadeirinha do carro. - Curioso, é ele que dorme e você quem sonha né? Ela é muita areia pro seu caminhãozinho, meu amigo.

Caio na gargalhada porque ele me olhava concentrado no que eu dizia.

- Engraçadinha - ele me imita falando. - Viu como gostou dela? Caso contrário não ficaria incomodada.

- Chegamos, vê se não se atrasa pro trabalho, hein. Amanhã teremos um dia daqueles. - seco os cantos dos olhos por ter literalmente chorado de rir.

- Sou o cara mais pontual daquele prédio, Valentina - ele pega o pequeno do banco de trás e se despede com ele no colo. - Mas é sério, obrigado por ter ido na festa fantasiada com ele, a partida da mãe dele ainda dói muito principalmente nesses momentos que eles tinham juntos.

- Não por isso, Huguinho. - brinco para aliviar o peso dessa lembrança. - Tô aqui por vocês, sempre.

- Boa noite, Tininha - ele sabe que odeio esse apelido bobo que me deu.

- Não dá pra ser legal com você! Falou, mané - toco com a lateral de dois dedos na testa e gesticulo pra ele me despedindo.

Hugo Abrantes, além de ser como um irmão pra mim, também é um pai incrível. Ele era casado com a Maíra, mãe do Isaque, que também era uma grande amiga minha. Faz uns 2 anos que ela se foi em decorrência de um assalto no trânsito, no primeiro ano não tiveram nem condições de ir nessa festinha porque era a favorita do pequeno e sempre a mãe o levava, esse ano Hugo pediu ajuda para tentarmos ressignificar essa data com o pequeno e aceitei de imediato o desafio.

Algumas horas depois, retorno para casa e após muita luta para desfazer os nós que fiz ao tentar desfazer as tranças com pressa, tenho certeza: meu cabelo nunca mais será o mesmo.

No banho, deslizo o sabonete por minha pele e busco algum relaxamento, penso que o dia não foi lá dos mais fáceis, mas no fundo fico feliz de ter visto Luiza, parece ainda mais linda do que quando a vi 10 anos atrás. Com certeza é um assunto que levarei para a terapia.

Sem muitas outras opções, preparo minha bolsa de trabalho e uniforme e me jogo na cama, preciso estar bem descansada para o dia de amanhã.


Tinha Que Ser Você - ValuOnde histórias criam vida. Descubra agora