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Amélia Miller

Eu acordo com a claridade invadindo meu quarto, no dia seguinte. Franzo a testa suavemente, virando meu corpo de costas para o teto, me esforçando para não abrir os olhos e perder o sono de vez. Mas, quando acho que vou continuar dormindo, sinto dedos ásperos acariciando minha bochecha.

Resmungo baixinho, bem baixinho mesmo, e os dedos sobem pelo meu rosto, até meus cabelos. Apesar de serem dedos com uma textura meio áspera, sinto como se estivesse sendo tocada por pelinhos macios de gato. Sorrio de canto, franzindo a testa outra vez antes de abrir os olhos devagar. Minha visão foca lentamente, até eu ver Charlie me encarando.

Sorrio um pouco mais, escondendo o rosto no meu travesseiro. Eu acordo igual a um urubu, não quero que ele me veja assim, principalmente porque esse desgraçado continua bonito mesmo depois de acordar. Seu rosto amassado e inchado e fofinho, que deixa seus olhos pequenos, é fofinho, e eu não vou nem falar do cabelo todo bagunçado – mentira, falo sim; tá um charme do caralho!

     — Bom dia, linda. — Sua voz rouca sussurra próximo ao meu ouvido, já me deixando arrepiada a essa hora da manhã.
     — Bom dia... — Resmungo e volto a erguer o rosto, mas já passando as mãos no cabelo, para disfarçar o ninho de passarinho.

Apoio o peso do meu corpo nos cotovelos, e o queixo na palma das mãos. Olho para Charlie que ri pelo nariz e molha os lábios com a língua antes de deitar a cabeça no travesseiro. Até alguns segundos, ele estava sentado, com as costas encostadas na parede atrás da cama.
     — Há quanto tempo você tá acordado? — Pergunto baixinho
     — Não muito... — Ele passa um braço atrás da cabeça, e ergue o outro, usando a mão para alisar meu braço. — O suficiente pra esbarrar com sua mãe na cozinha.

Arregalo os olhos e Charlie ri baixinho. Estava tão cansada ontem a noite – e com tanto tesão –, que nem cheguei a pensar em como seria de manhã, quando minha mãe visse Charlie perambulando pelo apartamento. Se pelo menos eu tivesse acordado primeiro, poderia tê-la preparado para o baque. Como eu consegui esquecer que ela voltava do plantão hoje de manhã?

Cubro o rosto com as mãos, morrendo de vergonha só de imaginar o que deve ter se passado pela cabeça da minha mãe. Não quero nem saber o que ela vai me perguntar quando eu sair desse quarto.
    — O que ela disse pra você? — Pergunto
     — Ah... disse que gosta de me ver com você, que tá feliz por você.

Espera...o quê?
Abaixo as mãos e olho para Charlie, franzindo a testa.
  — Sério? Ela não disse nada constrangedor, ou fez você sentir nenhuma vergonha alheia? Nenhum comentário sobre manter meu hímen "intacto"? — Reviro os olhos em ironia de que não sou mais virgem, e Charlie dá uma risadinha. — Nadinha?
     — Nadinha. — Ele abaixa os olhos ao afirmar. — Na verdade, sua mãe é bem engraçada. Deve ser legal viver com ela.
     — É...menos quando ela quer conversar sobre minha saúde sexual. — Faço uma careta só de me lembrar de todas as vezes, mesmo que rindo um pouco.
     — Bom, pelo menos você tem uma mãe que faça isso com você. A minha nunca parou pra tentar conversar sobre "da onde vêm os bebês", ou sobre DST's; aprendi tudo sozinho, ou na aula de biologia.

Não sei se sinto inveja por ele nunca ter que passar pela vergonha de ver sua mãe ensiná-lo a pôr uma camisinha com banana, ou se fico com pena por não ter os pais presentes. Na dúvida, acho que dá pra sentir os dois ao mesmo tempo – do mesmo jeito que posso sentir amor e tesão ao mesmo tempo. Quero dizer alguma coisa, mas não consigo pensar em algo, então apenas estico a mão e toco seu rosto. Meus dedos deslizam por sua pele lentamente, sentindo aquelas pequenas e quase invisíveis espinhas na testa, sentindo a textura macia de sua bochecha e a asperidade da barba feita. Charlie sorri e segura meu pulso.

ALL FOR US - Charlie BushnellOnde histórias criam vida. Descubra agora