C H A R L I E

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ANTES...
QUATRO ANOS ATRÁS

     Só há um único floco de cereal de milho boiando no leite da minha tigela. Um único, solitário e murcho floco de cereal de milho. Já estou olhando para ele o que parece uma eternidade. Às vezes mexo a colher no leite, criando um redemoinho para o floco de cereal, que poderia se afogar se fosse uma formiguinha.

     Eu comi todo o resto do cereal em questão de minutos, mas quando fui ver, esse ainda restava na tigela. Não sei porquê fiquei brincando com ele, ao invés de pôr na boca logo e beber o resto do leite. Acho que ainda estou desligado do dia. Mesmo que eu tenha acordado às onze da manhã, por ter passado a noite inteira jogando Assassin's Creed no meu Playstation novo. É tudo o que um garoto de 13 anos como eu quer fazer da vida.

Minha mãe e meu pai dizem que videogames estragam o cérebro, mas continuam me dando de presente os jogos e os consoles assim que lançam. Adultos às vezes me deixam confusos. Eles dizem que algo está errado, mas cometem essas coisas erradas mesmo assim. Eles fazem promessas, mas as quebram sem nem pensar duas vezes. Eles "abominam" a juventude, mas já foram jovens. Sei lá...acho que não quero ser adulto.

Mexo o floco de milho de um lado para o outro, mas ele já está tão murcho, que gruda na colher...
– Charlie, para de brincar com o café da manhã. — A voz séria e autônoma da minha mãe, me faz levantar a cabeça.
     — Já acabei. — Digo rapidamente
     — Não vai jogar leite fora. Tome logo, ele faz bem para os ossos.

     Às vezes eu acho que meus pais se preocupam mais com minha saúde física, do que comigo mesmo em si. Eles estão sempre me pondo pra comer coisas saudáveis, me levam pra correr e na semana passada meu pai me levou pela primeira para uma academia. Eu não levantei peso nem nada, mas fiquei acabado com a série de exercícios que fiz.
Com a Alyssa não é bem assim.
Eles se importam só com as notas dela, com os estudos e com o futuro acadêmico. Segundo meus pais, ela é a "primogênita cérebro" da família. Se ela é o cérebro, eu sou o quê? Músculos? Qual é, nem músculos eu tenho! Eu ainda estou passando pela chata da puberdade, então minha voz fica meio fina do nada – pra falar a verdade, isso tá melhorando agora e ficando grossa quase o tempo inteiro –, eu tenho espinha na testa – mesmo que clarinhas –, tenho pelos em todo lugar e eu odeio isso, minhas roupas quase não servem mais em mim porque cresço o tempo inteiro, e o pior: eu não tenho nenhuma barba ainda! De que adianta um garoto passar pela merda da puberdade, se ele não ganha barba da noite pro dia? Eu quero ter barba e bigode! É o único tipo de pelo que eu aceito, não no meu...

Aassusto levemente quando a campainha toca. Sigo meu olhar pela porta da cozinha, a tempo de ver minha irmã passar correndo pelo corredor, igualzinha a um personagem de filme de terror tentando assustar.
     — É pra mim! É pra mim! É pra mim! — Ela grita, e minha mãe grita de volta, mandando-a ter modos.
     Eu continuo olhando para a porta da cozinha, mesmo que eu só consiga ver a parede do corredor daqui. Nunca vi a Aly tão animada assim para abrir uma porta, a gente até briga pra saber quem vai abrir quando a campainha toca. Pra falar a verdade, eu quase não a vejo animada de verdade com alguma coisa.
Ouço vozes vindo do hall de entrada, e franzo a testa, quase caindo do banco em que estou sentado tentando esticar o pescoço para ver o jardim pela janela panorâmica que temos na cozinha. Só consigo ver uma mulher sorrir, depois acenar e caminhar em direção ao carro.
     — Charlie! — Minha mãe me chama outra vez, e eu me viro imediatamente. — Termina logo isso.
Sorrio e então seguro a tigela entre as mãos, levando-a até meus lábios; bebo todo o leite, incluindo o floco de ceral de milho solitário. R.I.P Floquinho de Milho. Depois levanto e deixo a tigela na pia, para então sair correndo pela cozinha. Escorrego nos pés quando passo pela porta, batendo de lado com a parede e depois correndo até o hall de entrada.

ALL FOR US - Charlie BushnellOnde histórias criam vida. Descubra agora