Acordou cedinho, antes que o sol viesse e tocasse teus olhos apedrejados. Do cantinho da janela, observa a lua ir embora, como a quem quisesse ir junto dela, e somente se bastar nesse adeus. Flutuar o mundo, buscar o mundo, caçar o mundo, abraçar o mundo... Encontrar – mesmo que sem pretensão – as janelas das pessoas, a verdade que há nas janelas das pessoas. A lua – concatena – tem muita sorte, porque – na falta do sol – resta-se quase que exclusivamente a verdade do mundo das pessoas, as janelas das almas... O mundo frio, desolado, empelotado, compelido, feroz, solitário, ardente e inescrupuloso, mas verdadeiro. A verdade do mundo, a frouxidão dos solitários, a flexibilidade do amor e a ausência da verdade quando há flexibilização no amor. Por que teria de ser flexível se é amor? Se os olhos dela são tua janela da alma, porque não pode mais observá-los? Pensa. Cansado, com sono – dormiu pouco – pensa. Pensa que se ainda lhe restasse o amor, mesmo que estivesse cansado e com os olhos apedrejados, pela manhã de hoje, estaria completo. Mas será mesmo que este amor não lhe apedrejaria o peito?
O adeus da lua ficou – como o adeus do amor eterno que se foi – na saudade, e agora só lhe resta bastar-se no abrigo de memórias.
Sentado ao chão observa a janela. Pega o celular uma, duas, três vezes...pensa se manda ou não a mensagem para a moça. Depois: o que escrever na mensagem? Depois: será respondido ou não? Com os braços cruzados, pega um dos travesseiros e ergue-o ao chão – não tem lua, não tem amor, mas resta-lhe um travesseiro. Na falta dos ombros da moça – pensa – ao menos lhe resta o travesseiro que ela dormia, com o perfume daqueles braços compridos e aconchegantes. Ninguém nem nunca abraçou com tanto carinho – pensa.
Torna à digitar a mensagem. As medidas das palavras são muitas, cada uma com um certo tamanho. Cada uma com um desprazer, uma meia verdade e um pedido enorme. Primeiro: a saudade. Depois: a distância. Depois: o perdão. Inconsciente, imaturo, inocente, mas acima de tudo, um homem com saudade. Leu e releu, e releu mais uma vez.
– As desculpas vou apagar. – diz, sussurrando, como a quem conversa com as paredes.
Presumiu que – afim de não ser meloso além da conta – deveria apagar também a saudade e a distância.
Restou-lhe uma:
– Boa noite, tudo bem? – enviou.
Um dia ou outro vai passar, ela vai visualizar a mensagem mas não vai responder. Ele não vai verificar. Os dias passarão. O tempo irá tratar de apagar o perfume dos travesseiros. A mensagem ficará – como os braços compridos e aconchegantes – no abrigo de memórias. A saudade virá com a lua, mas irá embora com o sol.
O vazio no peito será preenchido... quando, de súbito – quando menos lhe apetecer – aparecer algum outro perfume para lhe preencher o amor. Alguém que não a lua olhará para a janela. Alguém irá se interessar pela janela. Alguém consertará a janela.
Um novo amor vai se estabelecer. Os braços aconchegantes serão outros. Um novo perfume será o motivo da saudade pelas manhãs.
Um novo amor vai se estabelecer.
Essa crônica ficará – como o outro amor, o perfume, os braços e a lua – no abrigo de memórias.