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Amélia Miller

Eu só me sinto mais aliviada quando entro no meu quarto e fecho a porta, apesar de saber que Tess pode estar surtando por causa daquela foto idiota neste exato momento. Eu também posso estar exagerando, mas a adrenalina da coisa toda tá acabando comigo. Não posso continuar perdendo o juízo e beijando Charlie; uma hora vai dar merda.

  — Você tá legal? — Alyssa se joga na minha cama, protegendo com as mãos as batatinhas que a uma hora dessa já estão frias.
  Olho para ela, mordendo o lábio e afirmando com a cabeça antes de me sentar na minha cadeira giratória. Por fora estou agindo normal, como se nada tivesse acontecido, mas por dentro eu tô gritando e correndo por aí dizendo: "Charlie Bushnell me beijou de novo, porraaaa!" Bom, é, tecnicamente sim, já que fui eu quem beijou ele primeiro.

  É muito difícil esconder da sua melhor amiga que você beijou duas vezes o cara mais gostoso da escola inteira, porque ela é a irmã dele. Tipo, Alyssa não manda nas escolhas que eu faço, mas imagine o quão estranho deve ser ver seu irmão – o cara que literalmente dividiu o saco e o útero junto com você – beijar sua única melhor amiga? Não, eu não vou deixar as coisas ficarem estranhas entre a gente. Além do mais, de agora em diante, eu vou me obrigar a me afastar do Charlie. Eu tenho que pelo menos tentar resistir; não é tão difícil, eu faço isso a anos e sou muito boa em demonstrar indiferença, mesmo que por dentro haja uma sinfonia gritando para sair.

  — Certeza? Você tava com cólica, por isso voltamos. — Alyssa levanta uma sobrancelha pra mim.
  — É…mas já passou.
  Sorrio de forma inocente, girando na cadeira, com a cabeça deitada para trás.
  — A gente foi embora atoa! — Ela taca uma batata frita em mim e eu dou risada, parando de girar a cadeira para olhar pra ela. — Vai, pode dizer; foi só uma desculpa esfarrapada pra ir embora. Você podia ter ido patinar, só ficou lá parada porque quis.
  Reviro os olhos e mordo a batatinha que caiu no meu colo, enquanto uso a ponta dos pés para voltar a girar a cadeira. Toda essa história de mentir para Alyssa sobre meus verdadeiros motivos para sair do Jhon's, só me fazem pensar ainda mais naquele beijo e nas consequências que ele possivelmente vai trazer. Charlie é que nem pólvora; basta apenas um pequeno resquício de fogo, e tudo explode. E o pior é que eu estou pondo cada vez mais fogo na história, quando já deveria ter jogado um balde de água fria a muito tempo.
  — Lia? Lia? Lia, tá me ouvindo? — Ouço a voz de Alyssa ao longe e paro de girar na cadeira novamente, piscando confusa ao olhar pra ela. — Você tá muito desatenta hoje. Aconteceu alguma coisa que você não tá me contando?
  — O quê? Não! — Franzo a testa e sorrio, tentando mostrar que estou ótima, por dentro e por fora. — Tá tudo bem. Só tô com fome…cadê minha torta de Oreo?
  Me levanto e me jogo na cama com ela, pegando minha cestinha com torta de Oreo. Acho que nem podíamos ter trago as cestinhas com a gente, mas agora o "furto" já está feito, e tenho certeza que os funcionários da lanchonete não vão sentir falta. Dou uma enorme e agradável mordida na minha torta de Oreo, que já não está mais quente agora. Eu sou looouca por essas tortinhas doces.
  — Hum, ok, precisamos marcar a Noite do Peter K desse mês. — Digo com a boca cheia. — E eu já até sei qual filme é. Que rufem os tambores!
  Rindo, Alyssa se senta direito na cama e fica batendo com as mãos na cabeceira da minha cama de solteira.
  — O filme que vamos assistir é…Com Amor, Simon! Uhuuu! — Ainda rindo, Alyssa e eu comemoramos igual a duas loucas batendo palmas e fazendo uma dancinha estranha, como se não tivéssemos assistido a esse filme três vezes no cinema. — E, como a tradição da Noite do Peter K demanda, eu já arranjei o DVD em blu-ray.

  Esse é um dos baratos da Noite do Peter K; fazemos quase tudo à moda "antiga". Usamos DVD, pedimos pizza e se quer tocamos no celular durante a noite toda. É quase um ritual dos anos 2000, mas com um toque de modernidade por usarmos uma tv de 65 polegadas – a TV da casa dela, porque a minha é de 46 polegadas.

  — E já temos uma data! — Alyssa chega mais perto de mim, deitando a cabeça no meu ombro e mostrando o celular. — Podemos emendar com a noite do jogo de futebol da nossa escola, antes da semana de Ação de Graças. É na sexta feira, então você pode dormir lá em casa e ir embora no sábado.
  — Perfeito.

  Tocamos os punhos fechados, e Alyssa marca a data no calendário dela, assim como eu faço no meu.
  — Lia? — Meu pai chama por mim, junto com três batidas na porta antes de entrar. — Ah, oi Alyssa, não sabia que ia ficar pra jantar com a gente.
  — Na verdade eu não ia, mas já que o senhor insiste. — Alyssa abre um sorriso nada sutil e meu pai dá risada.
  — Como quiser... — Ele diz — Só vim ver se você já estava em casa. Bom, divirtam-se fazendo sabe-se-lá-o-quê.
  Ele sorri e acena, já quase saindo do quarto.
  — Espera aí, tio! — Alyssa grita de repente, chamando a atenção do meu pai, que dá alguns passos pra trás. — Meu pai mandou perguntar se o senhor vai poder ir no jantar de Ação de Graças, na casa do lago.
  Eu apenas observo enquanto meu pai franze a testa, fazendo a careta que ele só faz quando está pensando demais. Provavelmente já deve ter sido convidado, mas se esqueceu de tudo.
  — Ah…sim, sim, nós vamos! Ia mandar um e-mail pra ele ainda hoje, mas pode confirmar que vamos.

  Antes de sair do quarto, ele levanta um joinha e sorri, sumindo de vez pelo corredor.
  Meu pai e o Sr. Bushnell são "parceiros" de negócio, já que ele cuida das ações e de toda a grana da família da Alyssa. Foi exatamente assim que fomos ficando mais próximas do que a briga com a Tess nos fez ficar; graças ao trabalho dos nossos pais. Eu sou praticamente um membro da família por essas duas coisas – minha amizade com a Alyssa e o trabalho do papai –, e estamos em *todos* os eventos beneficentes dos Anderson, é claro que o jantar de Ação de Graças não passaria impune esse ano.
  — Uuuh, jantar de Ação de Graças. — Dou risada enquanto falo em tom fantasmagórico.
  — É…meu pai e esses janteres estranhos. Ele faz isso todo ano, em quase todas as datas comemorativas possíveis. Você sabia que ele só fez minha festa de quinze anos por que queria fechar um contrato? — Alyssa revira os olhos — Pelo menos eu tenho um motivo pra encher a cara.
  Dou risada junto com ela, que rouba um pedaço da minha torta de Oreo antes de voltar a deitar na cama comigo.

ALL FOR US - Charlie BushnellOnde histórias criam vida. Descubra agora