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Último capítulo....

Amélia Miller 

   O amor não é uma dádiva. O amor é um filho da puta, que te manda as rosas num dia, e os espinhos em outro. É assim que ele funciona, e não desejo isso nem aos meus piores inimigos.

     Nunca achei que realmente passaria pelo mesmo tipo de coração partido que minha mãe. Sim, fiquei com medo de que acontecesse, mas tinha fé que fosse um caso que evitava algumas pessoas. Eu claramente não sou uma dessas pessoas.

     Quando chego em casa, corro direto para meu quarto, batendo os pés com força na madeira do chão. Estou pingando água de cima abaixo, porque peguei chuva no caminho, e se quer parei pra pensar em pedir um Uber ou sei lá o quê. Tranco a porta e me encosto nela, encarando todos os meus desenhos na parede – as folhas com rabiscos de personagens de desenhos, flores, carros que eu vi na rua e achei dignos de desenhos. Tudo isso não faz sentido pra mim. Meus olhos seguem o coração rachado que eu desenhei no teto uma noite dessas, o desenho que fez meu pai ter um treco – mesmo permitindo que eu desenhe nas paredes do quarto, o teto já era demais. Mas eu, bom, eu gostei de deitar no meu carpete e sorrir para meu coração.

     Desenho idiota.

     Corro até o outro lado do quarto, abrindo uma gaveta com minhas tintas. Elas estão acabando, mas não me importo de gastar agora. Uso o maior pincel que tenho, despejando toda uma tinta branca dentro de uma vasilha que já foi usada muitas vezes. Subo em cima da cadeira e passo o pincel nas linhas do desenho.

     Desenho idiota, minha mente repete.

     Meus olhos fraquejam, e eu começo a chorar de novo.

     Charlie idiota.
    Thereza idiota.
    Amélia Miller idiota. Idiota! Idiota! Idiota! Idiota!

     Abaixo o braço e a cabeça, chorando enquanto a tinta do pincel pinga no carpete e nos meus tênis. Pintei metade do coração, e o outro flutua solitário, porque foi o que sobrou.

     Sinto vontade de rir quando penso que ele me chamou pra sair, e depois chamou a Tess pra transar, enquanto eu esperava igual a uma idiota. Com certeza aquele cérebro do tamanho de uma amêndoa deve ter achado que ia se safar dessa, igual deve ter se safado inúmeras vezes, mas que eu não sei.

     Pulo da cadeira e me deito no chão, deixando a tinta e o pincel de lado. Encaro meu teto branco, o coração pela metade. Eu, imbecilmente, me sentia completa quando estava com ele. Agora sinto que fiz mal uso do coração que a mulher de 25 anos, loira, bonita, mãe e esposa, sacrificou por mim. Marise Jeffords. Minha doadora. Sofreu um acidente de carro na noite em que me sistema sofreu pani. Ela me entregou seu coração intacto, e eu quebrei ele.

     Não, deixei que quebrassem ele.

     Fecho os olhos. Acho que as próximas horas vão ser dolorosas.


     Já deve ser bem tarde da noite, quando eu grito para acordar meu pai. Não tem outro jeito de acordar ele, porque não consigo me mexer sozinha, já que dói. Tudo dói.

     Meu peito dói tanto, que é como se estivesse sendo rasgado ao meio, para arrancarem fora meu coração incrivelmente acelerado. Estou tendo um ataque cardíaco. Eu sei como é.

     Não consigo respirar. Estou sem fôlego, e quanto mais eu grito, mais dor e mais ar eu ponho pra fora, ao invés de puxar pra dentro também. Meu braço está formigando, e sinto como se tivesse alguém sentado em cima de mim...ou no meu pescoço...nas minhas costas, mesmo que esteja deitada no chão de barriga pra cima.

     Meu pai entra no quarto como um furacão, gritando meu nome e mais algumas coisas, mas é como nos filmes; eu não consigo entender nada, a não ser que estou a beira de um colapso mortal. Ele me pega no colo, e ouço a palavra "hospital" sair de sua boca mais de uma vez. Quero fechar os olhos e desmaiar logo de um vez, acabar com isso, mas não consigo.

     Lágrimas se formam nos meus olhos enquanto meu coração se fecha em um aperto alucinante. Eu não quero morrer, tento dizer, mas também não consigo.

     Meu pai dirije até o hospital, e acho que não tem nenhum carro na rua, porque a velocidade em que faz isso é quase de matar. Sofia está no banco de trás comigo, tentando fazer pressão no meu peito, para eu consiga respirar. Todd? Eu não faço ideia de onde ele está, mas espero que esteja melhor que eu agora.

     Meu pai me pega no colo de novo quando chegamos no hospital. Agora estou deitada numa máquina. Olho para o teto, enquanto as luzes fluorescentes passam por meus olhos rapidamente. Ao meu redor ouço e vejo médicos e enfermeiras, entre elas a minha própria mãe.

     Ela está chorando. Passa a mão no meu cabelo, enquanto chora e treme.

     — Fecha os olhos, querida. — Ela diz, e é a única coisa que eu escuto. — Fecha os olhos. Pode dormir, vai ficar tudo bem, eu prometo.

    Eu encaro ela, a ouvindo chorar, me pedindo para dormir desesperadamente. Volto a encarar as luzes fluorescentes passando diante de mim. Fecho os olhos.

     O choque que sinto no meu peito três vezes, significa que estão tentando me ajudar. Eu me sinto melhor assim, mesmo que eu esteja vendo uma explosão de fogos de artifícios embaixo das minhas pálpebras, e o big bang esteja acontecendo dentro de mim.

     Silêncio e escuridão. Num segundo, meu peito está explodindo, e em outro, está apenas bombeando sangue normalmente. Ouço o bip constante dos aparelhos, e então volto a abrir os olhos.

+

     Ainda estou viva.

ALL FOR US - Charlie BushnellOnde histórias criam vida. Descubra agora