𝚅𝚎𝚛𝚜𝚘𝚜 𝚍𝚎 𝙴𝚝𝚝𝚊 | #27

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No quartinho dos fundos, bem lá no final da casa, mora uma alegria tão pequena e tão inocente, que nem faz suspiros ou desacordos, reclamações ou desesperos – doentios ou não – do sucinto e apertado tamanho do quartinho em que vive. Apenas vive e reside ali, sem quaisquer ressalvas ou descontinuações – apenas vive. Ali ela se porta, e, por achar suficiente o tamanhinho pequenininho do quartinho, não reporta qualquer desacordo com tamanha pequenez do singelo e se comporta por entre as comportas deste. Se basta no pequeno tamanho de qualquer uma das quatro paredes em chapisco cinza, se aconchega enormemente no ventiladorzinho de época, mesmo que este – como muitas coisas do quartinho, e como muitas coisas da vida – não funcione. As coisas, digo, no absoluto caos das pessoas, não costumam funcionar. E as pessoas – mesmo aquelas exiladas de culpa – não costumam funcionar no absoluto caos das coisas também. Seria o tamanho da alegria das pessoas, menor e mais quieto que a alegria do quartinho?

Essa alegria toda, também bastante pequena – e talvez por isso resignada – poderia agora, 00h e pouquinho, cantar qualquer outra música, ou se aprofundar no oceano de incertezas de qualquer outro disco, de quaisquer outras melodias e harmonias, quaisquer outros acordes, versos...mas não.

Não escuto muito bem por aqui, mas ouço de fundo, quase que sussurrando – embora nem um pouco compelido – ouço alguns versos de Etta James, I'd Rather Go Blind.

"When I saw you and her talking"

"Something deep down in my soul said: Cry, girl (cry, cry)"

Me soa como se aqui estivesse, por dentre as paredes da sala em que escrevo e as paredes do quartinho, a singular robustez sonora e melancólica de Etta. E aqui de fato está, não em carne mas em versos. E de onde enxergo e ouço, os versos da ocasião também dizem – como o ventilador do quartinho – que as pessoas, tão somente, não funcionam de fato. As relações pouco necessárias, as ideias pouco profundas, os caminhos pouco descobertos, as conversas pouco exploradas... Nós todos, em suma, funcionamos muito pouco.

 Nós todos, em suma, funcionamos muito pouco

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Encontro-me aqui, sentado neste sofá enorme. Enorme, quadrado, encardido, confortável... Este sofá, penso, é do tamanho do meu mundo e meu mundo, singelo que é, cabe confortavelmente neste sofá. Encardido, confortável... Ora, há na geladeira alguma bebida aberta e, fora dela, algumas outras, fechadas ou não, vazias ou não, gostosas ou não. Quereria eu, em outro momento (ou em outro sofá) beber ou não a bebida da geladeira e, depois de fazê-lo ou não, abrir ou não a bebida de fora. Quereria, em algum outro momento de desencontro ou não, acender numa das cinco bocas do fogão, um cigarro ou outro – acender ou não. Beber ou não. Lamentar-me ou não. Afogar-me e explorar em caos, as profundezas das nossas incertezas, buscando alimentar meu singelo ego com ao menos algumas respostas confortáveis. Procurar respostas ou não, em suma. Quereria, em qualquer outro momento, descobrir o mundo ou não, flutuar a vida ou não. Desmembrar-me em conhecimento ou não.

Mas agora, neste sofá enorme, tudo o que consigo fazer é escrever e ouvir Etta. Pensar e transfazer os pensamentos em algum parágrafo bom e qualquer outro parágrafo ruim. Consigo observar meu mundo. Ele é bem como este sofá: quadrado, confortável, encardido... Os mundos, em suma, são bastante encardidos. Existe um mundo inteiro neste sofá... existe algumas páginas brancas, alguns lápis tamanho 6B, muito farelo de borracha verde... Existe um copo cheio de água que – em alguns poucos minutos – será apenas mais um copo vazio, que continuará, entretanto – como as páginas brancas e os lápis 6B – no meu mundo inteiro que é este sofá. Aqui, penso ser o lugar encardido mais confortável que já escrevi.

"I would rather, I would rather go blind, boy"

"Than to see you walk away from me, child, oh, ooh"

I'd Rather Go Blind se repete incansavelmente, e seria péssimo se ouvir Etta James não fosse tão confortável quanto este sofá.

Talvez a alegria do quartinho esteja resignada porque seu mundo possa caber e se encaixar enormemente bem por dentre os versos de Etta. Talvez assim seja e, por assim ser, seja extremamente lindo e louvável continuar cantando o que somente Etta e mais alguém soube sobre seus versos. Talvez seja sobre isso a vida, encontrarmo-nos por dentre os versos de algum disco. Aconchegarmo-nos na vida encardida e confortável que há nos sofás ou simplesmente parar de caçar respostas para as nossas pretensões, importunações e incertezas sobre o que é de fato a vida.

Entre outras declarações, dentre as certezas que abrigo, a de que somente Antônio Abujamra sabe de fato o que é a vida se estende por dentre as prateleiras daquilo que acredito. Não mais havendo Abujamra para me desmentir, constato de antemão e com alguma pouca certeza que – não sabendo o que é a vida – o nosso dever, enquanto vivedores da vida, é este: buscar nossos versos por dentre os lugares encardidos da vida. Achar, em suma, conforto apesar do encardido, jamais o contrário.

Se este não é o nosso dever enquanto vivedores, este poderia ser.

Se este não é o nosso dever enquanto vivedores, este poderia ser

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