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Amélia Miller

Entre os dedos, a mão aperta o coração – o coração humano –, cravando as unhas na carne vermelha, desenhada a traços finos e delicados…

  — E os dedos estão deformados... — Bufo e largo o lápis fino em cima do papel cartão. Eu não estou conseguindo me concentrar no desenho, já devo ter usado uns quatro papéis cartão para recomeçar. Desse jeito meu estoque de papel vai acabar, e essa porcaria é mais cara que um rim. O bloqueio da criatura já chegou batendo na minha cara hoje.

Arrasto a cadeira de rodas para trás, girando pelo quarto até chegar no criado mudo, para pegar o celular que está carregando. Há uma mensagem da Aly.

A: Tem certeza de que não quer companhia pro chá de bebê?

Tenho…
Relaxa :)

Suspiro e desligo o celular de volta.
  Já faz algumas horas desde que voltei da casa da Alyssa, quando meu pai me buscou um pouco depois do meio-dia. Eu devia ter ido para a casa da minha mãe, mas meu pai insistiu para que eu participasse do chá de bebê, então aqui estou eu. Uhuuu.
  Lá embaixo, na sala, nos corredores, no jardim da frente e de trás, Sofia termina os últimos preparativos da decoração. Como ela não pediu ajuda, eu resolvi ficar quietinha aqui no meu quarto, não fazendo barulho e fingindo que não existo. Daqui a pouco eu vou me arrumar e descer pra participar desse teatrinho do meu pai, e já decidi que vou aproveitar todos os doces daquela mesa. Todos os doces.

Volto a rolar a cadeira pelo chão do quarto, atravessando até chegar na minha mesa de desenho. Para uma mesa profissional, ela está bem pobrezinha – os lápis artísticos estão desgastados, os giz de cera de todo tipo estão pequenos, os pincéis duros, a tinta seca na grande maioria, os lápis de carvão estão do tamanho de pedrinhas de construção, e as folhas estão acabando –, preciso renovar o material. O problema? Material de artes é muito caro para eu comprar sozinha. Foi por isso que eu pedi de aniversário um kit de lápis de desenho, um kit de aquarela e um kit de tintas, além do restante do material. Pra resumir tudo, eu pedi logo um kit completo de artes, que vem tudo incluso – tinta, pincel, lápis, borrachas especiais, giz de cera…
  Meu pai disse não. Minha mãe disse não. E eu sigo implorando. Eles tem que agradecer por eu não ter pedido logo um loft de aniversário, porque preciso de um espaço maior para fazer os quadros. Ser artista não é fácil.

Olho para meu desenho e suspiro. Talvez dê para consertar sem agredir a folha…
  — Amélia, ei! — Sofia entra no quarto de repente, segurando uma bandeja de cupcakes, e eu levo um susto, chegando a quase cair da cadeira.
  — Puta merda, não faz isso. — Respiro fundo, pousando a mão no peito para sentir as batidas do meu coração. Depois das dores de ontem a noite, eu tenho até medo.
  — Ah, foi mal. — Sofia encolhe os ombros e sorri toda sem graça. — Eu devia ter batido.
  — É, devia. O que foi?
  — Sobrou uns cupcakes de limão, achei que fosse querer...
Sorrindo Sofia caminha até mim e estica a bandeja com três cupcakes de limão com glacê de baunilha. Meu estômago ronca só de olhar para o doce.
  — Obrigada… — Pego a bandeja e me levanto da cadeira, para sentar na cama e comer em paz; estou faminta.

Apesar de toda a merda que causou na minha família, Sofia é uma ótima confeiteira – ok, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Quando ela não está estudando arquitetura ou trabalhando – isso quando não estava de licença a maternidade –, ela está fazendo algum doce. O único lado bom de ter Sofia aqui, ao invés da minha mãe, é que sempre teremos uma sobremesa depois do jantar. Pelo menos isso me faz pensar que ela não é tão ruim assim.

Estou prestes a dar a primeira mordida em um dos cupcakes, e a boca chega salivar. Mas então percebo que Sofia ainda está aqui no quarto, então ergo os olhos, com a boca ainda aberta, e olho pra ela.
  — O que foi? — Pergunto
  — Hã…nada. — Sofia sorri e apoia a mão na barrigona. — Só que, sei lá, você parecia meio chateada quando chegou da Aly hoje cedo. Tá tudo bem? Quer conversar?

ALL FOR US - Charlie BushnellOnde histórias criam vida. Descubra agora