Capítulo 86 | Não acabou.

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E se alguém machucar você, eu quero brigar, mas minhas mãos foram quebradas muitas vezes.
Então eu usarei minha voz, serei rude pra caralho. Palavras, elas sempre ganham, mas eu sei que vou perder.

— Another love, Tom Odell.

DONNA

      Contra minha vontade, a vida me preparou para ser forte em muitas situações e por incrível que pareça, sempre me senti preparada para tudo. Porém, há momentos que a vida me pega de surpresa, retira toda a minha autoconfiança; força e experiência e ainda me faz acreditar que tudo não se passa de uma simples fantasia. Um momento ruim. Um pesadelo. E no estado em que estou, sou capaz de rezar/orar para qualquer Deus existente na tentativa de fazer com que isso seja mesmo um mero pesadelo.

Ao olhar para o quarto de hospital ao meu redor, onde o Wolfhard permanece deitado e completamente devastado; noto que por mais que eu tente, será impossível me acalmar e absorver tudo no momento. Eu quero sair daqui com o meu filho, o levaria para casa e cozinharia muitos brownies com caramelo para que eu possa deixar com que ele coma apenas um, ele não iria me ouvir, comeria mais e ainda daria dor de barriga na madrugada, eu riria e falaria: Escute a mamãe.

Eu sinto falta do meu filho, já faz duas semanas que espero por respostas, por solução.

Já faz duas semanas que não digo uma palavra, que venho até esse quarto de hospital todos os dias para ver se Sean falou com Harvey, para ver se ele tinha oferecido algo em troca do meu filho. Eu daria qualquer coisa, sei que parece exagerado, mas, nossa, eu daria qualquer coisa para ter Charles de volta.

Eu faria qualquer coisa.

Só que Harvey não pediu nada em troca, ele nem ao menos ligou.

— Ele matou o meu filho, Sean. — Ergo o olhar em sua direção, mantendo a cabeça ainda um pouco abaixada. Sean estremece, como se sentisse pontadas em cada buraco cavado em sua pele. Feridas que seu pai fez. — Não foi? — Ele abre os lábios tentando balbuciar algo, mas os fecha assim que percebe o quanto é inútil porque nenhum de nós fazemos ideia do que está acontecendo.

— Eu entrei em contato com a minha tia, ela falou que ele não está na Califórnia. — Sean diz, quase inaudível. Seus olhos castanhos-esverdeados se enchem d'agua, ele aperta o edredom da cama em que estava deitado. — Eu deveria ter deixado vocês em paz. Deveria ter seguido a minha vida. Agora é...

— Por favor, não diga isso. — Peço baixinho. — Não diga que é tarde demais. — Balanço a cabeça, sentindo o estomago se revirar. Sentindo o meu mundo se revirar.

— Donna, eu juro que tent...

— Quando Charles nasceu, eu tinha tanto nojo dele. Eu olhei para a carinha vermelha dele e disse o quanto o odiava, eu não conseguia nem mesmo segurar o meu filho nos braços, o enxergava como um erro e eu... Nossa, cometer erros não é plausível com a minha reputação. Thomas fazia tudo, o trocava, acordava no meio da noite, dava mamadeira; eu só sabia chorar porque estava me atrasando por um ano inteiro. Eu pensava: Essa coisa está acabando com a minha vida. Cada vez que ele chorava, eu me estremecia inteira, por ódio, tristeza, por não conseguir ser o que eu precisava no momento. Ser o que ele precisava. Ser mãe. — Minha voz se embarga, abro os lábios para soltar o ar e tentar me acalmar, as mãos tremulas decretam o quanto estou inerte. — Quando eu peguei Charles pela primeira vez, ele já tinha duas semanas de vida, ele me estranhou tanto e eu comecei a chorar compulsivamente... Foi ali que eu percebi que tinha dado depressão pós parto, Aurora que me acompanhou nas consultas com a psicóloga e me ajudou com Charles, ela me ajudou mesmo tendo dois bebês para cuidar. — A saliva passa com dificuldade pela minha garganta, sinto como se tivesse paredes ao meu redor e elas estão se fechando, rapidamente, eu não consigo controlar, não consigo emitir nenhum som. — Depois que tudo passou, eu percebi que quase virei a minha mãe. Foi por tão pouco... — Sussurro a última frase. — Eu ainda acho que comecei a amar verdadeiramente o meu filho tarde, ele ainda precisa de mim, eu ainda preciso mostrá-lo que posso ser a mãe perfeita para ele. — Limpo ao redor dos olhos, mal consigo falar no momento. Não consigo... respirar. — Então, não me diga que é tarde demais. Nunca diga isso para mim. — Ergo o dedo indicador, o ameaçando. — Nunca, Wolfhard. — Afasto a mão, ignorando seu olhar pesado sobre mim.

Eu sei que não foi culpa dele, nunca jogaria algo tão pesado em suas costas, mas Sean faz isso por si mesmo. Só de ver seu semblante, é como se a culpa o estivesse esmagando.

Eu gostaria de ajudá-lo, de reergue-lo e confortá-lo para que não desista do nosso filho, entretanto, e não é nenhum exagero dizer que, estou morta por dentro.

🐺🐺

CHARLES

     Espremo os lábios ao cerrar os punhos doloridos, seguro um grunhido para que ninguém me escute chorar. Sei que não é corajoso sentir medo, no começo eu não senti muito, mas ninguém nunca me bateu tanto. Eu nunca tinha apanhado a ponto de não conseguir me levantar, eu nunca fiquei tão sujo a ponto de sentir nojo de mim, eu nunca fiquei tão machucado em toda minha vida. Nem quando eu caia de bicicleta por estar ainda aprendendo a andar.

— Aqui, garoto. — Quando um dos caras mascarados abre a porta e joga uma garrafa d'água, encaro o pet rolando até bater contra minha barriga, ainda bem, eu não consigo me levantar do chão para pegar.

Não faço ideia de onde estou, apenas acordei neste cubículo, sem janelas, apenas uma porta de aço. Um cofre.

— Eu posso comer alguma coisa? — Digo baixo, com medo de ele me bater novamente. Eles me batem sempre que recebem telefonemas. Sempre. Ou quando eu tento sair do cubículo no instante em que abrem a porta para dar água.

— Hoje não. — Ele diz, negando com a cabeça.

— Quando eu vou poder comer? — Desenrosco a tampa da garrafa, levando o liquido lentamente até a boca. Ainda sentia gosto de sangue, mas estou com sede. Só não é maior que a minha fome.

— Cala a porra da boca, garoto. — Encolho os ombros, me afastando. Tentando me difundir com a parede de tijolos. — Tragam-na! — Franzo as sobrancelhas ao observar o outro cara jogar uma garota para o outro lado da sala, ela não estava tão machucada quanto eu, portanto, tão suja quanto. — Você tem companhia agora, não se divirta demais com a putinha. — Ele diz antes de sair e bater à porta, o estrondo faz o meu corpo inteiro estremecer, mãos geladas e olhos arregalados, sempre imagino que é tiro novamente.

Levo o olhar até a garota, ela permanece encarando a minha garrafa d'água enquanto umedece os lábios.

— Você quer? — Murmuro, fechando a garrafa. — Pode pegar, eu... Eu não estou com muita sede hoje. — Faço a garrafa rolar até chegar em seu corpo.

Mesmo receosa, ela apanha rapidamente o material de plástico e acaba com o liquido em segundos. Eu não consegui nem mesmo avisá-la que eles só dão uma dessa por dia. Não importa, ela estava com sede.

— Qual é o seu nome? — O chão frio eriça todos os meus poros, tenho quase certeza que meus lábios também estão roxos, assim como meus dedos.

— Eles me chamam de Carrie, a estranha. — Sua voz é um pouco rouca, acredito que ela tenha gritado bastante. — Tem muito tempo que estou aqui.

— Por que te chamam assim? O que você fez?

— Eu não sei o que fiz de errado, e eles me chamam assim porque... Você não consegue ver?

Reparo bem em seu rosto, um traço mais diferente que o outro.

— Não, eu não vejo nada de errado com você.

Ela esboça um mínimo sorriso. Mexendo apenas o canto dos lábios.

— Obrigada, você é o primeiro.

🐺🐺🐺

Tudo o que eu tenho para dizer, vou colocar nas notas do próximo capítulo. Mas preparem-se.

Até o Fim do Jogo [Att todos os dias]Onde histórias criam vida. Descubra agora