CAPÍTULO 50

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Candid se sentou numa banqueta, olhou em volta e sorriu ao invés de responder.
"E então?" Bill perguntou, Candid se virou para o corpo adormecido da fêmea canina e lhe alisou o rosto.
Candid apertou os lábios, Gabriel sorriu, Honest revirou os olhos.
"Fala logo!"
Candid limpou a garganta e se arrependeu quando o bocudo de seu irmão mais velho respondeu:
"Ele não sabe como proceder."
Candid rosnou, Gabriel gargalhou dessa vez.
"E eu deixei Creek para vir pra cá! Ah, Leãozinhos, vocês ainda sabem pregar peças, não lhe parece, William?" Ele disse, Bill deu de ombros.
"Eu não imaginava que ele pudesse conseguir." Dessa vez, Candid olhou com raiva para Bill, o macho deu um passo para trás.
"Mas para o bem geral, eu estou aqui." Simple disse, Candid se levantou e ficou junto dos outros.
Simple abriu os olhos da fêmea, ela tinha bonitos olhos esverdeados, mas pareciam duas bolinhas de vidro, já que o corpo estava inanimado. Simple lhe fechou os olhos e sorriu.
"Querem que eu mostre?" Simple disse, Candid bufou.
"Olha só, é extremamente simples quando se aprende. Vejamos..." Ele disse, fechou os olhos e ficou imóvel, Candid olhou para Honest, seu irmão e Collin olhavam Simple parado ante a maca, pareciam tão curiosos quanto ele próprio.
A fêmea começou a tremer as pálpebras, seus dedos se mexeram, e depois de alguns instantes ela abriu os olhos. Bill foi o primeiro a se recuperar, se aproximar e tocar o peito dela.
"Coração ok, pulmões..." Ele estava dizendo, mas o barulho do coração da fêmea estava nítido para todos ali, menos Gabriel, já todos tinham a capacidade de ouvir corações.
"O que você fez?" Collin, numa rara demonstração de autoridade perguntou, Simple deu de ombros.
"Despertei a mente dela e a mente fez o resto." Collin não entendeu, mas quando olhou para Honest, Hon assentiu com a cabeça, então ele não perguntou mais. Candid achava engraçado a interação entre as duas partes de seu irmãozinho mais novo, um não dava o braço a torcer ao outro.
Ele se concentrou nos sinais vitais fechando os olhos e se isolando do mundo a sua volta, já que a parte de Simple estava completa.
Corpos Nova Espécie como aquele foram feitos exclusivamente para receberem chips e o maior problema era que só quem tinha criado o corpo é que era capaz de deixá-lo pronto para outra implantação. Candid estava a bastante tempo tentando quebrar o código daquele chip, mas não tinha tido sucesso,  o desgraçado do Simple fechou os olhos e aí...
Ele abriu os olhos e encarou Simple.
"Que porra você fez?"
"Eu já disse, Cam, eu desper..." Bill o interrompeu:
"Despertou como, droga?" Ele disse com impaciência, Honest foi até ele, Bill era até mais alto, mas Hon, bom, tamanho não significava nada para Hon, Candid sorriu, quando Bill baixou os olhos.
"Você veio para observar. Cale a porra da boca." Honest disse, Bill engoliu em seco.
"Eu também vim para observar, mas poderiam ser mais claros? Por favor?" Gabriel disse de forma servil, Candid sorriu, já que adorava o fato de que Gabriel ainda era tão ladino quanto antes.
"O corpo estava num estado adormecido devido ao fato de terem-no entregado para nós sem seu chip original. Eu coloquei três Chips diferentes nele, mas nenhum implantou, então eu deduzi que nos deram um corpo inútil." Candid explicou, Gabriel e Bill assentiram com a cabeça.
"Papai fazia isso, assim como MacKay. Você só conseguiu implantar Honest no corpo de Doze por que ele lhe permitiu fazer isso." Bill completou.
"Sim, mas já sabíamos disso, Candid. A questão é o que Simple fez?" Gabriel perguntou.
Candid não fazia a mínima idéia, então olhou para Simple. Todos olharam para Simple.
"O que importa como eu fiz? O corpo está pronto para ser implantado, Cam, faça seu trabalho e pronto." Ele disse e correu, Collin ainda tentou ir atrás dele, mas Simple não tinha o título de melhor corredor da família deles a toa.
"Candid, Simple tem razão, faça o que tem de fazer." Honest comandou, Candid suspirou.
Não era fácil implantar um chip num corpo semi consciente como aquele, todo o sistema nervoso da fêmea estava ativo e sedá-la não era uma opção.
Depois de vários espasmos que impediram que Candid introduzisse a agulha de inserção na têmpora dela, Bill, Honest e Gabriel, seguraram o corpo, mas ainda assim não era possível.
"Você diz que não deve sedar o corpo, mas eu não vejo outra forma." Bill disse.
"É assim mesmo, William. Sedar esse corpo pode fazer com que as respostas do cérebro sejam mascaradas e só saberíamos se a implantação foi bem sucedida quando o corpo despertasse. Se desse certo, ótimo, mas se não desse, o chip ficaria perdido." Gabriel explicou.
"Não é possível sugestionar a mente desse corpo?" Collin perguntou de forma ofegante, Honest o olhou com cara de raiva. Era um idiotisse total correr atrás de Simple.
"Não. A mente está em funcionamento, mas é um funcionamento primário, as reações responsáveis pelos pensamentos e emoções, ou até mesmo um controle racional do corpo não estão ativas." Candid respondeu.
"Mas assim, logo o corpo vai parar. Não há energia, já que o corpo só realiza funções básicas." Collin observou.
"Exato." Candid disse.
E era exatamente esse momento que ele aguardava. Antes do cérebro pifar. Era um único momento, só havia uma única chance. Honest sabia disso, Simple também, mas Collin, Bill e talvez Gabriel não sabiam. E Candid compartilharia sexo com uma fêmea sem lubrificação na buceta, ferindo todo o seu pau antes de entregar essa informação a eles.
"Vamos segurar com força, você não tem muito tempo, Leãozinho." Gabriel disse dando a entender que não sabia o momento crucial para a implantação. Candid se lembrou de quando ele informou que teve de implantar Samantha em vários corpos humanos até ter sucesso.
O coração da fêmea errou uma batida, o de Candid disparou. Era o momento! Honest segurou a cabeça da fêmea com força contra a maca, Candid inseriu a agulha e pronto! A agulha deslizou para dentro do cérebro da fêmea como se o caminho estivesse se aberto só naquele momento. E era exatamente isso, Candid pensou com um sorriso.
O corpo relaxou, eles soltaram a fêmea na maca e se afastaram, todos os olhos estavam cravados no corpo nu e pequeno da fêmea presente canina.
É claro que Candid a olhou com outros olhos, com olhos de macho e não de médico. Ela era pequena, mas seu corpo era bem torneado, os músculos eram bem desenvolvidos, ela devia ter bastante força nos braços e pernas. Gabriel cobriu o corpo quando ela mexeu as pálpebras, Collin separou um conjunto de moletom para que ela se vestisse.
Ainda demorou alguns torturantes minutos, mas Candid tinha certeza de que tinha acertado, de que o chip deslizou para o local correto e que logo ela...
"Ai, meu Deus! Que lugar é esse?" A fêmea se sentou, o lençol escorregou para seu colo, os seios bonitos dela ficaram expostos. Gabriel e Collin, castrados pelo vínculo baixaram os olhos, Honest e Bill não esboçaram reação, só Candid é que pareceu ter sido afetado pelos bicos eretos e rosados daqueles seios, mas ele ficou firme.
"Ora, ora! E não é que vocês conseguiram, seus médicos de meia tigela! E que corpo bonito! Pequeno! Olha, menino branquinho, dá pra segurar o meu pé! E que pezinho mais bonitinho!" Ann disse olhando para Collin e jogando o lençol no chão.
"Ann..." Gabriel começou, ela riu.
"Ah, Gabriel, me poupe! Eu duvido que esse corpo estava coberto! E você se esqueceu de que nós somos primos?" Ann disse sorrindo e talvez fosse a luz, mas os olhos esverdeados da fêmea pareciam mais verdes e mais claros, assim como os olhos de Ann eram.
"Toma." Collin estendeu o conjunto de moletom, Ann vestiu e riu de ter de dobrar as mangas da blusa.
"Ah, que delícia! Um lindo corpo pequeno, mas que parece bem forte! Meu macaco..." Ann olhou em volta e depois perguntou:
"Onde está Dusky?"
"Ele desistiu de ficar aqui esperando." Bill disse, Ann fechou o semblante e do nada a fisionomia simpática deu lugar a uma bem assustadora.
"Desistiu? Aquele macaco velho não está aqui? Ele desistiu?" Ela guinchou as últimas palavras, Collin se aproximou, ela deu um tapa muito bem encaixado na cara dele, todos arregalaram os olhos de surpresa.
"O que disseram para ele? Só se... O que vocês fizeram para que meu macaco não esteja aqui?" Ela disse, sua voz estava estridente, Gabriel teve de tapar os ouvidos.
"Eu machuquei seus ouvidos, primo?" Ann perguntou, Gabriel se afastou dela e não respondeu.
"É curioso isso, você não acha? Depois de me cegar, de provocar inúmeras doenças em meu corpo, de acabar com minha beleza, você está incomodado com meu tom de voz." Ela disse aumentando o volume de sua voz, até Candid teve de tapar os ouvidos. Não era só o volume da voz, havia algo nas ondas sonoras que ela produzia, algo extremamente doloroso.
"Ann... Cale a boca." Honest disse, Ann piscou confusa, mas parou de falar.
"Do que você se lembra?" Candid perguntou limpando o sangue de seu ouvido esquerdo. Não era muito sangue e logo seu ouvido estaria inteiro de novo, mas não tinha sido uma experiência a que ele quisesse repetir.
"Eu e Dusky..." Os olhos agora totalmente verdes brilharam, mas depois ela começou a chorar.
"Eu sinto tanto!" Ann disse para ninguém em particular, foi até a porta, saiu da sala asséptica, eles começaram a retirar a roupa estéril rapidamente, mas num piscar de olhos, Ann estava correndo para longe. Eles a seguiram, mas antes de alcancá-la, sentiram o cheiro de Dusky, os cinco pararam ao mesmo tempo.
"Dusky cuidará dela, você só tem de ficar de prontidão, Candid. Ou se quiser..." Gabriel disse, Candid fez que não com a cabeça.
"Não precisa, eu cuido de tudo." Ele disse, Gabriel sorriu e tomou o caminho de sua casa.
"Eu vou estar no hospital, só volto para Homeland na semana que vem. Qualquer coisa que precisarem é só chamar."
"Continue cobrindo minhas costas que você já está ajudando, Bill." Candid disse com um sorriso, Bill fez uma careta.
"Era em troca de entender o processo de uma implantação num corpo inerte e eu não aprendi nada."
"Não aprendeu por que é burro. Você queria observar, eu permiti, agora não saia do hospital até dar o dia de voltar para Homeland." Candid disse, Bill rosnou baixo.
"E meu avô ainda me avisou!" Ele resmungou quando tomou o caminho do hospital.
Candid, Honest e Collin sorriram um para o outro e tomaram o caminho da cabana de Simple, ele, porém não estava lá, o que era bem estranho.
"Ele correu pra cá, não foi?" Collin perguntou, mas como sentiram o cheiro de Simple na casa de Honor, então apenas correram para lá.
Na casa de Honor, Daisy estava deitada no sofá da sala desmaiada, Livie tinha colocado a cabeça dela em seu colo e Simple estava ajoelhado a frente do sofá. Honor fazia Pansy dormir e pelo rostinho vermelho era possível ver que ela tinha chorado de forma desesperada.
"O que aconteceu?" Candid perguntou empurrando Simple e examinando Daisy.  Collin e Honest rosnavam, Candid olhou para o canto onde Noah olhava de forma fria para todos. Que merda estava acontecendo?
"Ela desmaiou e eu não sei se devo acordá-la. Eu a sinto muito... O coração dela..." Livie explicou, Candid entendeu e confirmou:
"Não. Não a acorde, Livie. O coração dela está disparado, se você a acordar, ela pode ter um infarto."
Os Novas Espécies não eram suscetíveis a maioria das doenças humanas, mas o coração era uma coisa a parte. Como parte vital num corpo Nova Espécie, o coração era um dos órgãos mais fortes e resistentes, mas isso trazia uma desvantagem: qualquer desordem em seu funcionamento desencadeava fortes dores e um infarto era algo totalmente possível de acontecer.
"Tente acalmá-la." Noah disse, Livie fez que não.
"Eu não posso fazer nada sem entrar na mente dela. Eu não ajo por fora, lembra?"
Simple empurrou Candid, Candid deu seu lugar no chão a frente do sofá a contra gosto.
"Chiiiii.... Calma maninha. Fique calma, bem calma..."
Ele tentou sugestão, mas ela estava inconsciente, não funcionou.
Honest olhou para Candid, o coração de Daisy continuava muito rápido, o risco de um infarto estava cada vez mais próximo.
A porta se abriu e Simple, Honest, Candid e Collin soltaram o ar de seus pulmões com a visão da carinha bonitinha de Caim.
"Desculpa, pai. Eu estava dormindo." Ele disse e foi até o sofá.
Caim tocou na têmpora de Daisy, todos estavam concentrados no coração dela, por isso um suspiro de alívio correu pela sala quando as batidas desenfreadas começaram a reduzir seu ritmo.
"Isso, Tia. Agora é só descansar." Caim disse, Simple o abraçou.
"Meu campeão." Simple sussurrou no ouvido de Caim, Candid também foi até o pestinha e lhe beijou a testa. Collin e Livie bateram palmas, Honest deixou seu corpo cair no chão. Tudo estava bem, graças a Caim.
"Ela está bem? De verdade?" Honor perguntou entregando Pansy adormecida para Pólux.
"Foi horrível, Tio! Ouvir o coração dela disparado, seu corpo mole e sem vida e não podermos fazer nada!" Castor disse.
"Vocês foram sábios, isso sim. Não é fácil ver alguém que amamos sofrendo e não poder usar nossas capacidades, mesmo sabendo que não adianta nada." Collin disse se ajoelhando e abraçando os filhotes de Honor.
"Ok. Mas a pergunta agora é..." Honor disse se esticando em seus dois metros e oito centímetros e se virando para Noah:
"O que você fez a ela? Pense bem na resposta, Clone." Honor disse com sua voz mais baixa e ameaçadora.
Collin usou seus braços compridos para segurar os filhotes, Honest pegou Livie e Aquiles no colo, Candid pegou Daisy e se afastaram. Noah ergueu seus olhos para Honor, não havia nem um pingo de medo nas íris de diamante azul.
"Ela me viu com Pansy nos braços e desmaiou, acho que pensou que eu fosse Moses." Noah disse, Honor apertou os olhos, mas a postura relaxada de Noah o fez se sentir incomodado por estar todo esticado, então relaxou.
"Mas ela sabia que era você, nós dissemos a ela, ela sentiu seu cheiro." Honor disse, Livie piscou algumas vezes no colo de Honest, Hon a colocou de volta no sofá.
Candid também achou melhor deitar Daisy numa cama, então saiu da sala, Pólux o seguiu.
Eles deitaram Daisy e Pansy juntas na cama de Heitor, Pansy segurou uma grande mecha de cabelo de sua mãe ainda dormindo, Candid e Pólux sorriram.
"Que tal me contar tudo, Pólux?" Candid perguntou de uma vez, seu sobrinho sorriu, mas fez que não com a cabeça.
"Ok, então há o que contar. Eu sabia que você não diria. Obrigado de qualquer forma." Candid disse, Pólux bufou.
"Isso não é da nossa conta, Tio." Pólux disse, mas a fala era tão sem lugar que Candid ergueu as sobrancelhas, o filhote riu.
"Como se vocês não vivessem se metendo nos assuntos dos outros! Bom, mas eu dei minha palavra, então..." Candid beijou a bochecha de seu sobrinho, por mais que Castor fosse mais parecido com o jeitão travesso de Candid, Candid gostava muito da maturidade de Pólux.
Candid voltou a sala, Simple, Honest, Collin e Caim estavam se despedindo, Noah já descendo a montanha.
Candid também se despediu, eles saíram da casa de Honor, Collin tomou o caminho de sua própria casa, a casa que era de Candid aliás, Simple encaixou Caim em seus ombros e fizeram toda longa descida da montanha em silêncio.
Na cabana de Simple, Matilda veio trazer Orchid e Candid decidiu se ocupar dos cuidados dela, Honest foi para o hospital, Caim voltou para a casa de Gift.
Quando Orchid mamava a terceira mamadeira de leite de cabra, Simple que estava sentado em sua cadeira preferida na varanda suspirou, Candid entendeu que era a hora de fazer perguntas.
"Isso tem a ver com seu acordo com o Clone do Mal, Sim?" Candid perguntou, Simple continuou olhando para o lago ao longe, mas acabou por acenar com a cabeça.
"Ele e Noah têm o mesmo cheiro, são idênticos, mas eu não acho que Daisy confundiria Noah e Moses, ela está vinculada." Candid continuou rendendo o assunto.
"Pelo menos para isso essa porra serve, não é isso que quer dizer, Cam?"
"Sim. Eu não acho possível ela ser enganada. O vínculo..."
Seu irmão sorriu seu sorriso cansado que muitas vezes estampava seu rosto nesses últimos tempos, Candid esperou ele falar:
"O vínculo seria capaz de superar a biologia? Afinal o vínculo não é a garantia de sobrevivência de nossa espécie? O vínculo seria tão sensível a ponto de diferenciar dois machos iguais?" Ele perguntou, Candid não respondeu de imediato, era uma pergunta bem profunda.
"Nós somos idênticos e Flora... Bem, Flora nunca olhou para mim como ela te olhava às vezes."
"Ser idêntico é diferente de ser a mesma pessoa, Cam, e é isso que Moses e Noah são. Flora não se vinculou a mim, ela... Ela se vinculou a Brian, não se esqueça disso." A dor na voz de seu irmão ao dizer essas palavras se espelhou em Candid e ele tocou o peito.
Flora estava em coma, mas o coma não iria desfazer o vínculo em sua alma, aquela porra era definitivamente para sempre. É claro que havia a possibilidade do vínculo de Flora e Brian ter sido fabricado e isso era a que Simple e também eles estavam se apegando.
Candid já tinha pensado em ir à Clínica e sufocar Flora, seria assassinato, mas ninguém iria investigar, Talvez Simple quisesse matá-lo e seria direito de seu irmão, ainda assim aquele sofrimento teria fim, e Candid, que estava farto, se ofereceria de bom grado para ser castigado. Ele tinha sugerido isso a Honest, Hon tinha se negado categoricamente a fazer parte naquilo, então Candid estava com as mãos atadas.
Honest não pensava só em Simple, ele pensava nos pais de Flora, em Caim, e Jacob e em todos na Reserva que sim, sofreriam muito com a morte de Flora. Esse era o papel de Honest no grupo deles, ele pesava as consequências, ele tomava as decisões. Candid não queria fazer ninguém sofrer, mas aquela situação já estava bagunçando o sentido do que era o melhor ou o pior a se fazer.
"Eu quis matá-la. Você deve saber disso e não tenho problema nenhum em admitir, Sim." Candid disse ninando Orchid.
Simple abriu os braços, Candid se levantou de sua cadeira foi até a dele, depositou Orchid em seu colo e se ajoelhou ante Simple.
As palavras do humano idoso daquela tribo do Alasca nunca fizeram tanto sentido quanto no momento em que seu irmão o encarou. 'Uma alma dividida em três' era o que o velho tinha dito e Candid viu aquilo nos olhos de seu irmão mais velho.
"É, você tem a coragem que falta a mim e a Hon. Se Flora morresse eu estaria livre. Ben, Halfpint, Jacob e Caim não sofreriam, ela faz parte deles, quando seu corpo morresse, eu acredito que a parte dela neles ficaria mais palpável."
"Assim como você tem total controle da parte de Adriel em ti, não é? Foi essa parte que despertou o corpo da fêmea presente." Candid disse, Simple sorriu.
"Sim, eu acredito que sim. Halfpint e Ben já perguntaram a Hon se Flora estava sofrendo, se havia a possibilidade dela estar presa em seu corpo. Graças a Romulus e Livie sabemos que não, que ela não está consciente, mas Ben disse que se algum dia isso mudar, que se ela estiver sofrendo sem que haja uma forma de libertá-la desse sofrimento, que ele irá exigir que ela se vá." Simple disse, Candid voltou a sua cadeira.
"No fim e ao cabo temos a prova de que Ben não é humano mais." Candid concluiu.
"Sim, isso é certo." Simple concordou.
Candid ponderou aquela informação, era algo digno de se anotar num dia cadernos deles.
"Já anotou?" Candid perguntou.
"Sim."
A resposta de Simple veio baixa, sussurrada. Todas as descobertas a cerca da essência dos Novas Espécies teriam sempre de acontecer por meio de tragédias? Ele se perguntou com o coração dolorido.
E a resposta veio tão dolorosa quanto a pergunta: 'sim.'
"Diferente do amor humano, nós somos desapegados. Nós somos capazes de nos despedirmos do amor de nossas vidas se isso significar o fim do sofrimento dessa pessoa. Somos capazes de deixar nosso amor ir embora para sempre, mesmo que isso nos machuque terrivelmente e ainda assim, nós permaneceremos vivos, sozinhos, é claro, mas vivos. Eu dizia que se ela morresse eu morreria e isso parecia tão certo! Mas agora que ela é apenas um barulhinho numa central de sobrevivência, eu continuo aqui. Eu ainda faço acordos, eu ainda arrisquei a vida de minha irmã e de minha sobrinha. Eu continuo sendo o escudo entre os nossos inimigos e esse lugar, eu ainda luto para que nosso povo não mude, não se contamine."
Candid deixou uma lágrima descer por seu rosto como se essa lágrima fosse de Simple, não dele, já que seu irmão falava com uma expressão vazia, sem emoção alguma em sua voz. Suas emoções estavam longe, seus olhos estavam talvez em outra dimensão e o distanciamento que às vezes Candid sentia de seu irmão bateu forte nele.
"Eu descobri que não importa que ela esteja numa cama ao meu lado, não importa se eu posso tocar sua pele, pentear seus lindos cabelos ou beijar suas mãos, Cam. Ela não está lá."
"Sim..."
"Ela não está lá e eu me pergunto onde eu estou. Por que será mesmo que eu estou aqui? Ou tudo não passa de um sonho e eu estou no quarto ao lado do dela, assim como Brian está?"
"Você está aqui, Sim. Está comigo e com Hon. Está com Caim, você e ele passam o dia limpando e tirando as coisas do lugar. Você ajudou a peste da Jewel, lembra? Usou as minhas anotações de quando eu fui ficar na casa do Tio Lash como castigo. Lembra do cheiro das cabras?" Candid tentou brincar, Simple não se moveu, seus olhos continuavam fixos no lago ao longe.
"Você salvou Daisy, atingiu a cúpula do Submundo onde mais dói, no dinheiro e na influência que eles tinham. Você ajudou aquele humano super aprimorado e aquela fêmea presente super inteligente. Você acabou de me ajudar a dar um corpo a Ann. Como pode achar que está sonhando? Você ainda tem ataques epiléticos, porra!"
Simple fechou os olhos, Candid tomou Orchid das mãos dele e a colocou em seu bercinho. Aquele berço vagava por toda a casa, dessa vez estava na varanda, Candid não sabia quem tinha colocado o berço lá.
"Então como eu ainda respiro, Cam?"
"Você mesmo acabou de se responder, você está lelé por acaso? Novas Espécies sempre vão colocar a vida de seu vínculo, ou filhote, ou mãe, ou pai, acima de seus desejos, acima de sua própria vida. Diferente dos inúmeros humanos que eu vi naqueles hospitais universitários que mesmo vendo seus parentes definharem numa cama, ainda assim continuavam esperando pelo impossível, sem se importarem com a dor que os pobres coitados estavam sentindo. Eles ficavam até o fim do lado de seus entes queridos, se negando a ouvir os gritos de misericórdia deles. Se negando a pensar no sofrimento que aquelas pessoas passavam naquelas camas. Nós não somos assim, Simple. Nós estamos além desse egoísmo. Nós vivemos o amor, mas não somos cegados por ele."
Candid disse tudo isso num fôlego só, quando parou de falar era como se não houvesse mais nada a se dizer.
"Então é isso que me aguarda, Cam? Esperar o dia em que Flora vai começar a sofrer como aconteceu com Hon? Não dá para usar Adriel mais. Eu não vejo mais saída, eu..."
"Você ainda tem o cheiro dela, Sim. É tudo o que te restou e eu sei que é pouco, mas se ela se for, não sobrará nem isso."
Simple se levantou, Candid também e o abraçou, seu irmão não o abraçou de volta.
"Moses teve um sonho enquanto estava sedado. Um sonho onde ele uivava de ódio e esse ódio era de mim, eu pude sentir em cada uivo que saiu de sua garganta."
"Peraí? Quando foi isso? Quando o Clone do Mal foi... Mas que porra!" Candid empurrou Simple para longe, Simple se recostou na grade da varanda.
Simple tinha ficado uns dias longe e não estava na clínica, mas como ele havia feito um acordo com Moses, Honest tinha decidido não seguí-lo. Um dia porém, Simple ligou para Candid e perguntou como alguém sedado e estabelecido em uma central de sobrevivência portátil poderia gritar ou chorar, Candid disse que era possível, já que o inconsciente poderia descobrir um jeito de superar a sedação e fazer com que o corpo sedado gritasse ou chorasse como uma forma de equibrar os níveis de estresse do corpo em questão. Simple tinha falado de vários assuntos nessa conversa, ele enrolou Candid direitinho, Candid não pensou que ele pudesse estar mantendo alguém numa CSP, quanto mais Moses!
"Se Moses foi sedado..." Candid disse, Simple acenou.
"Ele foi."
Mas que porra! Noah, aquele pau no cu!
"Eu não sei o que ele pretende, Cam, mas ele vai se vingar de mim, não de Noah. Ele quer fazer sofrer todos quanto ele puder e me atacar será mais efetivo que atacar Noah."
Enquanto Simple falava um calafrio percorreu a coluna de Candid e, mesmo ele não acreditando naquelas frescuras dos videntes, Candid pensou que deveriam fortalecer a segurança de Flora.



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