Varanda Boa | #03

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Lembranças da infância, onde mora a dessemelhante solidão da saudade.

Vento vai, vento vem. Entendo o momento da ocasião e me conformo com isto - hoje é dia de sentir a brisa do vento. É dia de sentir a brisa do vento da casa de minha avó.

Recolho-me à minha insignificância e apenas deixo a brisa do vento da varanda boa bagunçar meu cabelo. Recolho-me à minha insignificância. Agora pouco importa se o cabelo virá a ficar despenteado ou desleixado. Pouco importa se o pano e o jogo de mesa vierem a cair da velha, boa - e ainda ilustre - mesinha de carvalho escuro da varanda de trás da casa da minha avó. Varanda boa - e ainda ilustre - também.

Era ali onde moravam os meus sonhos de criança. Era ali também onde moravam minhas fantasias e as minhas profissões de criança: mecânico dos meus carrinhos Hot wheels, meia-esquerda do time de futebol dos meus bonecos, comandante da minha tropa de soldados-formiguinha, técnico ilustre do meu time de futebol de botões e motorista do táxi dos meus bonecos Max Steel. - Afinal de contas, como meus bonecos Max Steel iriam se locomover pela varanda boa, se não houvesse ninguém que se colocasse à disposição para dirigir o táxi que eles haveriam de pegar?

Varanda boa, onde viviam os brinquedos, vivos como nunca. Onde vivia a bola de futebol - ou melhor - as bolas de futebol. As bolas murchas, as bolas que foram um dia de encontro com a varanda do vizinho e voltaram intactas e as bolas que foram de desencontro com algum outro vizinho e nunca mais voltaram - não voltaram intactas, ou simplesmente não voltaram mais.

 As bolas murchas, as bolas que foram um dia de encontro com a varanda do vizinho e voltaram intactas e as bolas que foram de desencontro com algum outro vizinho e nunca mais voltaram - não voltaram intactas, ou simplesmente não voltaram mais

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A varanda boa era também onde vivia minha bolinha azul-marinho, com listras ovais alternadas em cores vivas, dentre os tons quentes e os tons frios. Bolinha de futebol com listras ovais, bolinha azul-marinho, sobretudo. - Eu sempre gostei de azul-marinho. Não era bola de copa, nem bola de campeonato. Não era bola de time, nem bola de marca. Recusava quaisquer requintes que houveram tido as outras bolas. Qualquer requinte de design, paleta de cores, ou até mesmo de estética. Com requinte ou sem requinte, não importava. A única coisa que haveria de importar é que quando eu chegasse em casa depois do colégio, que ela estivesse ainda ali, toda azulzinha e sem quaisquer arranhões. Ela era especial, como nenhuma outra. Nenhuma outra bola de futebol fora tão azulzinha quanto a minha bolinha azul-marinho.

Eu nunca levei minha bolinha azul-marinho para a praça ou para a rua, sempre tive o medo de perdê-la. Nunca houvera encontrando bolinha de futebol daquele jeito - tão azulzinha, tão perfeitinha. Eu cuidei tão bem da minha bolinha azul-marinho...Cuidei tão bem da minha bolinha, que só o advento do tempo foi o suficiente para fazer com que eu a perdesse. Mas não perdi, apenas não vejo mais ela na varanda boa. Não perdi ela, apenas não encontro mais ela. Talvez minha bolinha azul-marinho tenha ido se aventurar pelos quintais vizinhos, durante o tempo em que deixei de cuidar dela por todos os dias. Talvez ela tenha ido se aventurar pelas praças da vizinhança, durante o tempo em que deixei de visitar a varanda boa.

Me veio hoje a ideia de procurar a bolinha azul-marinho pelos arredores da varanda boa, mas não irei fazê-lo. Não hoje, ao menos. É dia de sentir a brisa do vento da varanda boa, e como é bom sentir isso tudo de novo!

Não tenho sequer uma memória ruim da varanda boa, e não há motivo para procurar algo que não será encontrado. Isto resultaria na minha primeira memória ruim da varanda boa: a memória de ter procurado minha bolinha azul-marinho pela varanda boa e não tê-la encontrado. Não tenho sequer alguma memória ruim da varanda boa, se tenho, o tempo - ou a minha falta de memória - as passou a limpo.

Junto da bolinha azul-marinho foram os meus outros brinquedos. É triste notar que eles foram embora. Foram embora sem sequer terem dito para onde iriam. Os carrinhos Hot wheels, o time de futebol (o de botões e o de bonecos), os soldados-formiguinha, os meus bonecos Max Steel, todos eles. Meus brinquedos foram todos embora da varanda boa. Todos eles foram embora sem qualquer despedida, nem mesmo disseram em qual momento iriam embora, ou a quem eles iriam. Apenas foram embora, sem qualquer despedida. - Quem houvera dirigido o táxi que levou meus bonecos Max Steel para longe da varanda boa?

Saudades de ser menino, eis aqui meus prantos. - Por que minha bolinha azul-marinho não está mais na varanda boa?

Lembranças para a vida toda, onde mora a dessemelhante beleza da saudade.

Lembranças para a vida toda, onde mora a dessemelhante beleza da saudade

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