CAPÍTULO 28

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O helicóptero pousou com um baque, Caim olhou para seu pai, ele olhava para a frente, Caim achou melhor não dizer nada. Ele conseguia sentir o cheiro de todos na casa dali e o cheiro de sua mãe lhe abalava o autocontrole, devia ser o mesmo com seu pai.
"Uma missão em família! Eu estou muito ansioso." Caim disse tentando chamar a atenção de seu pai, ele o olhou com os olhos duros, tentando evocar a personalidade do Tio de Caim, Honest, mas Caim sabia que ele estava por um fio.
"Ansiedade pode acabar com todo o plano, Caim. Tem certeza de que você dá conta? Temos de estar em nosso controle total. Qualquer coisa e você pode..."
"Eu sei, pai. Estou no controle. Eu juro." Caim disse fingindo que Simple não estava falando mais consigo mesmo do que com ele.
O cheiro de Castor e dela chegou ao nariz de Caim, seu pai rosnou baixo, Caim queria muito poder fazer algo por ele, mas Simple estava em seu modo Controle Total, seria perda de tempo, ele não sentiria nada que Caim emanasse nele.
Ela era uma péssima corredora! Caim pensou e viu seu pai apertando os dentes e o manche do helicóptero, então tentou brincar:
"Espero que cheguem hoje. Como ela pode ser tão lenta?"
"Ela nunca precisou correr para nada, todos corriam para ela." Ele disse.
"Você também?" Caim perguntou.
"Não. Eu não. Eu sempre me mantive longe."
"Por quê?"
"Por que eu sempre fui um idiota? Por que eu comecei a compartilhar sexo muito cedo e nunca achei que iria gostar de alguma das filhotes? Hoje eu vejo que eu não sou como os machos normais." Ele disse.
"Mas isso não esteve na cara desde sempre? Seu faro, sua inteligência! Como você pôde achar que com você seria como o vovô e a vovó?" Caim perguntou.
"Depois falamos disso, Caim. Não é a melhor hora agora."
Ele estava certo, Caim se calou.
"Se ela está vindo é por que concordou, não é?" Caim perguntou.
O pai dele travou o maxilar e prendeu a respiração, eles estavam se aproximando do helicóptero e o coração dele disparou. Isso mostrava o quanto o pai dele estava ansioso, então Caim tentou mudar o assunto.
"Eu acho que devia ser Pólux a vir, não Castor. Ele não obedece ninguém."
O pai de Caim suspirou.
"Não, Pólux tem maior controle. Castor dá conta e ele está ávido para se mostrar tão eficiente quanto Pólux."
Caim assentiu e seu pai saltou do helicóptero assim que Castor e Flora apareceram.
Caim também saltou, ficou ao lado de seu pai. Assim que chegaram, Flora caiu de joelhos no chão, Simple fez que ia tocar nela, ela ergueu uma mão.
"Estou bem, é só que..." Ela disse tentando recuperar o fôlego.
"É só que você é uma péssima corredora. Ter todo mundo correndo por você dá nisso." O pai de Caim disse.
"Pior é você que se diz o mais rápido de todos e tem um jipe. Nem filhotinhos usam os jipes. E o seu ainda tem de ficar separado, senhor 'eu sinto o cheiro de todas as bundas que se sentaram aqui'." Ela disse ainda falando com dificuldade , Caim e Castor riram.
"Me deixe te ajudar." Simple disse a erguendo pelos braços.
"Então, só eu posso achar Brave e Paul." Ela disse olhando de forma direta para Simple.
"Não exatamente. Sabemos mais ou menos onde eles devem estar, o problema é entrar onde estão." Caim disse, ela o encarou e sorriu.
"Você já está vindo em missões e é tão novinho! Que pena que a sua matriz barra pai é tão irresponsável." Ela disse.
"Tente fazê-lo não vir e se você conseguir te faço o maior pudim de todos." Simple disse.
"Seu pudim me dá dor de barriga. Eu sempre achei que você fazia de má vontade, mas eu acho que leite me dá, eu não sei..." Castor a interrompeu:
"Gases? Sério que a fêmea que todo mundo ama, a mais bonita e perfeita de todas peida quando toma leite?" Ele disse, Caim teve de rir com a cara que Flora fez.
"Eu não disse isso." Ela contestou, mas sem nenhuma convicção.
"Isso responde algumas coisas..." Simple disse com um ar pensativo, ela o encarou.
"Está dizendo que..."
"Que Candid levava a culpa por você. Não só ele, acho que até papai levou um baita beliscão uma vez."
Dessa vez, Castor e Caim caíram na risada, Flora também riu.
"Pensei que você soubesse tudo sobre cheiros." Ela disse.
"Cheiros que valem a pena sentir. Não o que você..."
"Pai, temos que ir." Caim disse, ele e Flora pareciam esquecidos da missão.
"É claro. Castor, tem certeza de que você dá conta?" Simple perguntou de forma séria, Caim achou que Castor acharia ruim com a pergunta, mas ele se esticou e seus olhos ficaram mais claros.
"Sim, tio. Pólux tem maior controle das mentes ao redor e não podemos esquecer de Brian. Eu vou fazer tudo o que você me mandou." O pai de Caim foi até Castor e o beijou nos lábios, Castor juntou sua testa a dele e sussurrou que ia deixá-lo orgulhoso.
Caim viu os olhos de sua mãe se enternecerem com a cena e ele pensou em como ela e seu pai podiam estar separados, quando eles se admiravam e até tripudiavam um com o outro. Era uma pena tão grande ela estar vinculada a outro!
Seu pai se sentou no banco do piloto e começou a ligar os controles, Caim ajudou sua mãe a se prender no assento, ela lhe tocou o rosto e sorriu, Caim engoliu em seco. Não era fácil se segurar, a vontade que ele tinha era abraçá-la e nunca mais a soltar.
Simple decolou, a viagem era longa, Caim achou melhor dormir um pouco. Castor dormiu facilmente e até roncou, Caim só fechou os olhos.
"Somos loucos, Simple?" Sua mãe perguntou, Caim ficou alerta.
"Tem alguma dúvida disso? Estamos indo até um aquário com dois filhotes enfrentar um monte de aprimorados e um super vidente. Se isso não é loucura..." Seu pai respondeu, ela riu.
"Eu nunca quis ser como vocês, sabe? Se meter nos assuntos dos adultos, sair da Reserva escondido, mentir para seus pais. Eu e John nunca achamos graça nisso."
"O senhor e a senhorita certinhos. Era assim que Cam chamava você e John." O pai de Caim disse com a voz cheia de sarcasmo.
"Eu sempre me orgulhei de ser uma filhote modelo, você devia ter tentado, não é ruim." Ela disse.
"Você era medrosa, Flora. Muito medrosa, isso sim."
"Talvez. Mas o medo é uma coisa boa. Ter medo é normal."
"Se você diz..."
Eles estavam inquietos, não deviam ter conversado muito nos últimos anos e não sabiam sobre o que conversar, Caim podia apostar que seu pai segurava o manche com bastante força.
"Acha que eu vou ser capaz de... Bom Castor disse que eu devo procurar por uma fêmea que pode criar ilusões. Disse que nem Ananyia a percebeu, como eu poderei percebê-la?"
"Você não precisa percebê-la, ela vai te perceber. Você só precisa emanar uma onda que a deixe com as emoções descontroladas." O pai de Caim disse.
"Você planejou isso sem muitas informações, não é? Tem certeza de que ela não vai me atacar de volta?" A mãe de Caim perguntou, Caim apertou os dentes.
Por que quem planejou aquilo foi Max. O pai de Caim não queria se aproximar de Flora, mas a idéia de Max foi a mais inusitada de todos eles e sim, essa fêmea poderia nem mesmo existir.
"Estamos no escuro, Flo. Eu admito. Mas há uma fêmea, eu senti seu cheiro, e tanto eu quanto Caim estivemos no Alasca, a atmosfera era a mesma que lá, as plantas estavam inundadas com atividade psíquica. Amália, Marble, você, Niyati, Sanyia, sua mãe e por aí vai. Quimeras, todos vocês. Os genes dominantes nos enganam, enganam até a mim, mas depois de alguma observação tudo salta a vista, basta observar bem. Amália é uma quimera com genes caninos, Marble é uma quimera com genes primatas, você é uma quimera com genes humanos, é o mesmo padrão, então ela deve ser uma quimera com genes ofídicos." Ele disse, Caim quase sorriu. Nick foi quem aventou essa hipótese e Candid correu para o laboratório Não Secreto Mais.
Ele ficou exatamente como um cientista maluco, fazendo misturas e foi divertido fazer Marble, Sanyia e Halfpint tomarem. Marble, coitado teve uma reação alérgica, coisa inédita entre os Novas Espécies e sua pele ficou cheia de manchas.
"Como Amália pode ser uma Quimera?" Flora perguntou.
"A mãe dela. Amália é filha de Ted, o quarto filhote de Lazarus e Sabine. Ele teve muitos filhotes, a maioria morreu, Tadeus foi morto quando Augustus teve seu ataque de sede de sangue. Ninguém nunca soube quem era a mãe de Amália, Ted tinha ficado alguns meses fora e voltado com ela nos braços dizendo que a mãe dela tinha morrido no parto. O Alasca foi durante muito tempo o lugar onde Mercille descartava alguns Novas Espécies considerados erros, não há nada que contrarie o fato de que uma Quimera possa ter sido descartada lá e Ted a tenha encontrado. Se supormos que Amália herdou seu dom dela, nada nos impede de supor que ela viveu muito tempo lá e as plantas a ocultaram. Ted dizia que a mãe de Amália foi seu primeiro amor, e só dizia isso, não falava mais nada e ficava bravo quando tentavam saber mais." O pai de Caim contou, a mãe dele ficou em silêncio digerindo a informação.
Caim pensou em Tadeus. Ele era muito poderoso, talvez pudesse ser como Augustus, mas ele amava correr e amava as fêmeas, isso lhe tirava tempo para expandir seu poder. Ele o lembrava muito seu tio Candid, que estudava e aprendia as coisas com facilidade, mas não se aprofundava em nada.
"Certo, somos Quimeras, cada um com um gene dominante e eu sou a única cujos genes dominantes são humanos. E ela tem genes ofídicos dominantes, ou seja, é venenosa. Como vou superá-la?" A mãe de Caim perguntou e Caim quase respondeu pelo pai dele, mas ele segurou a língua. Gift tinha razão, ele, Caim, era um sabe-tudo irritante.
"Eles cresceram desenvolvendo seus genes Novas Espécies, você não. Isso é uma vantagem, você só tem sua capacidade sensorial, os outros não desenvolveram as deles, você sim."
Caim pensou no que Simple disse, e mais uma vez era apenas uma hipótese. O local onde resgataram Ann só era possível chegar de lancha e assim que pisou na praia, ele e seu pai vomitaram. Brave, por outro lado até tripudiou deles, mostrando que a atmosfera de lá não o atingia. Isso mostrava que a tal fêmea tinha total controle sobre o que emanava naquele pedaço de terra, o que era preocupante.
"Mas Amália tem um grande poder, Simple. Ela é muito mais poderosa que Marble, a prova disso é que vocês não conseguiram passar das plantas dela, nem você." Flora disse.
"Amália é canina, Flora, e o pai dela é parente direto de Adriel, o pai. Eu acredito que essa fêmea é irmã de Matt, afinal ofídicos não brotam do chão." Ele disse.
"Não sei, às vezes parece exatamente isso. Primeiro Bronzy, depois Matt e agora essa tal fêmea. Acho que o mundo está inundado de Novas Espécies e muitos não fazem ideia do que são." A mãe de Caim opinou.
"Daqui a alguns anos os humanos serão diferentes, Flora. As drogas de aprimoramento estão por aí correndo soltas, assim como o veneno de Benson. Os filhotes dos que usaram ou as drogas ou o veneno com certeza serão diferentes dos humanos que conhecemos." O pai de Caim disse, a mãe dele estremeceu.
"Esse seria o plano de Mercille? Super humanos que viveriam para sempre através dos Chips? E debaixo do nariz de todo mundo. Houveram guerras e epidemias e revoluções e ninguém se deu conta do que Mercille estava planejando."
"Sim, mas nós não somos tão diferentes dos humanos nesse caso, Flo. Estamos tão ocupados com nossos dilemas que ao invés de estarmos combatendo esse plano maléfico, estamos preocupados com nossas vidas ordinárias."
Caim pensou na conversa deles e jurou que ele e seus primos iriam atacar onde se devia, iriam barrar o avanço de Mercille. Seu pai e seus tios se preocuparam com aqueles que eles amavam, mas os verdadeiros necessitados de proteção eram os humanos comuns, os humanos que viveriam debaixo do flagelo que os humanos modificados iriam infligir aos mais fracos.
"Demora muito?" Flora perguntou.
"Sim, tente dormir um pouco."
"Tá." Ela disse, o pai de Caim se mexeu na cadeira e Caim se lembrou de seu tio Cam chamando Simple de louco masoquista de merda. Candid tinha total razão.
"Pai..." Caim chamou baixinho depois de quase uma hora, o pai dele se virou e sorriu.
"Não precisa sussurrar, ela não tem genes de urso e seu sono não é regular, mas se uma pane ocorresse, eu jogaria vocês três do helicóptero, você e Castor cairiam de pé, ela bateria como uma pedra no chão, quebraria os braços, as pernas e ainda assim não acordaria." Ele disse, Caim riu.
"Te peguei!" Flora disse pegando no braço do pai de Caim, ele levou um susto tão grande que perdeu o controle do helicóptero. Caim e Flora riram, Simple estabilizou a aeronave, xingando baixinho.
"Eu esqueci o quanto você era irritante." O pai dele disse, Flora riu ainda mais.
"Sempre ao seu dispor."
"Eu não consegui dormir, o barulho me incomodou."
"Só cale a boca, tá bom?" Caim fechou a cara para seu pai, mas ele estava de costas, então não viu.
"Não sei, acho que você deve me explicar o máximo possível, você não acha? Eu ainda não entendi direito o que devo fazer."
"É melhor quando você obedece ordens, lembra do resgate de Bronzy?" Simple disse.
"É claro. Eu tremi toda quando Daisy estava ensinando Violet a engatilhar a arma. Eu só conseguia pensar que você tinha dito que eles eram homens maus e que mereciam se sentirem muito mau. Eu me concentrei nisso."
"Isso explica eles vomitando, evacuando e lutando, mas por que alguns começaram a fazer sexo?" Simple perguntou.
"Eu não tinha controle na época. Acho que alguns tinham desejo pelos outros, sei lá."
"Eu acho que exagerei mandando você. Mas o plano original era o de Livie, então..." O pai de Caim disse. Ele conhecia aquela história, diziam que Flora transformou os seguranças aprimorados em animais raivosos.
"Eu achei que você tinha ido lá em casa para falar do..."
"Do beijo? O que havia mais para falar? Eu te disse que se quisesse mais me procurasse, não disse que iria procurar você." O pai de Caim interrompeu Flora de uma maneira brusca.
"Quando você fala assim comigo, eu me lembro da minha mãe contando do pouco caso que você fez de mim quando ela me levou na sua casa para seus pais me conhecerem."
"Os pais sempre acham que seus filhotes são os mais extraordinários do mundo. Você era uma coisa muito pequena, rosada e gorda, exatamente como todos os outros bebês que eu já tivesse visto."
"Que bom que Tio Valiant te deu uns cascudos." Flora disse, Caim sorriu.
"Eu paguei Cam para apanhar no meu lugar."
A mãe de Caim bufou.
"É claro."
"Desculpa se eu nunca vi nada de especial em você como todos os outros. Eu sei que você nunca pensou que..."
"Isso sempre me fez ver você de forma diferente. E você sempre foi fechado para mim, Simple. Eu nunca soube como você se sentia. Eu nunca me senti ligada a você como sempre me liguei a todo mundo." Caim apertou os olhos fechados. Tudo para seus pais tinha se desenvolvido de forma incomum. Talvez por eles serem tão diferentes.
"Quando nós..."
"Eu achei que estava vinculada, mas eu não sabia como uma fêmea vinculada se sentia, Simple. Brian apareceu e eu fiquei dividida, a pressão por causa da gravidez foi enorme. Até que você foi ficando distante dentro de mim. E ele foi preenchendo os espaços que eu achei que você tinha ocupado. E então nosso filhotinho morreu. Aquilo foi..."
"Que tal focarem na missão? Essa DR de vocês acabou com o meu sono." Castor disse bocejando, Caim rosnou para ele.
"Tem razão, Castor. Eu só queria me distrair um pouco, pois estou morta de medo. Mas aí a conversa ficou mais..."
"Íntima?"
"Constrangedora?"
Simple e Castor completaram ao mesmo tempo, o pai de Caim rosnou, Castor riu.
"Castor, estamos mais ou menos na direção do aquário. Você consegue sentir alguma atividade psíquica?"
Castor fechou os olhos, todo mundo fez silêncio.
"Não. Atividade psíquica não, mas há algo diferente no ar. A noroeste." Castor disse.
"Noroeste então." O pai de Caim disse pilotando o helicóptero na direção apontada por Castor.
Castor continuou com os olhos fechados, Caim apurou os ouvidos e nariz até que sentiu o cheiro de...
"Pai!" Ele disse quando o cheiro de antisséptico lhe chegou ao nariz.
"O que está sentindo?" O pai dele perguntou.
"Antisséptico. O mesmo que..." A tristeza o tomou, Caim acabou soluçando. Do nada, Flora se soltou do cinto, saiu do assento do co piloto, se sentou no assento dele e o abraçou, Caim se agarrou a ela no pouco espaço, mas ao invés de se sentir melhor, a dor aumentou.
"Os Abels. Abel 1 era tão sorridente! Abel 2 era um clone do Tio V, Abel 3 me via como se eu fosse um super herói. Eles morreram na minha frente e a culpa foi minha." Caim se viu dizendo, as lágrimas saíam sem que ele pudesse evitar.
"Calma. Chiii..." Flora disse alisando o rosto de Caim, ele a apertou ainda mais e se encheu do cheiro de rosas dela tentando fazer com o cheiro do antisséptico que sempre era usado em todas as coisas dele quando um dos Abels morria sumisse em meio ao cheiro dela.
"Meu nome é apropriado para mim, mamãe. Eu sou a causa da morte de meus irmãos." Caim disse, Flora afastou o rosto do dele e disse:
"Mamãe?"



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