CAPÍTULO 22

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O carro parou na frente da casa de Ann Sophie e ela sorriu ao ver sua mãe e sua madrinha abraçadas a esperando. Ela soltou um suspiro de alívio, afinal estava em casa, estava entre os que a amavam e iam cuidar dela.
"Silas..." Tim disse e segurou no cinto do carro, ele estava com medo de sair do carro.
"O que foi que eu te disse? Eu não vou sair de perto de você. Nunca." Silas sussurrou enquanto desafivelava o cinto de Tim e abria a porta. A madrinha de Ann Sophie fez um barulho, a mãe de Ann teve de sustentá-la.
Ann Sophie saiu do carro, Silas e Tim correram até ela e Tim se agarrou a sua saia.
"Minha gatinha!" A mãe de Ann Sophie a abraçou apertado e Ann quis chorar, mas aguentou firme por Tim e também por Silas.
O pai de Ann Sophie abraçou as duas e ela acabou soltando algumas lágrimas de saudade.
"Minha heroína! Eu sabia que você você voltaria ilesa! Eu sabia! Nada pode derrubar Ann Sophie Crane." Ele disse beijando o topo da cabeça de Ann.
Vários carros chegaram, Tim abraçou Ann Sophie se enfiando entre ela e seu pai.
"E quem é você?" O pai de Ann se abaixou, Tim escondeu o rosto nas coxas de Ann.
"Ele é tímido, senhor. Seu nome é Timóteo. Eu sou Silas. Somos irmãos." Silas disse se esticando.
O padrinho de Ann saiu de um dos carros e parou ante ela, Ann sorriu.
"Como pensamos. Forte e saudável." Ele sorriu e abraçou Ann.
"E quem é esse?" Brass fez como o pai dela e se abaixou, Tim apertou seu rosto contra as coxas dela, ele tremia.
"Ele é meu filhote. Os dois são." Ann disse puxando Silas para perto. Silas lhe abraçou pela cintura e baixou o rosto.
"Seus filhotes. E por que parecem ser meus netos?" Brass disse se esticando.
Silas se soltou de Ann e o encarou. A madrinha de Ann ainda se abraçava a Kit, ela parecia tão chocada quanto feliz.
"Não nos parecemos com o senhor." Ele disse.
"Mas se parecem comigo." Sophia disse depois de beijar o rosto de Kit e dar alguns passos na direção de Silas.
Silas a encarou com a cabeça erguida e assentiu.
"Sim, eu vejo. E sinto. Pode sentir o meu cheiro?" Ele perguntou, Sophia apertou os lábios.
"Sim. Você cheira a amendoim. Eu adoro amendoim." Ela sorriu.
"E eu?" Tim soltou Ann e se virou para Sophia.
"Amoras. Bem maduras, gordinhas e pretinhas." Ela disse, Tim correu para ela, Sophia o pegou nos braços e o apertou.
Toda a família do padrinho de Ann tinha chegado, Sweet carregava Hold nas costas e Mild segurava a mão de Tenure, Charity tinha um olhar examinador e severo, Bronzy e Sarah tinham lágrimas nos olhos. Shanti segurava Prim nos braços com um sorriso afetuoso no rosto, Matt tinha os olhos fixos em Silas e Tim.
Silas olhou em volta e se aproximou de Noble.
"Seu irmão. Ele nos salvou. Obrigado. Ele sumiu antes que eu pudesse agradecer." Ele disse, Noble rosnou que daria uma surra no peste do Simple, Silas sorriu.
"É, irmãos mais novos!" Ele disse e balançou a cabeça.
"Você nem imagina. Eu tive os piores de todos." John disse e Ann baixou a cabeça com a expressão de tristeza que se estampou no rosto de todos. Brave tinha ficado para trás. Foi a pior coisa depois de gritar por Paul durante quase dois dias.
"Vamos entrar. Minha filhote precisa descansar. Ela e a minha netinha. Minha nossa! Falar isso é tão bom!" A mãe de Ann disse, a madrinha dela sorriu.
"Nossa netinha! Nossa, Kit!" Ela disse, as duas se abraçaram.
Ann passou pela porta e se deixou cuidar. O dia passou entre beijos e risadas, ela foi atualizada sobre tudo o que estava acontecendo na Reserva, sobre as brigas dos filhotinhos, sobre as brigas de seus tios Vengeance e Valiant, o dia foi até divertido, levando-se em conta seu coração preocupado.
Na hora de dormir, Tim se deitou com ela na cama, Silas jogou um edredom no chão e se enrolou.
"Anna, tá dormindo?" Silas perguntou.
"Não. Você aí no chão está me incomodando."
"Eu sou quase um homem, Anna, dormir com você é desconfortável. Sabe como os homens acordam de manhã, não sabe?"
Ela sabia. É claro que sim. A apenas alguns dias atrás ela tinha acordado na cama com um macho lindo ao seu lado, que ostentava uma deliciosa ereção.
"A gente deixa Tim no meio." Ela disse, Silas subiu na cama. Tim chutou ele os dois riram.
"Você vai ver o tempo vai passar rápido, Anna. Logo papai estará com a gente. E até lá eu dou as ordens, não se esqueça disso." Silas disse. Ele estava com os cabelos soltos, Ann suspirou ante sua beleza idêntica a de Paul. Seus cachos eram macios e negros, Ann não resistiu e ajeitou um cacho atrás da orelha dele.
"Eu sou sua mãe ou não? Por que filhotes não dão ordens às suas mães."
"Essa é uma situação especial e será por pouco tempo. Até que minha irmã nasça ou meu pai volte. Até lá eu tomo as decisões, Anna."
Ann sorriu, aquele filhote era muito autoritário!
"Ok. Eu prometo que vou ouvir sua opinião sobre as coisas, é o melhor que posso fazer. Por exemplo, tudo bem irmos para a Reserva amanhã? Se você quiser ficar um pouco aqui, por mim tudo bem, não é como se ninguém fosse aparecer aqui se eu não for lá."
Silas inspirou audívelmente e Ann se sentou.
"Sobre isso..." Ele se levantou e foi até a janela, Silas era um tanto quanto racional demais, sisudo demais.
"Acho que não devemos ir. Nunca. Se tivermos mesmo que seja então quando meu pai voltar. E eu queria muito que você não fosse teimosa quanto a isso, Anna." Ele disse, seus olhos estavam duros, Anna ajeitou a cabeleira de Tim no travesseiro tentando ganhar tempo para pensar no que dizer.
"Lá é mais seguro que aqui." Ela disse.
"Segurança é algo relativo, Anna. Acha mesmo que não poderíamos ter matado os humanos de longe? Mas o que viria depois disso? São essas perguntas que devemos nos fazer antes de tomarmos decisões."
"Se formos para a Reserva, seu pai irá para lá quando for solto e poderemos ter uma casa lá, esse é o depois." Ann sorriu tentando mostrar que as palavras e o jeito com que Silas falou sobre terem estado presos durante toda a sua vida e não terem tentado se libertar, não a deixou curiosa. O que ele estava querendo dizer?
"Não com a ameaça que está vindo. Moisés. Você sabe, o Clone do Mau'. Papai me contou muita coisa sobre ele, Anna. Ele era a real razão por termos permanecido naquele lugar. Ele vê as coisas, ele sabe o que vai acontecer com aqueles a que ele se conecta. E ele e papai eram amigos. Praticamente cresceram juntos."
Ann ergueu as sobrancelhas ainda sem entender.
"Qual ameaça?"
Silas se voltou para a janela.
"A filha dele. Eu a senti em Noble. Uma das irmãs dele. Eu senti a filha de Moisés em Noble. Do mesmo jeito que Sophia se enganou quando sentiu o cheiro de Amora e pensou que fosse Tim."
Ann alisou sua barriga. Amora. O primeiro cheiro que sentiu de sua filhotinha. Não havia outro nome para ela desde então. Amora. Em português como o nome de seu pai e de seus irmãos. Ann custou a falar corretamente, ela tinha mania de pronunciar a letra 'a' de forma bem aberta, pois era assim que ela sentia que essa letra era falada em português, então a primeira vez que falou o nome de sua filhotinha saiu Amorá. Paul e os filhotes se dobraram de rir.
Quando sua madrinha disse que Tim era gordinho e pretinho, o coração de Ann pulou por que era essa a descrição de Amora para ela. Linda, com a pele da mesma cor da de Paul. E com cachinhos negros!
"Você está se distraindo." Silas disse se sentando na cama.
"Daisy. Eu não sabia. Eu quero tanto vê-la!" Ann queria mesmo. A primeira casa que iria quando pisasse na Reserva seria a de Daisy.
"É. Acha que ele não irá buscar sua filhinha? Acha que a Reserva é mesmo um lugar impenetrável para alguém como ele?"
"Eu acho, Silas. É impossível que ele entre." Silas alisou o rosto de Ann, ela mais uma vez se admirou com o tanto de calos que ele tinha nas mãos.
"Existem vários tipos de força, Anna e a maior delas é fazer com que outros te obedeçam. Quem é mais poderoso? O fraco que não obedece ninguém ou o forte que não tem poder de decidir sobre nada? Moisés é especialista em dobrar as vontades das pessoas e ele sente prazer fazendo isso."
Ann voltou a se deitar, Silas também.
"Acho que já falamos muito por hoje, Sy."
"É, mas temos de falar, Anna. Por que eu ouvi Brass dizer que vai estar com o helicóptero aqui pronto amanhã. E não devemos ir para a Reserva."
"Por que acha isso?"
"Por que meu pai não vai dar mais filhotes a eles e Brave também não. O plano de Moisés, perfeitamente cruel, não terá valor nenhum para o dono dele. Papai usou essa fraqueza dele, mas ele não vai sentir que o acordo valeu a pena por muito tempo."
A cabeça de Ann virou com tantas informações. Brave tinha ido para dar filhotes aos humanos? Meu Deus!
"Por que diz que..." Ela pensou em Paul preso sendo obrigado a compartilhar sexo com humanas e teve que apertar os lábios e os olhos para não chorar.
"Que papai não dará filhotes a eles e nem Brave? Papai tem como evitar isso e ele vai fazer. Basta que ele fique venenoso todo o tempo. Nós estamos aqui, não há como ameaça-lo. E Brave, bom, ele parece meio bobo, mas disse que sabia como evitar filhotes usando o veneno e durante a viagem eu pensei nisso e é possível. É claro que quando as humanas não engravidarem eles vão desconfiar, mas iremos resgatá-los."
Ann pensou em Brave compartilhando sexo com a humanas, ele estaria em seu ambiente. Mas não foi só isso que chamou a atenção dela.
"Eu também não entendi uma coisa, Silas. Quer dizer que Moisés aceitou o acordo apenas por ser uma forma de vencer Simple?"
"Mais ou menos. Moisés é mal, Anna, nunca se esqueça disso, papai sabe disso, ele me aconselhou a nunca baixar a guarda. Papai dizia que agradecia muito por eu e Tim não termos o conhecido nem convivido com ele, pois poderíamos gostar dele e ter nosso julgamento acerca dele prejudicado. Por que papai o ama, Anna. E essa foi uma das causas de termos ficado presos."
Ann acenou.
"Acha que ele ama seu pai?" Ann perguntou.
"Isso não faz diferença. Alguém como ele não sabe amar. A maldade num coração corrompe o amor, Anna. De tudo, apenas a maldade pode vencer o amor, pois ela se desenvolve muito cedo, sem ser percebida. O amor também, nós nascemos do amor, nascemos já com ele, mas ele precisa crescer conosco, precisa se desenvolver, isso leva tempo, a maldade é mais rápida. Quando o amor amadurece, a maldade já está forte e ela nunca luta de frente, ela se esconde. A maldade age por subterfúgios, planta pequenas sementes de ódio que crescem lentamente envenenando o coração."
Ann sorriu triste por Silas. Ele era tão novinho e já tinha conhecido o mal, já tinha cicatrizes de maus tratos em sua pele, já tinha visto seu pai ser humilhado, abusado e isso o fazia acreditar na maldade, coisa que se tivesse nascido na Reserva nem iria considerar que existisse ou passar horas meditando sobre sua essência. Um outro sorriso, esse de saudade, se desenhou em seu rosto ao se lembrar das discussões deles à mesa. Paulo sempre ouvia o que Silas dizia com um sorriso de orgulho no rosto e depois de um tempo a própria Ann também sorria de forma semelhante. Silas era o orgulho deles, dos dois.
"Mas a filhotinha de Daisy ainda não nasceu, acha que ele vai tentar pegar Daisy?" Assim que as palavras sussurradas saíram pela boca de Ann, ela tremeu. Daisy estaria em perigo?
"Eu não sei, Anna, só sei que preciso dar um jeito de encontrar meu pai e espero fazer isso antes de Amora nascer. Eu não posso deixar o sacrifício de meu pai e de meu tio ser em vão, você me entende?" Silas disse, Ann lamentou que ele estivesse se colocando tanto peso nos ombros.
"Sy, isso não está nas suas mãos, querido. Iremos encontrar Paul e faremos isso sem precisar que você se envolva. Eu sei que é difícil esperar, eu mesmo queria procurá-lo, eu queria vasculhar todos os lugares possíveis, mas a força tarefa está aí para isso. Eu confio em Sal, em Kis e em James." Ela disse, mas sabia o quanto Silas era teimoso.
"Foi Simple quem nos achou." Ele disse.
"Sim e ele vai ajudar a achar seu pai. E Paul vai estar aqui para o nascimento de Amora. Eu sei que vai."
"Mas podemos ficar aqui umas semanas? Por favor?"
"Sim, podemos."
"Ok." Ele disse e logo estava dormindo.
Ann se levantou, saiu do quarto, passou pela sala íntima e saiu para o terraço. Ela se sentou sobre os balaústres e ficou olhando a noite, deixando a saudade doer em seu peito.
"Não precisa ser sempre forte, Gatinha. Eu fiquei mais preocupada ao te ver chorar tão pouco do que se você abrisse a boca e nunca mais parasse de chorar." A mãe dela se sentou ao lado de Ann, Ann apoiou a cabeça no ombro dela, era desse conforto que ela tanto precisava.
"Felinas! Por que têm de se sentar aí?" A madrinha de Ann disse se encostando nos balaústres.
"Ofídicas! Sempre se esgueirando." A mãe de Ann retrucou, Sophia riu.
"Ele vai ficar bem, querida. Sabe que quando eu digo isso eu estou dizendo com meu coração." Sophia disse.
"Se você o visse, madrinha! Ele é..."
"Parecido com Silas? Por que aquele filhote me causa calafrios. Robert perguntou se ele poderia gostar de aprender a lutar, ele se esticou todo e disse que uma luta sem propósito não tem valor nenhum. É claro que Brass, louco para fazer ele lutar, disse que servia de treinamento, ele só apertou os olhos e disse que seu veneno o dispensava de aprender a lutar." Kit contou e as três riram. Ann é claro riu de forma forçada.
"Querida, não precisa fingir força, tá bom? Chore, grite, quebre coisas, ameace John pra pilotar pra você, mas não reprima seu sofrimento. Eu e sua mãe entendemos, nós..."
"Nós queremos te ajudar a passar por isso. O dia que não quiser falar com ninguém, não fale, meu amor. O dia que quiser nos contar como ele é, como foi que você descobriu que estava vinculada, qualquer coisa, iremos ouvir e chorar com você, só não fique com essa falsa carinha alegre." A mãe dela disse e Ann piscou.
Chorar não ia trazê-lo de volta. E ela não queria a pena de ninguém. Ela queria ser forte e ficar chorando pelos cantos não era força.
Mas do nada um soluço dolorido, vindo do fundo de seu peito saiu. E outro e mais outro até que Ann, Kit e Sophia estavam emboladas no chão abraçadas com Ann chorando copiosamente.
Era um choro que ela não se lembrava de já ter chorado daquele jeito, as lágrimas pareciam brotar de seu peito, não dos olhos.
"Isso, isso mesmo, gatinha." Sua madrinha disse alisando os cabelos de Ann e ela finalmente dormiu nos braços das duas fêmeas que mais a amavam no mundo.

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