Conhecer mais uma pessoa, digamos, um papagaio. Perguntar para ele qualquer coisa, que não seja – entre pessoalidades vãs – sem sentido ou inadequado. Flertar com a moça que caminha à passos largos na estrada desvirtuosa e apática do meu nobre e pobre coração, tentar roubá-la o mesmo sentimento que de mim fora roubado por ela mesmo, porquê afinal de contas, ladrão que rouba ladrão, tem cem anos de perdão! Tentar roubá-la a paixão, o sentimento de vida, a perspicaz ignorância do homem (e da mulher) de achar que vai amar... que isso irá fazer-lhe bem... que não há nada de interessante senão o amor... essas coisas bobas...essas reticências bobas e malditas, complexas...que procuram encontrar alguém desnorteado e desencontrado... que esteja suscetível a acreditar que o homem que vos escreve realmente acredita que essas coisas todas são bobas e malditas...essas reticências...
Ousar perguntar ao papagaio alguma pessoalidade vã, mas apenas ousar perguntar, de modo que não pareça – ao menos de forma explícita – que quero entender realmente o que o traz aqui, o que o faz espiar o flerte com essa moça. Surgir do escuro, talvez, o faça ir embora. Ou como escrito pelo próprio que vos escreve, perguntar a ele alguma pessoalidade inadequada ou sem sentido. Ou o simples ato de calar a simples voz do singelo papagaio, com o meu silêncio momentâneo ou eterno, mas não por agora, ainda tenho perguntas vãs e impessoais a destilar.
Mais um passo e o caminho se estende, vai tocando o gargalo imaturo e jamais antes habitado do sentimento genuíno, da ilusão mais verdadeira e pura, e vadia... vai destilando o sangue quente da semente da paixão numa cachoeira estrelada por momentos juntos e inseparáveis: os bons e os ruins. Vai tocando no meu peito o toque mais doce e suave que já senti, vai fazendo-me acreditar numa nova verdade e num novo mundo, que é vão e apático, mas que é cheio de reticências...
Transparecer o que se sente já de imediato – não para ela, mas para o papagaio. Dizer-lhe que tudo isto é novo; que é diferente; que nunca antes me fizeram sentir desse jeito, que esta é única; que o nosso abraço encaixa como nenhum outro; que ela tem seu jeito próprio, que é também diferente (e do jeito bom); que pode vestir o que quiser, que fica engraçada, porque é bonita, e por isso fica engraçada em qualquer peça de roupa – mas não, não agora. Agora nada disso há de importar. Disse a ele que a moça roubou-me o coração, e o fez cantando as músicas mais terríveis que já escutei, porque com a voz dela, até as músicas mais terríveis ficam boas de se escutar.
Caminhar depois, mais tarde, um pouquinho antes de ir embora. Levá-la embora depois de caminhar, desfazer-me das reticências bobas e dos abraços e beijos, das reticências bobas, complexas...sentir saudades das reticências bobas...
Ficar a sós – não com ela, mas com o papagaio. É chegada a hora de esboçar alguma mínima pessoalidade, de fazer algum singelo suspiro ofegante de quem quer se meter num caminho sem antes mesmo pedir licença. Fazer uma ressalva, de que a pergunta é imprópria e talvez sem sentido muito claro e estabelecido, mas que é genuína e importante. Contextualizar o momento, falar da paixão, dessas reticências todas... se o homem se fragiliza com as reticências, porque o papagaio não iria se fragilizar? Fazer corpo mole, dizer que preciso de ajuda, necessitar da ajuda e buscar entendê-la. Ora, papagaio, talvez se me dissesse o que sente, eu soubesse – no instante do ato – discorrer sobre os meus sentimentos, explicar as reticências, essas coisas todas. Talvez com seu fino conselho, eu consiga me libertar das amarras que é ser preso nessas reticências sem mesmo saber o que é que estou sentindo – explicar, em suma, o que são as reticências e onde posso e devo chegar com elas. Talvez com seu fino conselho ou talvez nem com ele, mas haverei de tentar.
– O que te traz aqui? – pergunto.
– (...)