CAPÍTULO 41

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'O que é um peido para quem está cagado?' A frase nojenta que Candid às vezes falava parecia ter sido feita para aquele exato momento, Daisy pensou enquanto fingia que dormia.
Ao seu lado, de costas para ela, Moses também fingia dormir, o calor que vinha de seu corpo a abrasava. Daisy sentia sua excitação exalando e tinha certeza de que ele também sentia, então por que não encenar mais uma vez? Afinal, todo casal jovem Nova Espécie não se levantava da cama sem compartilhar sexo uma última vez, era muito natural, mas ele continuava de costas.
Uma batida na porta o fez se levantar e diferente de qualquer macho que ela conhecia, Moses pegou um lençol, enrolou na cintura e foi abrir a porta.
"Desculpa te incomodar, mas eu estou de partida, querido. Meus homens, posses e meu favor são para você. Volto no próximo mês."
Era o tal Theodore, tio dele. Ele estava apenas se despedindo, mas Moses pediu que ele esperasse, fechou a porta, vestiu uma calça e uma camisa, penteou os cabelos, tudo de forma apressada e saiu do quarto.
Daisy ouviu Theodore rir dizendo que Moses não precisava sair do quarto, que ele no lugar de Moses não sairia nunca da cama se tivesse uma mulher tão linda quanto Daisy, Moses retrucou que Daisy sempre estaria pronta para ele, o humano idoso riu mais alto.
Eles se afastaram, Daisy se levantou e tomou um banho de banheira, a água bem quente relaxou seus músculos doloridos. Como sempre acontecia quando ela tomava banho na banheira, sua filhotinha chutou, Daisy alisou sua barriga até ela se acalmar, Daisy suspirou.
O que mais lamentava nessa situação era simplesmente o ar inocente das interações entre as pessoas naquela casa. Theodore e Moses se despediram como tio e sobrinho fariam, ela e Moses passaram a noite juntos como um casal faria. No café todos comeriam e conversariam como qualquer família e convidados.
Mas as pessoas naquela casa estavam ali por motivos sinistros. Thea, Aruna e Safira eram prisioneiras. Daisy foi sequestrada e sua filhotinha poderia ser vendida. Samantha era uma puta do mal que tinha inúmeras mortes nas costas. Os humanos aprimorados pagaram fortunas para isso, Mckay tinha aperfeiçoado os Chips e por isso, os corpos dos Novas Espécies passaram a ser roupas, como a própria Samantha disse do corpo de Mariah. Não era uma feliz reunião de sócios de uma empresa, era uma reunião das piores almas que ela já tivesse conhecido. E ela estava a mercê desses filhos da puta!
Daisy saiu do banheiro e a fêmea Canina estava esperando num canto com uma escova nas mãos. Um vestido muito bonito estava esticado na cama e sandálias baixas estavam no chão.
A fêmea sorriu seu sorriso servil, Daisy sorriu de volta. Se aquela situação era sinistra, no caso de Daisy não se mostrar submissa e não fingisse estar apaixonada, a situação passaria a ser tenebrosa. Não haveriam cafés da manhã em mesas cheias de comida mais. Em lugar disso, Daisy seria jogada num quarto, teria sua filhotinha sozinha e ela seria tomada de Daisy, isso no melhor dos prospectos. No pior...
Uma imagem de Daisy acorrentada numa mesa de madeira com alguém cortando sua barriga com uma faca e retirando sua filhotinha apareceu na mente de Daisy com tanta nitidez que ela começou a gritar. Seus gritos feriram seus ouvidos, Daisy se ajoelhou em agonia até que mãos geladas lhe tocaram o rosto e o desespero foi tirado dela.
"Chiiiii..." Daisy abriu os olhos e os olhos cegos de Thea foram a primeira coisa que ela viu.
"Está tudo bem. Você está bem, sua filhinha está bem. Calma." Thea disse, Daisy a abraçou e chorou por alguns minutos, mas Thea a fez se levantar.
"Chorar é um luxo que não temos, Daisy." Daisy engoliu em seco e enxugou seu rosto. Thea foi até a fêmea canina, a fêmea fez que sim com a cabeça, Thea a socou no rosto várias vezes, Daisy arregalou os olhos.
A porta foi aberta, Samantha e um outro humano entraram no quarto.
"O que está acontecendo?" Samantha perguntou, Thea se esticou e respondeu:
"Dois Quatro Sete cometeu um erro e foi castigada. Vá para a sala de Jantar, senhora, um delicioso desjejum está sendo servido." Daisy se virou para a cama e começou a se vestir com as mãos trêmulas, a fêmea canina a ajudou a terminar de se arrumar. Samantha não saiu do quarto, Moses apareceu na porta do quarto e perguntou:
"Eu ouvi gritos, o que foi?"
"Elas dizem que não foi nada, mas..." Moses não deixou Samantha terminar:
"Então não foi nada. Venha, vamos para a sala de Jantar." Ele pegou delicadamente no cotovelo de Samantha, ela teve de sair do quarto.
Não passou despercebido a Daisy que Moses não olhou para ela nenhuma vez, isso a confundiu.
Não foi diferente na sala de Jantar. Moses foi educado com todos, mas nem dirigiu a palavra a Daisy, ela comeu em silêncio sem dizer nada, a atmosfera estava diferente.
Depois do café da manhã, as pessoas se dispersaram, Daisy foi para o jardim. Ela inspirou o cheiro delicioso das flores e só então conseguiu acalmar seu coração. Foi só uma imagem mental criada por seu medo. Não foi...
"Isso é bem comum, sabia?" Thea se sentou ao lado dela.
"O quê? Gritar como uma louca sem motivo algum?"
"Você teve uma visão. Uma bem aterrorizante, pelos seus gritos." Thea disse naquele seu tom impessoal.
"Do futuro?" Daisy perguntou com os olhos arregalados, Thea deu de ombros.
"Talvez. Provavelmente. Sua filha é especial e vocês estão ligadas."
"Eu estava numa mesa e um humano abria minha barriga com uma faca."
"É. Deve ser o futuro. Ou uma probabilidade. Você e Moses precisam ser mais convincentes."
"Mas nós..." Daisy disse e Thea torceu a boca.
"Não estou falando de terem dormido juntos. Ninguém acredita que do nada você virou as costas ao seu povo."
"Mas..."
"Pare de ficar dizendo 'mas'. Isso te faz parecer uma idiota." Thea observou.
"O que devo fazer?"
"Samantha vai providenciar algum teste, não se preocupe." Ela disse com um sorriso cruel no rosto.
Daisy tinha dificuldade de entender Thea. Às vezes ela a ajudava como quando Daisy chorou de manhã, outras ela parecia ter ódio de Daisy. Não, Daisy pensou, não era bem ódio, mas não era um sentimento bom.
"Acha que ela vai me obrigar a fazer alguma coisa ruim?"
"Talvez. Ou fazer algo ruim na sua frente para observar sua reação." Thea disse e foi até uma grande touceira de hortênsias. Ela fechou os olhos e aproximou o rosto de uma flor.
"Qual o seu real interesse, Thea? Você poderia me ajudar a fugir e iríamos para a Reserva. Seu irmão, sua cunhada e seus sobrinhos estão lá. Eles se parecem com Safira, sabia? Têm os olhos verdes, a pele negra e linda como a dela e cachinhos coloridos."
Thea sorriu, Daisy sentiu uma onda de desconforto.
"Eu não posso estar em meio a muitas pessoas, Daisy. Eu mudo a atmosfera dos lugares e lá parece ser um lugar alegre, vivo, cheio de solidariedade e amor ao próximo. Não posso acabar com isso. Aqui, há uma interferência do que eu emano, isso me ajuda a controlar, ajuda a não interferir na atmosfera de um lugar. Estou presa a esse pedaço de chão ou a outros como esse, Daisy."
Daisy se lembrou de Flora, de seu afastamento, do deslumbramento dos machos e perguntou:
"Você está me dizendo que Flora controla melhor que você?"
"Flora! Flora é uma bomba relógio, Daisy. Ela tinha a ilusão de controle, ela parecia ser normal, assim como Livie parece normal, como os videntes parecem normais, como os telepatas..." Daisy a cortou com um sussurro:
"Simple nunca foi 'normal'. Nunca."
"Exato. Ele abraçou o que recebeu, aperfeiçoou e usou para o bem dos outros. Mas não somos todos iguais, Simple pode estar no meio de todo mundo, pode interagir, pode amar seu povo e ser amado por eles, eu não."
Daisy balançou a cabeça se lembrando de Simple dormindo enrolado nos lençóis banhados em valeriana. No custo que devia ser para ele ficar ao lado de alguém sem tomar banho, no meio dos humanos que faziam sexo e não percebiam o cheiro de esperma ou de fluídos vaginais. Do cheiro de excitação das fêmeas no cio e por aí em diante.
"Não é bem assim. Simple também tem dificuldades que nós não temos."
Thea assentiu e se refugiou em seu mundo. Seus olhos cegos até pareceram ficar mais claros.
Daisy sentiu paz, sentiu que enquanto ela estivesse ali nenhuma ameaça poderia tocá-la. Ela fechou os olhos por alguns minutos e quando os abriu, estava sentada numa enorme mesa, havia muita comida e risos, sua família e a do Tio V ocupavam os assentos. Todos, desde a pequenina Isis de Violet, até o Tio Dusky e a vovó Ann. Daisy olhou para a esquerda e Moses ninava a filhotinha deles, Daisy estendeu as mãos para pegá-la, ela fez o que muitos filhotinhos faziam que foi se agarrar nos cabelos de seu pai. Daisy riu e sua risada foi acompanhada por alguém que não estava na mesa.
"Visões, não é? Eu sabia!" Daisy abriu os olhos de uma vez e o rosto bonito de Mariah estava bem próximo do dela. Onde estava Thea?
"Thea entrou. Eu fiquei aqui para te fazer companhia." Samantha a informou.
"Eu cochilei, estava sonhando, não tendo uma visão." Daisy disse, mas Samantha sorriu seu sorriso odioso.
"Eu já estava na mente de Ann quando a inceminaram com o embrião que se tornou Livie. Eu podia entrar na mente das pessoas, não de uma forma deliberada, mas eu podia. Sua filha será poderosa, Daisy. É por isso que eu  mesmo vou criá-la." Ela disse isso como se estivesse falando do tempo, com tanta certeza que Daisy se levantou e rosnou.
"'Não existe almoço grátis.' Já ouviu essa expressão humana? Quer dizer que haverá um preço a se pagar para que você e Moses continuem vivendo nesse paraíso."
"Ninguém vai tirar a minha filhotinha de mim." Daisy disse se abaixando e ficando em posição de combate.
Samantha apenas riu. Começou com uma risadinha leve, daquelas que as pessoas tentam conter mas falham, depois uma risada totalmente aberta e quando ela gargalhava, Daisy a pegou pelo pescoço.
Ela arregalou os olhos, Daisy a encarou e lhe torceu o pescoço. Quando o corpo caiu ao chão, Daisy se esticou, pronta para matar quem viesse castigá-la por isso, mas quem se aproximou pela direita andando calmamente foi Samantha.
O queixo de Daisy caiu, ela encarou os olhos cinzas, havia um brilho divertido ali, mas a expressão era séria, carrancuda.
Daisy olhou para o chão, para o corpo e não era Samantha ali, não era o corpo de Mariah. Era uma fêmea humana desconhecida.
"Eu disse que você estava fingindo. Bom, venha, vamos conversar com Moses."
Samantha segurou o braço de Daisy e Daisy estava tão confusa que se deixou levar. Quem seria aquela humana?"
No escritório, Moses lia uma folha de uma pilha de papéis, ele não levantou os olhos quando Samantha e Daisy entraram e fecharam a porta.
"Daisy tentou matá-la, mas como tudo era uma ilusão de Aruna, uma das funcionárias morreu. Meu pai sabia disso. Eu até desenhei." Ele disse ignorando tanto Samantha quanto Daisy. Dez, que estava sentado num canto se levantou foi até uma estante, retirou uma pasta e dessa pasta retirou um desenho e o estendeu a Samantha.
Samantha rasgou o papel, Moses a encarou e o desprezo nos olhos dele que incomodou muito a Daisy, não surtiu efeito nenhum com Samantha.
"Seus desenhos não têm valor mais, Moses. Daisy me mataria se fosse eu ali."
"E como infelizmente isso não aconteceu, já que não era você, não há crime." Ele disse.
Crime? Todos eram criminosos ali, como matar... Daisy engoliu em seco e baniu esse pensamento. Não precisava ter a inteligência de Simple para saber que devia ser proibido qualquer agressão entre os membros daquele grupo. Samantha era uma das líderes, agredí-la, ou matá-la devia ser um crime muito grave para eles.
"Mas a intenção conta." Samantha retrucou.
"Você nunca teve intenção de me matar? Ou de matar meu pai? Eu tive uma visão de você desligando os aparelhos que o mantinham vivo a anos atrás. Mostre a ela, Dez, por favor."
Dez retirou outro desenho da pasta e entregou a Samantha. Era exatamente Samantha, no corpo de Mariah apertando um botão de um equipamento médico.
"Seu 'pai' não está aqui para atestar essa assinatura e data. Esse desenho pode ter sido feito hoje de manhã. Isso não é suficiente para me afastar do quarto onde ele está. Eu sou..."
"Meu tio proibiu a sua entrada." Moses disse.
"Seu tio é humano, pode ser manipulado! Aruna pode fazer com que ele veja Oswald conversando e rindo naquela cama, quanto mais fazer com que ouçamos seu coração batendo, ou o sangue circulando! Eu exijo..."
Daisy pensou no que Samantha estava dizendo e concluiu que ela poderia ter algum tipo de resistência a ilusão de Aruna e se ela entrasse no quarto, saberia que Oswald, o todo poderoso do Submundo estava morto.
"Você não tem poder para exigir nada. Suas experiências não tiveram êxito algum, Adriel não pode ser encontrado e mesmo que seja encontrado, suas partes não poderiam ser resgatadas. Bishop continua preso no chip em poder de Candid, McKay trabalha pra quem pagar mais e você não tem mais dinheiro que eu. Você acabou, Samantha Nash. Você nunca irá morrer enquanto os Chips existirem, te dou isso, mas sua vida está fadada a ser um ser abjeto que é recebida nas altas rodas apenas como entretenimento." Moses disse, cada palavra saía de sua boca depois de uma torção nos lábios bonitos, como se fosse um esforço gastar tempo e saliva com Samantha. Daisy quase teve pena, quase.
"Ok. Deixando o crime de assassinar um membro da Cúpula, há o de não querer entregar a criança. Essa criança já foi destinada a mim, custou meu apoio incondicional. Ela diz que...
"Daisy vai obedecer o que eu disser. Mas eu ainda não tinha dito o que faria com a criança. Você, como sempre, foi uma puta desbocada e sem tato. Eu ainda não decidi se vou honrar o acordo ou não."
Daisy se virou para ele, Moses não a encarou, muito pelo contrário, continuou com seus olhos frios nos olhos de Samantha, como se Daisy não fosse importante para ele ou sua posição nesse assunto não tivesse relevância.
"Você tem de..."
"Existe honra entre nós? Se existe eu nunca vi. Você pode exigir honra da minha parte? Logo você?" Ele começou a rir, o Quimera riu também.
"Se não cumprir o acordo, sua posição pode..."
"Não, não pode. Você tem certeza que ficar mudando de cérebro não te prejudicou intelectualmente? Eu vejo o futuro, idiota! Cada passo meu é medido, calculado e antecipado em anos! Se eu vir que posso deixar Daisy com sua cria, vou deixar. Se não puder, ela saberá que..."
"Se me afastar da minha filhotinha, eu vou morrer, Moses. E vou levar quantos eu puder comigo." Daisy disse se esticando. De repente ela se sentiu cansada daquela conversa. Ela não queria entender nem participar daquele jogo indigno que eles jogavam.
"Ninguém está dizendo que você precisa gostar se sua filha for tirada de você, Amor. Eu vou assumir sua raiva, sua ira e me responsabilizar por isso. Não espero que você aceite também. Mas como eu disse, nada está decidido, ok?" Moses disse para Daisy, os olhos frios e as palavras supostamente carinhosas não combinavam em nada.
"Sabe, Daisy? Eu invejei você naquele jantar. Você estava linda, jovem, forte, grávida e apaixonada, coisas que eu nunca tive, mas agora eu vejo que aquilo era só uma fachada. Moses nunca vai te amar, ele não é capaz disso. Se não receber sua filhote, pelo menos vou saber que ela e você serão posses e apenas isso para o resto de suas vidas. É, dá pra me sentir vingada." Ela disse e saiu do escritório, Daisy olhou para Moses, ele tinha voltado a se sentar e a ler seus papéis.
Daisy voltou a seu quarto e quando ela se deitou notou que tinham mudado os lençóis, mas o cheiro do que ela e Moses passaram a noite fazendo ainda estava no ar. Ela teve vergonha por deixar que ele a tocasse, mesmo sabendo que qualquer deslize da parte dela significaria sua morte e a de sua filhotinha.
Daisy socou o colchão sentindo raiva por estar desejando aquele idiota quando acordou.
Depois de algumas horas, a fêmea canina veio ajudar Daisy a se vestir para o jantar. Daisy quase trancou a porta e disse que não iria, mas ela tinha de permanecer forte, ela tinha de enfrentar aqueles humanos nojentos, então aguentou firme enquanto a fêmea canina a ajudava a vestir um lindo vestido de seda e sandálias baixas. A fêmea ainda a penteou e lhe colocou um colar de rubis, um pulseira e brincos combinando antes de abrir a porta para que Daisy passasse.
A sala estava lotada, haviam vários humanos desconhecidos naquela noite, Daisy trancou os dentes e deixou Moses lhe segurar pelo braço. O simples toque a queimou e ela se desprezou por sentir aquele calor.
"Bom, aqui está a prova de que eu não quero dividir minha esposa com vocês essa noite. Ela se preparou exclusivamente para mim, eu não posso negar a ela essa simples gentileza, não acham?" Alguns humanos sorriram mostrando suas presas, mostrando que eram aprimorados, outros bateram palmas mostrando o quão idiotas eram e alguns ergueram suas taças num brinde, esses eram os mais ricos e poderosos, claro.
"Então, com licença." Moses disse e guiou Daisy para fora da casa.
Eles passaram pelas porta de vidro, atravessaram o jardim e um carro os esperava. Entraram no carro e foram levados até um chalé onde Dez estava a porta. Daisy saiu do carro admirada pela beleza rústica do chalé e seu tamanho. Quando passou pela porta, ela arfou, era como estar numa casa na Reserva!
"Como você... Ah, deixa pra lá. Você tem visões." Ela disse.
"Moses vê." Dez disse atrás dela, ela se virou e sorriu para ele, ele sorriu de volta.
Daisy não conseguia ficar com raiva de Dez mesmo ele sendo um capacho de Moses, já que Quimeras obedeciam, para o bem o para o mal. A essência doce de uma Quimera transparecia nos olhos azuis de Dez e isso era suficiente para Daisy.
"Obrigado, Dez." Moses disse dispensando o Quimera, Dez saiu da casa, mas não se afastou muito, Daisy o ouviu se sentar a uma boa distância da casa.
"Ele vai passar a noite lá fora?" Daisy perguntou, Moses não respondeu.
"Venha, o quarto é aqui."
Ele disse e atravessou a sala, Daisy o seguiu.
Moses abriu a porta, Daisy arfou pela segunda vez naquela noite. Um quarto de bebê! Havia até o painel desenhado!
"Esse berço foi feito por Bells. As bonecas são de Ann, os armários foram feitos por Silent. Dá pra comprar na internet se você for paciente."
"E o painel?" Ela perguntou, ele deu de ombros.
"Eu sei desenhar."
"Quando você fez tudo isso?"
"Isso importa?" Ele perguntou pegando uma boneca de pano.
Não, não importava. Ele viu que teria uma filhotinha e decorou um quarto, não era nada demais para alguém como ele.
Daisy pegou uma boneca de pano e sentiu o cheiro da vovó Ann, ainda era possível de...
"Por que..." Ela tomou a boneca que estava nas mãos dele e era a mesma coisa, ainda era possível sentir o cheiro da vovó Ann na boneca.
"Não tem muito tempo que chegou. Ela vende poucas e demora muito." Ele disse.
Daisy examinou as bonecas, uma onda de saudade grande a tomou, mas seu instinto dizia que alguma coisa não estava certa. Era perfeitamente possível que as bonecas mantivessem o cheiro da vovó Ann já que foram feitas a mão e a vovó as fazia devagar, ela não tinha pressa, dizia que as coisas feitas com o coração não deviam ser feitas de qualquer jeito, que tinham de ficar o mais perfeitas possível. Mas era como se aquelas bonecas tivessem acabado de serem feitas.
"Parece que vieram diretamente das mãos dela para cá." Daisy disse.
"O que achou do berço?" Ele perguntou mudando de assunto, Daisy sorriu, era impossível não sorrir ou se emocionar ante a um dos berços de...
"Esse berço foi feito por Tree. Ele ainda está decidindo se vai seguir seu coração e fazer móveis ou se vai continuar sendo o faz tudo de Jewel. Ela quer que ele trilhe o caminho do dinheiro, como Albert Turner diz."
"Na nota fiscal diz que foi feito por Bells."
"Você não viu isso? sério?"
"Eu vi o berço." Ele deu de ombros.
"Se você tocar o berço, você não é capaz de ver o passado? Não é isso que significa quando dizem 'Moses vê'?"
Ele sorriu com o tom de deboche que Daisy usou quando ela disse 'Moses vê', Daisy acabou rindo e imediatamente calando a boca e se virando para o painel.
"Não é assim que funciona. Tree deve se parecer muito com Bells, ou não?"
Daisy se virou e assentiu. É claro! Se ele viu Tree fazendo o berço e como Tree era uma cópia de Bells, não haveria como saber quem fez o berço.
"É. Ele se parece muito com Bells. Fortune tem o rosto mais delicado como o de Michelle, mas ainda assim eles são muito parecidos com Bells."
"Fortune é o mais novo, não é? E Bells é venenoso."
"Sim."
"Michelle deve estar com seu DNA mais modificado que as outras e por isso Fortune tem alguma semelhança com ela. Viperinos mudam o DNA de seus parceiros mais rapidamente que as outras espécies."
"Michelle pode ficar venenosa?" Daisy perguntou.
"Ela já deve ser, mas como não tem presas e nem motivos para morder ninguém, talvez ela nunca saiba disso."
Daisy sorriu.
Michelle! Eles zoaram tanto James com a fêmea da lanchonete! Ele realmente gostou dela, tanto que fazia qualquer coisa que pedissem para que fossem comer na tal lanchonete.
Moses saiu do quarto, Daisy o seguiu e entraram em outro quarto, esse com uma enorme cama de casal.
"Não dá pra nos ouvirem daqui, não precisamos dormir juntos." Ela observou.
Moses sorriu seu sorriso predador, ela se molhou toda, ele inspirou audivelmente.
"Não precisamos, mas você quer."
"É só o meu corpo, é uma reação mecânica." Ela disse andando para trás enquanto ele andava até ela.
"Te desejar não muda o que eu acho de você, eu..." Ele colocou um dedo sobre os lábios dela, ela se calou.
"Eu te trouxe aqui por que tenho uma proposta. Um acordo." Moses disse se afastando.
"Diga."
"Vovó Ann. Eu sei como fazer com que ela e Quarenta e Dois se separem. E tenho um corpo para Ann."
Daisy abriu a boca e se esqueceu de fechar. Tudo o que todo mundo queria era que a situação da vovó Ann fosse resolvida.
"O que quer em troca?" Daisy não iria duvidar dele.
"Que você abra seu coração para mim."
Daisy ergueu as sobrancelhas. Como fazer aquilo? Como esquecer quem ele era, como esquecer o mal que ele fazia?
"O coração não é uma caixa que abrimos e fechamos de qualquer jeito." Ela disse.
"Eu sei. O que estou propondo é que não se afaste. Que me deixe tocá-la, que me beije. Que deixe seu corpo me receber, que não resista a tal reação mecânica que você mesmo disse."
"Só isso?" Daisy tripudiou.
"Sim, apenas isso." Ele disse sorrindo. Daisy o olhou nos olhos enquanto ele voltava a se aproximar e lhe tocava os lábios.
"E como vai saber que eu não estou fingindo que você é Rom? Ou não se importa com isso?" Daisy perguntou.
"Talvez isso aconteça no início, mas será apenas no início. Logo você não terá mais lembrança dele ou de nenhum outro, só de mim."
Moses enfiou o dedo indicador na boca dela, ela acabou lhe chupando o dedo, tinha um leve gosto de morango.
Uma visão dele na cozinha mexendo uma panela lhe veio, ela piscou.
"Você fez o recheio da torta de morango do almoço?"
Ele não respondeu, ao invés disso ergueu uma sobrancelha.
"Sua resposta?" Ele exigiu com voz leve, mas Daisy viu o fogo nos olhos gelados, um fogo que ela tinha certeza que a consumiria se ela dissesse sim.



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