Capítulo 85 | Frio como marte.

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"Marte não é o melhor lugar para criar os seus filhos. Na verdade, é frio como o inferno, e não tem ninguém lá para criá-los."

— Rocketman, Elton John.

CHARLES

    Franzo os cenhos com a indiferença da garota ao meu lado, estou comendo donuts hoje e ela nem ao menos pediu um pedaço, e tem glacê rosa com confeitos coloridos, eu sei que é o favorito de Lili porque ela sempre pede um no recreio junto com o sanduiche de carne e suco de groselha. Não entendo o motivo de estar cabisbaixa hoje, nem foi tão ruim as aulas e estamos na hora de embora. Meu olhar percorre para o portão do colégio, Sean iria me buscar hoje para irmos encontrar o pai dele e fazer com que ele o perdoe, mas já está alguns minutos atrasado.

— Lili, você não quer um pedaço do meu donut? — Franzo as sobrancelhas, estendendo. Ela olha para minha mão e permanece calada. Eu não gosto do silencio, às vezes sim, mas na maioria do tempo não. O silencio me perturba um pouco. É irônico porque não sustento uma conversa, porém a perturbação passa quando eu escuto pessoas. Mesmo que seja na TV. — Pode ficar, eu não estou com fome. — Devagar e com cuidado, ela estende o braço e retira o doce de minhas mãos. Sinto que ela não quer dizer nada, então fico quieto com os ombros eretos e balançando as pernas no banco enquanto a olho lamber o glace do topo da rosquinha.

— Charlie, eu posso te contar um segredo? — Desvio o olhar do portão, a mantendo presa por alguns segundos antes de abaixar para os meus pés inquietos.

Um segredo.

Eu sei guardar segredos, eu estou guardando o segredo do meu avô. Não disse para ninguém. Ninguém. Eu sou um bom garoto.

— Pode.

Assim que silabo a palavra, a garota de cabelos loiros e curtos com a mochila da Capitã Marvel pega minha mão e me faz correr junto a ela até a casa da árvore. Subo as escadas, soltando o ar por estar cansado. Hoje tive dois horários de educação física e treino de futebol no final. Aliás, isso me lembra que não tomei uma ducha e muito menos tirei o meu uniforme dos Lobos. — O treinador dos Lobos LA fundou várias sedes de futebol em escolas que prezam mais pela disciplina, por isso a maioria dos colégios de Boston tem o mesmo mascote e o mesmo nome de time. Só muda o segundo nome, o da minha é "Lobos da Academia Einstein". — Ao me sentar em um canto da casinha de madeira, observo Lili que se acomoda afastada de mim, me pergunto se ela tem medo de mim ou algo do tipo, não é como se eu fosse o Matthew Jude, apesar de ele não ser covarde o suficiente para rir da cara de uma menina. Isso seria desrespeitoso.

— O papai chegou ontem em casa, ele tinha viajado para a Inglaterra, está abrindo um novo hospital lá. — Pisco os olhos, não entendo onde ela está querendo chegar. Abro os lábios ao cogitar uma opção.

— Está indo embora para a Inglaterra? — Inclino a cabeça para o lado.

— Não, meu pai irá. Ele não quer que mamãe e eu o acompanhe.

— Por quê?

— Eu não sei, acho que ele não gosta da gente. Ele nunca participa da noite dos Minions. — Ela sussurra, amarrando seu tênis vermelho. Não estava solto, acho que ela só não queria olhar para mim. — Eu acho que nem a mamãe gosta de mim, ela está tentando ter outro neném. Disse que vai salvar o casamento dela, mas às vezes ela esquece que eu sou a heroína dela, ou que costumava ser. — Eu não conseguia ver as lágrimas em seu rosto, apenas o soluço é audível o suficiente. — Ela quer outro herói, não gosta mais de mim. O papai também não. Eu queria morar com a vovó Lucy, ela me ama e faz biscoitos de chocolate. — Sua voz ficava mais tremula na medida em que cada palavra era proferida. — Ele está abandonando a gente e a mamãe diz todo dia que está cansada, isso significa que irá me abandonar também. — E então, seu choro fica mais alto.

Até o Fim do Jogo [Att todos os dias]Onde histórias criam vida. Descubra agora