CAPÍTULO 10

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[POV Luiza]

Mais uma mensagem de Valentina e não tenho coragem de responder. A deixei em casa hoje cedo, numa manhã ironicamente ensolarada de sábado enquanto em minha cabeça a tempestade de dúvidas não cessa por nada.

Depois daquele beijo, demos outro e outro, no fim das contas dormimos juntas, sem nenhum contato diferente por assim dizer.

O que pesa e muito é saber que traí minha esposa. Sim, pedi divórcio, não, não quero mais nada com ela, mas ainda somos casadas e eu quebrei minha palavra. Confesso que isso tem me perturbado bastante, mais do que eu gostaria de admitir.

De um lado temos a mãe de Valentina a reprimindo, no meu caso?

[Lembrança ON]

- É isso, mãe. Eu sou lésbica, sei disso tem um tempão, mas tive medo de te contar.

- Lésbica? Quer dizer então que gosta de se relacionar com outras mulheres, correto?

- Pela milésima vez: sim, mãe. - estamos sentadas à mesa jantando.

- E já ficou com alguém?

- Na verdade estou ficando sim, ela é da faculdade..

- Que bom filha, quero que seja feliz.

Até então não poderia estar mais feliz, me sentia aceita por minha mãe, até que alguns meses depois apresento Nádia pra ela.

- E você vai pedir minha filha em casamento quando? Porque já não basta ser lésbica, agora não vai querer nem constituir uma família? É muito pro meu coração, Luiza.

[Lembrança OFF]

Acredito que no fim das contas essa minha relutância, essa insistência em manter esse casamento que já não era mais de verdade faz tempo, era porque minha mãe me pressionava. Era como se eu tivesse que 'compensar' o fato de ser lésbica construindo uma família como ela gostaria que fizesse.

E é justamente aí que está o problema das mentiras muito bem contadas, você conta tão bem e tantas vezes que chega um ponto em que vira verdade. Mesmo que no meu coração sinta que não tenho mais amor, olhando de fora tenho a vida perfeita, será egoísmo pedir mais ou algo diferente disso?

Chego em casa pouco depois das 10h e aproveitei para tomar um banho. Léo tem natação aos sábados portanto não está em casa, meu plano é fazer uma surpresa pra ele o buscando depois da aula.

Termino de me arrumar e olho o celular pela última vez, a mensagem de Valentina toma conta da tela.

"Lu, não se afaste dessa forma. Eu entendo que foi errado, mas se for embora, pelo menos me avise antes."

Como se fosse fácil pra mim, assimilar tantos sentimentos de uma só vez. Cada segundo do nosso primeiro beijo fica repassando na minha cabeça o tempo todo. Seu perfume, seus olhos verdes me encarando com aquelas pupilas dilatadas, seu corpo perfeito ali, sob minhas mãos respondendo a cada movimento meu...chega, Luiza! Você precisa se divorciar logo primeiro.

Destranco a porta da frente da casa da minha mãe e enquanto saio me choco contra o corpo de alguém. Falando no diabo...

- Oi amor - ela traz consigo um buquê de girassóis, minha flor favorita. Ela só pode estar de brincadeira.

- Nádia, em que mundo você vive?

- O que? Como assim? - conheço bem a cara que ela faz quando está tentando me manipular.

- É, porque ou você vive num universo paralelo ou acha que sou fútil e inocente o bastante pra esquecer tudo que você fez nos últimos dias. - tranco a porta atrás de mim.

- Eu sei que tenho errado com você, mas por favor, seja razoável. Tenho passado por muitas coisas também, principalmente no trabalho. - ela me acompanha até o carro, mas não me deixa entrar.

- Todo mundo passa por um monte de merdas todos os dias, Nádia. Isso não justifica você fazer as coisas que tem feito.

- Eu sei, mas eu sou a sua esposa e amo você. Nós batalhamos tanto pra construir nossa família, não podemos colocar tudo a perder desse jeito.

- Por favor, me deixe em paz... - respiro fundo buscando algum controle. - Eu já não disse que quero o divórcio?

- Vem cá, princesa - ela tenta me puxar pela cintura, mas desvio de seu contato. - Você me ama, você sabe que sim. Para com isso.

As pessoas que passam na rua começam a reparar no que está acontecendo aqui.

Me dói muito finalmente admitir isso, mas o amor mesmo? Aquele que me fazia ficar extasiada só com a lembrança dela em meus braços já acabou tem tempo.

Não posso permitir que meu filho cresça num ambiente feito de aparências, a desilusão seria um golpe duro demais pra uma criança suportar em sua fase mais delicada.

Não posso mais viver assim.

- Você não me ama, sabe-se lá em que momento realmente sentiu algo, mas você já não dá a mínima tem algum tempo.

- Não tire conclusões com base no que outra pessoa está sentindo, você não tem o direito.

- Ah não tenho? Então me diga, quem ama tanto assim como você diz me amar, trabalha pelas costas pra derrubar a empresa que lutei para erguer?

- Do que você... Eu não sei do que está falando!

- Ah você sabe sim, e digo mais. Aguardo o dia em que você será mulher suficiente para assumir as besteiras que você faz, Nádia.

- Fala baixo, tá todo mundo olhando pra gente. - entro no carro e ela fica em pé ao lado da minha porta. - Eu te encontro em casa mais tarde, lá conversamos melhor, o que me diz?

- Eu já disse uma, já disse a segunda e vou dizer pela terceira e última vez. Eu. Quero. O. Divórcio, Nádia. - olho no fundo dos seus olhos e não consigo ver ou sentir qualquer remorso.

- E meu filho? Eu tenho o direito de vê-lo.

- Ah aquele que você esqueceu na escola? Ele não está aqui, mas de qualquer forma, você não vai ver o Léo até um juíz determinar que você está apta para isso.

- Isso não vai ficar assim, Luiza.

- Com certeza não vai, mas não vai mesmo. Acabou, Nádia. - dou partida do carro e saio cantando pneu, deixando para trás uma Nádia furiosa.

Tenho a sensação de que perdi pelo menos 5kg só falando verdades na cara de minha ex esposa. Se antes existisse alguma, agora não testava dúvidas de que nosso casamento já era.

De qualquer forma, ainda me sinto traída, usada, não acredito que a mesma pessoa que me ajudou e incentivou a ficar de pé agora tenta puxar meu tapete.

Como vou explicar isso pro Léo? Pra ele sempre fomos uma família tão unida e feliz, não faço ideia de como ele reagirá.

Com o carro estacionado na frente da academia onde ele faz natação apoio a cabeça no volante do carro como se isso fosse fazer os pensamentos cessarem.

- Mamãe! - escuto a voz do Léo ao fundo e olho ao redor.

Ele está parado na saída do lugar aparentemente aguardando minha mãe. Saio então do carro e atravesso a rua rapidamente para ir ao seu encontro.

- Meu amor! - abro os braços e o pequeno salta em meu colo, abraçando meu pescoço em seguida.

- Saudade, mamãe Luiza. - ele me abraça forte.

- Eu também, príncipe. Cadê a vovó?

- Não sei.

- A vovó tá aqui, tive problemas com a catraca. Oi filha!

- Oi mãe, vamos pra casa?

Com Léo parecendo uma metralhadora falando de 10 assuntos por minuto, é quase impossível pensar em Valentina e Nádia, vou usar isso ao meu favor para dar o mínimo de paz pra minha cabeça, afinal preciso voltar a trabalhar na segunda e Valentina vai estar lá.

Tinha Que Ser Você - ValuOnde histórias criam vida. Descubra agora