Na calada da noite, de mansinho, vem vindo – mais tardar – o novo cheiro, o novo toque, a nova vida... vem de mansinho, e, sem muito o que fazer abraça a vida, abraça a noite velha ao abraçar a vida. Este vento e este evento todo leve e doce, tão novo e revigorante, esta vida nova abraçando a noite velha, este suor de esperança escorrendo como lágrimas de choro daquele que clama por novos tempos... esta data toda, este "nós do futuro", estes espumantes brilhosos, estes foguetórios barulhentos (também brilhosos), este vento e este evento todo leve e o bastante, suficiente... esses vestidos brancos dos tempos novos, essas canções felizes, que devemos cantar – também de branco – ao fim do velho e ao início do novo... cantar de mãos dadas ou abraçado – comemorar, em suma, o aniversário do novo.
À medida que a nova vida se aproxima, mesmo que abraçando a noite velha, manda-a embora. A diz que não é suficiente ser tão somente ela: velha e antiquada demais para os novos tempos – ressuscita a bastarda petulância de achar que iremos renovar e melhorar, de que as coisas novas – somente por serem novas – virão a apagar o velho ruim, ou transbordar o novo de tão bom. Esta data comercial barata que nos faz consumir além do necessário porquê – segundo nós mesmos – tão somente ela é capaz de mudar as coisas. Este argumento barato e raso, suplicado à canções felizes de tempos novos e vestidos brancos (também de tempos novos) é o que faz com que nos reunamos com aqueles que realmente importam durante o ano novo – ou durante a noite velha e após o suspiro das 00 horas com a madrugada nova, para com eles – e como eles – suspender mais uma vez nossa pretensão barata ao aniversário do novo.
Este pensamento tão pretencioso, tão fugaz, tão inocente... esta incessante sensação (que cessa dias depois) de achar que o novo virá a ser bom, que as inconveniências virão a ser convenientes, que os problemas virão a ser resolvidos, que a vida, em suma, virá a ser resolvida tão somente pelo novo. Esta corrida à pés descalços, esta pescaria no deserto, esta fogueira sem lenha, este poema sem estrofes, isto tudo é o que nos faz passar o feriado inteiro destilando preparos, para mais uma vez – ao fim da noite –, comemorar o aniversário do novo.
E é com esta ilusão precoce e com esta pretensão barata que lhes pergunto: o que seria do leitor, caro leitor – e do autor, não obstante – se não fosse a vida nova? Do que viveríamos se não houvesse a permissão barata de – ao menos no ano novo – acreditar no novo? Quem seríamos nós se não nos fosse permitido – por nós mesmos – acreditar no futuro? É com esta esperança tão inocente e com esta vida nova me abraçando que me permito o recomeço, caro leitor - e desejo-lhes já de antemão, para que a prolixidade daquele que vos escreve não o deixe esquecer: feliz ano novo! Feliz aniversário do novo!
Garanto-lhes que amanhã tudo volta ao velho, entretanto. Rechaço, porém, que amanhã não é hoje, caro leitor, e, me permitindo acampar nas montanhas do recomeço e da vida nova o faço – sem pestanejar nem nada. O faço sem medo algum da ilusão que este vento e este evento todo leve e doce do novo venha a descambar, sem qualquer medida preventiva aos danos dos vestidos brancos e espumantes brilhosos – vocês já perceberam o quão brilhosos eles são? O faço sem pretensão qualquer que não for a real pretensão de viver o hoje, e hoje, para a sorte do leitor – e do autor – é dia do aniversário do novo!
Meus caros, desejo-lhes um feliz aniversário do novo, e – para a nossa precaução barata – fiquem tranquilos, porquê se este novo não for novo o suficiente, Deus é maravilhoso, e – como fez muitos dias de chuva – fará ainda de nós, bastante capazes de, daqui um ano, comemorar novamente o aniversário do novo.
Leitores, novamente: feliz aniversário do novo!