Flora morreu numa manhã ensolarada, Brian estava por perto, provavelmente foi o primeiro a sentir a morte de sua alma.
Ele estava deitado tomando sol, o gato que ele usava era um gato de uma menininha que mesmo pobre o mimava muito. Comida, carinhos e ainda a possibilidade de uma caçada ocasional nos fundos da casa, era o paraíso.
Talvez a vida que ele estava vivendo fosse exatamente o que os hindus acreditavam que aconteceria se reencarnassem no corpo de animais, daí tantos deles desejavam esse destino no pós morte e era uma pena que Brian não acreditava nisso, pois sim, seria o verdadeiro paraíso.
A clínica foi esvaziada, o pai de Brian foi o primeiro a agir e logo, até as casas, lojas e uma escola próximas estavam vazias, graças a Augustus que mesmo sem entender direito por que devia entrar nas mentes dos humanos e fazer com que saíssem correndo, largando o que faziam, obedeceu a ordem de Joe sem pestanejar.
Brian correu pelas ruas vazias, escalou o prédio da clínica e, no teto, se pôs a escutar.
As falas eram baixas, tão baixas que ele estava tendo dificuldade de acompanhar, ou talvez a atmosfera pesada que envolvia a clínica estivesse lhe debilitando, mas todo mundo que chegava ao local fazia a mesma pergunta:
"Onde está Simple?"
Brian não conseguia localizar Simple facilmente, a mente dele era densa e fechada demais, ficava totalmente encoberta no meio de todas as outras. Mas era a pergunta de milhões, então Brian se esforçou até sentir sua mente sendo sugada para um local desconhecido, escuro, frio e mal cheiroso.
"Brian, quanto tempo!"
Uma voz jovem disse, Brian olhou para o chão, um rato grande, sujo, com enormes dentes amarelos e olhos azuis brilhantes o encarava.
"Pólux?"
"Eu sabia que você iria aparecer, não consegue ficar longe, consegue?"
Não, ele não conseguia. Uma mente sempre estaria sujeita a suas experiências mais prazerosas e mesmo que fosse Patrick no comando de seu cérebro e corpo, Brian também foi envolvido pela aura magnética que cercava Flora.
"Você não devia estar triste? E, seu tio..."
"Simple está inacessível. Tio Joe está tentando conter a informação ao máximo, ninguém que sabe da morte dela está realmente triste."
Era o mesmo com Brian. Por que ele ainda não estava triste? Por que seu coração batia fortemente, no ritmo certo, seus olhos estavam secos e sua alma estava calma, até mesmo se sentindo...
"Está em paz, não é? Castor acha que é um último presente de Flora para nós. Eu já penso diferente, mas minha hipótese só traria mais merda a essa latrina, então não vou tocar nisso."
Brian procurou Patrick. Ele devia estar longe, mas os dois ainda estavam ligados, ele só teve de ser paciente. Pólux coçou a barriga suja do rato com os dentes também sujos, Brian queria sair dali, mas era inútil tentar, Pólux era poderoso demais para ele.
Patrick estava no país, é lógico, num corpo Nova Espécie feito especialmente para ele, canino, alto, forte e imponente.
Ele estava num quarto de hotel, daqueles hiper caros, seu corpo nu estava a frente de uma janela, na cama três mulheres descansavam, Brian bufou, Pólux guinchou e logo Patrick também estava no mesmo lugar nojento em que Pólux tinha trazido Brian. Ele estava em sua forma humana, seu corpo pequeno e magro era patético.
"Ela não morreu, não sabem disso?" Patrick disse enquanto piscava olhando a imundície do lugar onde Pólux os mantinha.
"Não é? Ela não pode morrer, vocês não são idiotas de pensarem que ela morreria, não..."
"Pare de falar 'não é' como um idiota, Patrick, ou o lugar vai ficar ainda mais nojento." Pólux o ameaçou.
"Mais nojento? É possível? E por falar nisso..." Pólux interrompeu Brian também e disse entre guinchos:
"Queria um bosque de flores? Vocês não merecem isso."
"Ela... Ela?" Patrick arregalou os olhos, Brian tapou o nariz, o cheiro era terrível, logo seu nariz estaria sangrando se continuasse ali.
"Sim, Patrick, Flora morreu." Pólux disse, os olhos do rato em que ele estava brilharam, o cheiro piorou.
"Por que me trouxe pra cá?" Patrick perguntou e nessa hora Brian percebeu o quanto ele era egoísta e desprezível. Flora tinha morrido, mas ele apenas se preocupava com sua própria bunda.
"Por que com ela morta, não há motivo para não castigar vocês."
"Você? Logo você quer nos castigar? Você não tem moral alguma para isso, 'Damien'." Patrick disse o outro nome de Pólux com deboche, mostrando que sabia muito bem quem Pólux era.
"Não sou Damien mais, Patrick, sou Pólux. Minha mãe permitiu que eu renascesse nesse corpo, meu pai também. Eu fui escolhido por eles, sou filho de seus corações e tanto eu quanto Castor iremos agarrar essa oportunidade pro resto de nossas vidas. Você poderia ter feito o mesmo, você foi implantado num corpo poderoso, teve acesso a uma parte de Adriel que estava na mente de Brian, mas você escolheu vingança e maldade."
Brian se sentou no chão, o barulhinho de ter se sentado sobre merda foi chocante num primeiro momento, mas seu nariz já sangrava, então foi irrelevante estar no meio de toda aquela nojeira.
"Vingança e maldade! Você manipulou Noah! O fez fazer coisas inimagináveis! Eu vi tudo! Eu..."
"Eu não nego meus crimes, Patrick. Isso é o que se chama segunda chance, é procurar expiar os pecados, recompensar àqueles que se fez mal. Eu e meu irmão sabemos que algumas coisas não poderão ser compensadas, sabemos disso."
O rato baixou a cabeça, Patrick limpou o sangue de seu nariz com a mão, ele estava nu, o que despertava até pena. Brian estava vestindo jeans e camiseta e tinha sua forma original, o poderoso corpo felino com que nasceu.
"E você se acha no direito de me punir. Ok, tudo bem, mas como vai fazer isso?"
Patrick disse sorrindo, ele tinha desistido de limpar o sangue de seu nariz e seus olhos verdes escuros estavam vermelhos. Ao sorrir, o sangue tingiu seus dentes retos, era uma visão bem aterrorizante.
O rato guinchou e o som foi cortante, Brian se encolheu tentando proteger os ouvidos, mas não era possível.
"Vai nos deixar aqui? Castigando nossos sentidos? Seria até um bom plano, mas você esqueceu de um detalhe. A parte de Adriel que havia em Brian e que eu absorvi é muito mais poderosa que você." Patrick disse, Brian abriu os olhos e o corpo pequeno e humano de Patrick começou a crescer até que ele voltasse a ter a aparência do corpo Nova Espécie o qual ele estava implantado.
"Sim, eu te dou isso, mas não é suficiente para saírem daqui. Adeus." O rato disse e sumiu, Brian olhou para Patrick e recebeu um olhar de nojo de volta.
"Vamos sair e depois iremos para a Reserva. Eu vou matar Damien com minhas próprias mãos." Ele disse e começou a andar pelo lugar, Brian se esticou e disse:
"Ele tem razão numa coisa. Não devíamos ter prejudicado Flora do jeito que fizemos. Ela não merecia." Brian disse se sentindo mal por tudo o que indiretamente fez a Simple e a Flora.
"Você perdeu sua irmã e eu perdi minha vida! Simple tinha de pagar!" Patrick disse um segundo antes de cair num poço. Ele saltou e Brian quis rir da sujeira em que ele saiu de lá.
"Mas Flora não."
Brian disse e aquelas simples palavras lhe doeram mais que seus olhos ardendo, seu nariz e ouvidos sangrando.
"Eu a quis, qual o problema? Ela também me quis."
"Não, não quis. Você a comandou, a usou como se ela fosse uma droga, você sugou toda a vida dela, a atraiu para um inferno de culpa, onde ela era feliz às custas do sofrimento de Simple. Ela apenas tentou tirar o melhor que podia."
"Cale a boca. Eu sei como sair daqui, só preciso de sua ajuda." Patrick disse, Brian ergueu as sobrancelhas. Não havia nenhum remorso, nenhum sentimento mais profundo nos olhos dele. Ele apenas estava frustrado por ter perdido um brinquedo valioso.
Brian se lembrou de quando o ensinou a prender Flora em suas palavras, que foi o início de tudo. Brian não se importou com Patrick usando seu corpo, Brian estava consumindo pelo ódio. Flora não teve nada a ver com a morte de Brienne, mas era a ferramenta principal para atingir Simple. Patrick a enganou usando a parte de Adriel na mente de Brian que o próprio Brian nunca quis desenvolver. Depois, ele usou Ananiya, mas isso aconteceu quando Flora já tinha perdido seu bebê, já tinham tirado Caim dela. Brian era culpado, muito culpado pelo sofrimento de Flora e de Simple.
Ele merecia perecer naquele inferno nauseabundo, ele merecia que sua pele se soltasse, que seu nariz se dissolvesse e seus ouvidos explodissem. E, é claro, Patrick também merecia.
"Isso é como aquelas salas de... Salas de fuga, ou algo assim. Adriel sempre gostou disso, eu desconfio que foi assim que Simple o prendeu. E se Adriel sabe como fazer, Damien deve ter aprendido com ele."
Brian ignorou Patrick pensando em Adriel. Quando tudo tinha começado? Quando ele percebeu que podia convencer quem ele quisesse, que podia fazer com que os outros sentissem dor ou prazer apenas apertando os olhos? E quando ele saiu de seu corpo e habitou outro? Muito cedo. No começo ele pensou que isso acontecia quando ele dormia, pensou que eram sonhos. Até perceber que não, que ele podia ficar dias no corpo de outra pessoa, vendo o que essa pessoa via, entido o sabor do que essa pessoa comia, sentindo até mesmo os orgasmos quando quem quer que ele habitasse fodia. Brian achou tudo muito assustador, então parou de explorar essas capacidades. E foi feliz na fazenda em que ele e Brienne moravam. Eles tinham tudo que qualquer um pudesse querer, pais amorosos, até avós, que, mesmo horrorizados com o fato de que os dois, Brian e Brienne, se amavam, ainda assim foram carinhosos e presentes.
Brian sorriu se lembrando de seu avô o perseguindo com uma correia na mão pela fazenda. Haviam muitos empregados, mas o avô de Brian insistia em perseguí-lo e quanto mais a correria o cansasse, mais Brian apanharia.
Até eles entrarem em contato com o pai deles, Brienne morrer, ele tentar o suicídio e implantarem Patrick em seu cérebro.
Aí sim, Brian se tornou dependente daquela parte, pois só assim ele pôde continuar existindo dentro de seu cérebro, bem escondido de Patrick. E ele foi cúmplice de Patrick em todas aquelas coisas, a prova disso é que se ligou a Flora também. Sim. Ele merecia o castigo.
"Não vou te ajudar. Iremos ficar aqui sem poder morrer, sem poder sair, somos culpados e merecemos isso." Brian disse.
"Não! Você não vê? Estão usando seu complexo de inferioridade contra você! Estão usando toda a rejeição que você acreditou ter sofrido, estão usando o fato de que você sempre quis ser aceito por seus pais biológicos, de que você sempre quis ter uma família."
"Eu tive uma família, idiota!" Brian gritou, Patrick riu.
"Uma família incestuosa. É, muito legal!"
Brian rugiu, sua família sempre o amou, sempre amou Brienne, mas ele ficava possesso quando lhe diziam que sua relação com Brienne era errada. Não era! Era amor puro e simples.
"Que tal sairmos e eu te der Brienne? Eu posso." Patrick disse, Brian ia suspirar, mas o cheiro era dolorosamente fétido, o som do guincho agudo do rato ainda reverberava em seus ouvidos, sua pele queimava. Um inferno de sentidos. É, era bem algo que Adriel poderia criar. E se Adriel criou, a resposta seria bem óbvia.
"Vamos sair ou não?" Patrick perguntou, ele se coçava agora, Brian também começou a se coçar, suas garras marcavam sua pele e se não saíssem logo, os dois começariam a arrancar suas peles.
Era apropriado, era merecido, então ele apenas sorriu para o rosto horrendo de Patrick.
Eles iriam acabar saindo, uma alma Nova Espécie não se entregava nunca, mas ele só ajudaria Patrick a escapar quando não houvesse mais como aguentar.
E aguentar sofrimento era algo Brian era um mestre. Ele era sobrinho de Simple afinal.
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FILHOTES - LIVRO 3
أدب الهواةQue tal não dizer o nome da protagonista dessa nossa nova história? Não vai demorar para saberem, mas até lá vou tentar escrever um pouquinho do dia a dia da Reserva, foi uma dica de uma leitora querida e sim, acho que vai ser divertido ver vocês te...