𝙰 𝙼𝚘𝚍𝚎𝚕𝚘 𝙴 𝙰 𝙿𝚊𝚙𝚊𝚛𝚊𝚣𝚣𝚒

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Tudo depende da quantidade do tempo que você oferece à viagem de ônibus.

Duas jovens passaram por mim, enfileiradas, uma após a outra assim que, descobrindo que o trajeto era à Niterói(como planejavam), descobriu-se de supetão, que a outra era fotógrafa – da pior maneira possível para as duas e, por inevitável consequência, da melhor maneira para vocês, leitores do pobre redator que vos confessa, e que adora confessar estas poucas cronicidades do dia-a-dia, que, mesmo que poucas, permanecem como o trajeto Volta Redonda-Niterói – enorme e interessante. Descobriu-se, no instante, a fotografia: procuravam o número do assento, quando, de canto, ouviu-se um "tick" de câmera fotográfica e um flash tímido, que evidenciava em porções de segundo – ou em porções de pixels – o contexto que ali se exauria – a timidez do flash poderia ser verificada pelo tamanho da timidez da nossa querida fotógrafa, que assim que recolheu a foto, recolheu também a vergonha e guardou bem lá no fundo do bolso – era para ser escondido, era para ser sem flash. Mal sabia o próprio que vos escreve, que a fotógrafa não era fotógrafa, e sim papparazi, e a outra, "amiga", só acompanhava a papparazi por coleguismo: iriam rumo à uma viagem de casais, dessas que se faz no fim de semana e que se vai para bem longe, para "espairecer". Nossa ingenuidade e inocência são assim mesmo, procuramos "espairecer", acreditando – com alguma certa esperança – que as pessoas são boas nos outros lugares, que vão dar o braço a torcer. Bom, se são boas em outro lugar, com certeza não seria este lugar a cidade de Niterói. E o braço torceu mesmo: torceu de vergonha, de sem graça, de sem jeito. A modelo virou para trás, percebendo a pretensão de sua paparazzi – sorriu sem graça, sem jeito e sem palavras, mas, sobretudo, sem entender os segredos que se escondiam ante a câmera fotográfica e a colega, achou estranho – nem nunca havia tido ou percebido paparazzis por perto, perguntou:

- Tá tirando foto?

- Tirei aqui, vira meninah. – Vou tirar outra.

Virou, tirou, salvou. Depois: assentaram-se ao banco, enfileiradas também, de modo que, ao olhar de canto o reflexo da janela da frente, a modelo conseguia facilmente dar conta de todos os movimentos da papparazi ante o celular dela. Que coisa, não? Inverteram-se os papéis, a papparzi estava, no instante, sendo observada pela modelo! Mesmo que inocentemente, ora! Estava escuro, estava com sono – o brilho do celular despertou-a do descanso, despertou a curiosidade também, mas, sobretudo, interrompeu o descanso. E, convenhamos, existem vários e diferentes tipos de descanso, e este(o descanso de viagem), entretanto, não é descanso que se despreze, pois bem – não houve como descansar. O brilho do celular da paparazzi estava no máximo, mesmo que a bateria social da modelo estivesse no mínimo. Enxergou-a, pensou: "não, não devo olhar", sossegou, tentou dormir, quando, de súbito, reparou o furo jornalisticamente inadequado: a paparazzi analisando a foto, olhou-a por detalhes: deu zoom, ampliou a foto, as duas – a primeira e a segunda. Depois: enviou a foto para alguém. Depois: trocaram figurinhas de WhatsApp enquanto teciam conversa sobre esta foto, este furo jornalisticamente inadequado, de jornalista esquisito.

Os pensamentos da modelo eram vários, primeiro: quando descer vou esfregar a cara dessa rapariga no asfalto. Depois: devo contar pro Victor. Depois: eu vou fazer um es-cân-da-lo. Depois: Victor não vai querer saber. Depois: disso cui-do EU! Depois: gente, deve ser por isso mesmo que ela implica comigo – ela está com ciúmes do marido. Depois: essa mulher deve estar apaixonada em mim, não é pos-sí-vel. Depois: que gente doida, gente maluca, que que eu vim fazer em Niterói, Deus! Depois: vai ver ela só achou bonita a foto. Depois: não devo dar trela pra maluca, vou ficar é quieta. Depois: não vou estragar minha viagem. Depois: quando chegar em Volta Redonda resolvemos. Depois: melhor não, ela nem vai durar tanto com o Carlos mesmo, mulher maluca.

Chegaram em Niterói, devem estar, agora, aproveitando a viagem. Nossos perdões dependem de tempo, e tudo depende da quantidade do tempo que você oferece à viagem de ônibus.

𝙸𝚗𝚝𝚒𝚖𝚒𝚍𝚊𝚍𝚎Onde histórias criam vida. Descubra agora