𝙰𝚚𝚞𝚒𝚕𝚘

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Saiu do carro, trombou com uma escada pequena e firme, desafiadora talvez. Resolveu descer e, descendo, mirou os olhos ao supermercado do outro lado da rua, depois mirou à jovem que passeava e adorava passear, porquê é jovem e passeava às 15hrs de uma segunda-feira pelo Jardim Botânico no Rio de Janeiro, e muito se gosta de passear, principalmente quando se pode fazê-lo às 15hrs de uma segunda-feira, principalmente enquanto oferece à própria alma, a calmaria e beleza do reluzir tardio do Rio de Janeiro. Caminhar no Rio de Janeiro - lhes ofereço o destaque - é como nada mas faz bem a tudo – de alguma forma o sol procura tecer amizade entre as palmeiras e, amigando-se com as florestas urbanas, amiga-se muito previamente e harmoniosamente bem com todos aqueles que esbanjam o privilégio de caminhar pelo Rio de Janeiro, principalmente no Jardim Botânico, que há já muito tempo preserva a beleza do Rio De Janeiro, mesmo que não consiga esconder inteiramente o copo meio vazio da cidade maravilhosa.

Pois olhou-a as coxas, depois: os olhos. Depois: a boca. Os olhos da loira de vestido rosado pregado ao corpo e sapatilhas cor-de-vinho não responderam à mira dos olhares do homem, a boca? Muito menos, e, as coxas? Jamais!

Atravessou a calçada, desajeitado, desajeitando, tentando caçar cigarro num bolso que escondia toda a fauna masculina: carteira, isqueiro, celular, fones de ouvido, mas, sobretudo uma certa vergonha, de mirar tão atentamente à jovem, que tão pouco lhe ofereceu os olhos.

Caçou cigarro, achou – dois ou três, amassados quase que inteiramente pela carteira, ou pela vergonha, ou sabe-se lá pelo o quê, não revistei-o o bolso. Fumou, acalmou. A gente que fuma é ingênuo exatamente assim mesmo: o sujeito passa o dia inteiro necessitando do trago, clamando incessantemente pelo gosto de carvão na boca, e, quando dá-lhe o carvão, diz-se muito calmo e que "acalmou a ansiedade", pois bem – fumou, quando, de súbito, ouviu, de canto, um diálogo: um homem desceu do carro, atendeu uma ligação sem jeito, ou com jeito de que não queria. Disse:

- Quê que foi?

- Tá aí já?

- Já, Alice. – Já tô aqui já.

- E comprou aquilo?

- Não, tá sem, cabô', saiu de estoque.

- Qui' acabou, pamonha? Onde já se viu acabar...- Você qui' não sabe procurar, tá vendo? – Eu qui' tenho sempre qui' ir no mercado, eu sempre! – Tudo eu, tudo eu... – Semana passada mesmo: "não, porquê Junior disse qui' iria"... – Interrompida.

- Alice, já disse: não tem no estoque, o rapaz mesmo falou.

Depois, ao passar pelo corredor dos carrinhos, encarou um casalzinho de irmãos à espreita, esperando pelos pais, conversando:

- Jaco, sabe que papai veio complá' aqui mais' nem tem.

- Não tem de que?

- O vidlo' glande', tlanspalente'. – A tia Céria' disse que veio mais cedo e não acha.

- E você não avisou papai?

Pegava o carrinho enquanto as crianças pregavam peças nos pais. Desistiu do carrinho: nem precisava, nem queria, nem teria necessidade... Só precisava comprar aquilo, e não seria necessário nada além de uma mão vazia. Passeou pelos corredores com certo arrependimento, algum ar de desistência, como a quem não quisesse o compromisso de estar ali caçando aquilo, com alguma certa diferença do passeio da jovem loira que vira, ao entardecer do Rio de Janeiro, e não caberia ser diferente: o mundo lá fora do mercado é sempre mais interessante, e, no caso do homem, "lá fora" era o Rio De Janeiro. Percorreu e mirou os olhos às prateleiras de todos os corredores. Primeiro: produtos de limpeza – sabonetes, utilitários. Depois: as bolachas recheadas e produtos não perecíveis. Depois: o açougue. Depois: a padaria, a lanchonete... Por fim, a Rotisserie. Não lhe faltando mais corredores, cruzou os braços, ergueu-me a mão, chamou, disse:

- Ei, pode me dizer onde fica aquilo?

- É que, não trabalho aqui. – respondi. – Aquilo?

- Mil desculpas, menino... – Aquilo mesmo, do café. – Como é mesmo que se chama?

- O coador?

- Não, não, no lugar do açúcar... – Pra adocicar... – Adocicante'.

- Adoçante, isso. – completei.

- Esse mesmo, e sabe onde fica?

- No corredor do café, acho. – Não tomo disso, acho que tem lá.

Mirei-o para o corredor, como se fosse um frentista mirando a vaga para o carro abastecer. Só que neste caso não tinha bomba de gasolina, nem gás, nem álcool – tinha café. Não tinha nem troca de óleo, nem calibrador, nem nada, só restava mesmo o coador. O frentista, nem mesmo frentista era, mas para efeito de reparação, ainda havia outro corredor. Alguns, vários! Mas aquele, estava exuberantemente lotado por pessoas caoticamente frustradas e em busca de comprar aquilo. As pessoas, que eram também várias, debatiam o CEP e logradouro do adoçante, e eu nem mesmo os julgo - por quê é que nunca sabemos onde está aquilo? Nossa casa sabemos onde fica e mesmo assim tem CEP e tudo, um montão de números, papéis, tem de ter estas coisas... Por quê não um CEP para os adoçantes? Senão CEP, uma prateleira mesmo: alta, espessa, brilhante, chamativa! Onde se vê de longe e se enxerga enormemente, que nem mesmo precisamos perguntar.

O marido, os pais e o homem acabaram de sair do supermercado de mãos vazias, braços descansados e cabeça cheia. Eles todos ficarão muito bem ainda assim – nada que um cafezinho com açúcar não resolva!

Aquilo sempre deu dor de cabeça. O açúcar, jamais!

𝙸𝚗𝚝𝚒𝚖𝚒𝚍𝚊𝚍𝚎Onde histórias criam vida. Descubra agora