Um deles a mim parece se chamar Carlos Alberto, ou Carlos Henrique – é composto e há Carlos no nome composto, certamente. Já o Outro me soa como misterioso, calmo e imutável, porém preguiçoso. Dito isto, faz-se clara a ausência de nome do Outro, certamente – ao menos para mim. A contar suas características, qualquer outra pessoa poderia se certificar de que – sem dúvidas – trata-se de um leão ou um tigre no corpo de um beija-flor. Outro, além de misterioso, calmo, imutável e preguiçoso, é também observador – com certeza seria o cronista dos beija-flores, isto é: se fosse, de fato, um beija-flor. A única certeza que tenho sobre o Outro, é que – como Carlos Alguma Coisa – é macho, a julgar pelo cardeal vermelho do pescoço de ambos.
Carlos Alguma Coisa e o Outro, tenho evitado a falar do primeiro e do segundo por semanas, na esperança de que estivessem passando apenas por uma fase – por osmose ou sei lá o que – de virem todo santo dia conversar na beira da minha janela. Não conversam comigo, porém, nem entre si – conversam com as flores. Vem sempre às onze e pouquinho – os dois – destoam das abelhas – que por si, vem e apenas tomam o néctar das flores e vão embora – ficam por minutos e minutos jogando conversa fora com as petúnias, camélias e girassóis do meu quintal. Parecem tentar convencer as flores, de que – de forma educada e sinuosa – têm de tomar seu néctar porque assim é, e porque assim a eles foi ensinado. Parecem saber claramente o que as flores querem ouvir, fazem até com que elas se abram para a visita deles. Nunca foi tão fácil tomar néctar das flores como na janela do meu quintal.
Carlos Alguma Coisa não parece ser leão ou tigre, porém. Soa como volátil e incontrolado, o que me faz pensar – de certo modo – que mais se assemelhe à uma joaninha ou alguma certa espécie de libélula, ou até mesmo das incontroláveis e voláteis rãs que habitam nossa fauna – não é, no entanto. Tem de haver perspectivas sobre os contextos das vidas de cada bicho. O beija-flor, por exemplo, ao encontrar um gato – ou até mesmo um rato – transfaz-se em volátil e incontrolado, mesmo tendo soado como um leão ou tigre, como o Outro. Já ao encontro com alguma pequena espécie de algum pequeno inseto, o beija-flor transfaz-se de tigre ou leão, como o Outro parece ser, mesmo que, por fora, seja a mesma coisa que Carlos Alguma Coisa.
Os dois, no entanto, não aparentam ser tigres e leões ou joaninhas e rãs quando na presença das flores do meu quintal.
O Outro é mais desajeitado na presença das flores, mas ainda consegue passear pela dança medieval e circular que dança com as flores antes de recolher seu néctar. Já o Carlos, é mais calmo e quieto quando está junto das flores, soa como se as chamasse para dançar valsa ou bolero, mas – sem dúvidas – a presença das flores traz um certo romantismo, para ambos.
Ontem peguei meu violão e cheguei mais perto dos dois, às onze e pouquinho. Tinha à mente a ideia de que, ao me aproximar – de jeito calmo ou descuidado – iriam embora, de um jeito ou de outro. Fui então rumo à janela, com o descuido que só alguém que carregava o violão em uma mão e o banquinho de madeira noutra poderia ter – meu barulho desleixado foi o suficiente para que ouvissem. Ouviram, certamente – não quiseram nem saber de escutar, no entanto. Minha presença foi completamente ignorada, como alguém que não botava medo o suficiente para parar a valsa e dança medieval, ou como a presença tão rotineira de alguém que não dava graça de parar a dança só por causa dele – das duas, penso ser a segunda hipótese o que realmente têm acontecido, e não estão errados ainda, eu também dançaria com as flores – a presença das flores traz um certo romantismo.