Setembro, famoso pelos seus escândalos inatingíveis e seus traumas irreparáveis, mas que hoje – por ser sábado ou por sei lá o que – traz uma certa graça, traz a liberdade, que o é rogado também. Faz bastante sol e faz bastante sentido fazer sol, porque sábado de setembro sem sol não é sábado de setembro de verdade, ao menos não é tão agradável quanto os outros sábados de setembro (os que são de verdade).
Ao canto das aves, hoje cedinho, às nove, cantavam as crianças do orfanato sobre o primeiro ensaio da apresentação de fim de ano. Faziam firmeza e controle como se fosse coral de verdade, e assim é, deixo claro. Por mais que o coral do orfanato não tenha a pretensão utópica do perfeccionismo inadequado, jamais qualquer outro coral – de igreja ou de orquestra – foi tão verdadeiro quanto o coral das crianças de lá, embora sejam dirigidos (o de igreja e de orquestra) à essa mera ilusão do perfeccionismo inadequado, que tanto para os orfanatos quanto para mim de nada serve. Nenhum outro coral houve de ser tão verdadeiro quanto o coral das crianças do orfanato, ademais num sábado, ademais num sol de sábado, de manhãzinha, quando o galo já parou de cantar há tempos e quando as aves observam, compelidas e quietas, fazendo silêncio de canto, só para ouvir mais atentamente, mesmo que de longe, a tiazinha mais uma vez dar o sinal, para que as crianças mais uma vez cantem, em conjunto, a verdade que há na vida, e o suspiro contagiante que há na verdade da vida.
Mais tarde fugiremos de Volta Redonda, não se sabe ao certo para aonde ainda, ou para quê, mas fugiremos. Rio de Janeiro, Niterói, Paraty, talvez? Não é de tamanha importância o lugar, mas fugiremos, e fugiremos – como as aves e as crianças – cantando meio ao sol, suspendendo ao acaso o nosso canto, que é desleixado e desgovernado, mas – como o das as crianças – sem pretensão alguma de ser perfeito, pretendemos apenas que seja verdadeiro, e que haja verdade na pretensão de ser verdadeiro.
Caminharemos – cedo ou tarde – na praça histórica de Paraty ou nas ruas de Ipanema. Esqueceremos da cidade, das pessoas, das armadilhas sociais e das corrupções morais do dia a dia. A nossa maior corrupção de hoje à noite, será o comer e o beber exageradamente, quando, esticados na cama do hotel, relembrarmos os contratempos e aflições passadas. Daremos risadas, depois de relembrar. Depois de dar risadas faremos o que nos apetecer. Se for conveniente com o momento, beberemos, comeremos novamente, iremos à piscina – mesmo que de madrugada –, acordaremos todo o hotel, voltaremos à praça histórica de Paraty ou às ruas de Ipanema, e faremos qualquer coisa que nos for conveniente no momento, para que depois, mais tarde, quando estivermos esgotados, cairmos em sono, sonho ou pesadelo às camas do hotel. Estaremos esgotados, imparáveis, imbatíveis, arrependidos, cheios de histórias para relembrar e dar risadas – em silêncio, mas inseparáveis. Assistiremos, amanhã, algum jogo ou outro pela tarde de domingo ou não, no caso de o sono ter ultrapassado as horas aceitáveis do despertar.
Voltaremos depois, à Volta Redonda, nos reencontraremos com os desencontros e as armadilhas sociais que a nós serão partilhadas, mas voltaremos. E para voltar ao Rio, à Niterói ou à Paraty, basta que assim continue sendo a vida, faço os votos – que ao menos aos sábados de setembro as crianças continuem cantando, que haja vida verdadeira, para que possamos – num suspiro contagiante do coral do orfanato – combinar de voltar à Paraty, Niterói ou Rio de Janeiro, que assim seja a vida.
Que essa amizade seja como essa vida que há nos sábados de setembro também: turbulenta, verdadeira, única e contagiante, e que assim continue sendo.