Alegria da Caixa de Bombons | #13

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Hoje, ao contrário de ontem, tive de passar por outro caminho quando voltava para a casa, e o motivo (sustentado pela minha vontade) pelo qual tive de fazê-lo foi apenas um: comprar duas caixas de bombons.

Assim o fiz, passei pela loja de chocolates e trouxe – em uma sacola plástica – duas caixas de alegria, daquelas amarelas, da marca famosa, que dentre outras frases timbradas, como onze bombons na caixa; a mais vendida do Brasil e nova embalagem comemorativa, há também nela, a que mais gosto de ler: a mais amada por todos. Bom, se é a mais amada por todos, não sei. É amada por mim, talvez não a mais amada dentre todas as outras como em outrora, mas com certeza ninguém nunca amou tanto a caixa amarela de alegria como eu, quando criança.

E então segui rumo à casa. Caminhando devagar, como de costume. Quando vejo que o semáforo dos carros está vermelho, tomo à mão meu celular. Finjo que alguém ligou, ou que estou ouvindo algum áudio e paro no meio do caminho. Espero o semáforo dos carros abrir e pronto: posso voltar a caminhar – devagar – até a travessia. Faço isso há pouco tempo, mas não quer dizer que não deveria fazer antes – ajuda a controlar a ansiedade.

"Ajuda a controlar a ansiedade" – talvez não seja pela ansiedade e sim porque gosto de observar a rua, especialmente de noite – gosto de observar o caminho, as luzes, as pessoas se encontrando e se desencontrando. Sem dúvidas, fazer tudo isto é mais fácil quando caminho devagar, ou então quando estou parado, e, sem dúvidas é bem mais fácil e conveniente dizer que esperar o sinal verde dos carros é para controlar a ansiedade, do que ter de explicar – entre ressoantes julgamentos de canto de olho, frases desajeitadas e pensamentos desadequados sobre a minha pessoa – que o faço simplesmente porque gosto de fazer.

Chego, agora, na rua da praça São Paulo, ou João Paulo – não sei ao certo o nome. Sei que venho aqui desde menino, e continuo vindo. Continuo vindo porque, diferentemente dos outros cantos e lugares que amei quando criança, as memórias e a vida da praça São Paulo – ou João Paulo – ainda não se perderam com o tempo, ou então – caso tenham se perdido – o tempo tratou de traze-las de volta, ao menos no sentimento. Se há distância entre a nostalgia de uma vida farta de alegrias que vivi quando pequeno e o presente, certamente essa distância fica menor quando estou na Praça São Paulo (João Paulo).

Guardo na mochila as duas caixas de bombons, para não fazer vontade às crianças. É férias, e por mais que já esteja de noite, ainda há crianças na praça, e em maior quantidade do que de costume.

Sento no banco de madeira que sempre sento, desde criança. Tenho à minha frente, quatro pessoas: um cão, um menino e um casal. O cão vai até o menino e leva a bolinha que ele acabou de jogar. O menino joga a bolinha de novo para o cão, passa pelo casal e diz alguma palavra feia descabida para a sua idade. A mãe o adverte com outra palavra feia, e, desleixada, fica sem jeito com o silêncio que se instaura no local – os três dão risadas juntos depois do silêncio. O menino corre atrás do cão, que se perdeu da bolinha – dessa vez a bolinha foi longe além da conta. O pai levanta do banco e se desgruda da mãe – vai pegar a bola de futebol no carro. A mãe vai ajudar o menino a procurar a bolinha.

 A mãe vai ajudar o menino a procurar a bolinha

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O pai volta com a bola de futebol. O menino encontrou a bolinha do cão e foi advertido, pela mãe, com alguma outra palavra feia. Os rapazes que jogavam bola na quadra de tênis foram embora, agora o pai pode jogar – como pretendia – com o filho, somente os dois. O pai na quadra, como fora dela, é o herói do garoto – joga futebol muito bem, embora os cortes e fintas não estejam tão rápidos como em outrora, mas não importa, não para o moleque.

Amanhã, o casal vai trazer o menino e o cão à praça como em todos os dias desde que começaram as férias do colégio. Vão deixar – como hoje – os problemas com as pessoas e com o trabalho de lado, para amanhã, de modo que só o futebol entre pai e filho e a bolinha com o cão sejam as coisas que realmente importam. O pai vai dizer que está cansado, com as pernas doendo e que não consegue dirigir o carro. A mãe vai dizer que dirige até a casa para ele. O menino vai proferir alguma outra palavra feia e vai ser advertido (dessa vez pelo pai) com outra. Vai ficar calado até chegar em casa, e quando chegar em casa vai jogar a bolinha para o cachorro mais uma vez, até chegar o dia de amanhã. O dia de amanhã para essa família, como dito, será como hoje, e como depois de amanhã. Os problemas se reduzirão à constância do futuro distante e à despreocupação com as consequências (tanto do acaso quanto do cotidiano) do que pode vir ou não a acontecer.

Ao entrar no carro, o menino diz ao pai:

– Te amo paizão.

O herói de hoje e de amanhã sorri para o menino e diz que o ama também. Fecha a porta traseira do carro, e, ao entrar no banco do carona, me desvia um olhar. Me encara por coisa de segundos. Sorri o mesmo sorriso que sorriu para o filho, como alguém que vai sorrir amanhã o mesmo sorriso de herói que sorriu hoje.

Quereria eu, que o tamanho da alegria das minhas duas caixas de bombons fosse esse, como o tamanho da alegria que há no sorriso desse pai.

Quereria eu, que o tamanho da alegria das minhas duas caixas de bombons fosse esse, como o tamanho da alegria que há no sorriso desse pai

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