𝚂𝚎𝚖 𝚀𝚞𝚎𝚛𝚎𝚛 𝚀𝚞𝚎𝚛𝚎𝚗𝚍𝚘

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15:26h (esperando o atendimento no banco).

Existem algumas perguntas que não merecem ou não possuem respostas quando estamos no banco. A primeira delas: por que diabos existe um quadro verde musgo pendurado na parede de drywall desse banco? E por que só um? Por que não um conjunto inteiro de mal gosto? A breguice seria maior, e combinaria enormemente com as camisas sociais cinzas ou azul-bebês, que nos remetem à outra pergunta: por que cinza ou azul-bebê?

Algumas outras perguntas nunca nem fizeram sentido. Eu sempre que vou ao banco, à exemplo, nunca consigo resolver minhas pendências com a atendende de cabelos curtos e escuros do guichê de número 03 do andar térreo, seja a pendência que for – nunca é palpável às responsabilidades dela ou nunca é exatamente do interesse dela. Sempre é necessário que venha algum outro, de algum desses cantos de drywall cinza, que são frios como o ar condicionado no mínimo. E o sujeito – também frio –, de certo que têm de vir na maior preguiça do mundo, morando na odisseia fadiguenta de quem têm de se atrever à fazer até mesmo aquilo que não é de sua função e – não obstante – , têm de trabalhar por dois até: pelo seu guichê e pelo guichê número 03. É de certo que o incômodo do sujeito atravessa minha inquietação, mas não faço nada a respeito. Nem há de fazer. Sou adulto, ora, tenho de resolver pendências! E o guichê 03 não resolve minhas pendências.

– Senha número um-dois-dois, por gentileza.

Há, na fila para o banheiro, uma mocinha pequenina, de nariz arrebitado e cachinhos escuros. Uma mocinha, já agora, que vem ao banco à resolver pendências, desfilar com seu par de tênis pisca-pisca por dentre nossos compromissos baratos pautados sobre nossos pedaços de papel secos com grampos (também secos), onde residem nossos ca-das-tros de pes-so-as, que dizem se podemos ou não fazer tal coisa, ou resolver coisa qualquer. Mocinha, já agora, que veio ao banco e deixou de ser criança, seja bem-vinda, minha jovem, este é o nosso mundo! Devemos, agora, abandonar os brinquedos e aguardar o moço da camisa cinza chamar, ou a moça da camisa azul-bebê, para o caso de a senha da senhorita cair no guichê 03.

Só nos resta aguardar, aliás. Minha senha, à exemplo, é a CTC133.

– Senha cinco-dois-três preferencial, por favor

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– Senha cinco-dois-três preferencial, por favor.

Na fileira de cadeiras à frente acabou de sentar-se – agora há pouco – um rapaz, em compromisso quase que mínimo com a pressa. Loiro, alto e despreocupado com o tempo, à julgar pela sua calma, ou pelo seu jogo de celular. Das perguntas, outra: quem joga xadrez no banco?

A moça da quinta fileira olhou sem querer querendo, de canto, reluzindo seu olhar escuro e corajoso às pretensões do rapaz que – há pouco tempo – eram tão pequenas quanto as pretensões dela

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A moça da quinta fileira olhou sem querer querendo, de canto, reluzindo seu olhar escuro e corajoso às pretensões do rapaz que – há pouco tempo – eram tão pequenas quanto as pretensões dela. Sem querer querendo ele percebeu e largou o celular, que se abraça – agora – com o esquecimento, no bolso pequenino de sua camisa, também azul-bebê. Das perguntas, outra: por que bolso na frente da camisa? Por que bolsos nas camisas? Sem querer querendo a moça percebeu e olhou de canto, com alguma certa pretensão. Ele, sem querer querendo sorriu de canto, e balançou a cabeça desajeitado, desleixado, despreocupado, apaixonado... Ela, sem querer querendo fuçou a bolsa e encontrou um batom cor-de-violeta, pegou e passou em seus beiços finos, que pareciam – sem querer querendo – olhar e chamar, com certo anseio e sentimento, a boca do rapaz. O rapaz viu, levantou-se, foi ao banheiro e sem querer querendo teve de passar pela quinta fileira. A cadeira ao lado da moça estava vazia, ficava mais perto do seu guichê, ficava mais perto daqueles olhos escuros...

Sem querer querendo tornaram à conversar, e – dentre inquietações sobre o tempo de espera do atendimento – surgiram algumas outras perguntas, que possuem respostas bem mais complexas que essas perguntas que nós fazemos quando estamos no banco.

Estão saindo, agora, os dois juntos, sem esperar sequer o atendimento se iniciar, sem inventar desculpas ou compromissos para o amor, sem querer querendo...

Ah! O amor!

Dentre outras perguntas que não merecem ou não possuem respostas, a última: Por que não esperaram o atendimento?

Foi sem querer querendo, não tento entender. Não procuro entendimento, nem devo.

É amor.

É sobre sentir, jamais sobre entender.

É sobre sentir, jamais sobre entender

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𝙸𝚗𝚝𝚒𝚖𝚒𝚍𝚊𝚍𝚎Onde histórias criam vida. Descubra agora