CAPÍTULO 36

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Faith viu o filhote mais velho de Paul bem pertinho da jaula do Canguru e correu para avisar que ele não devia chegar tão perto, quando o Canguru se aproximou da jaula e, contrariando tudo o que todo mundo dizia, apenas ficou parado olhando para Silas. Faith tinha corrido e quando ela parou fez barulho, mas nem o Canguru, nem o filhote deram a entender que a perceberam ali.
Silas esticou a mão e tocou o focinho do Canguru através da grade, o animal fechou os olhos e aceitou o carinho, o queixo de Faith caiu.
"Não é possível ir embora, não é? Você morreria, não nasceu para viver nesse continente, nem teria família e amigos para te fazerem companhia. Eu sinto muito. Mesmo." Silas colocou o rosto por entre as grades, o Canguru fez o mesmo.
Faith fez um som com a garganta, o Canguru se assustou e correu para o fundo da jaula.
"Eu virei outras vezes." Silas disse para a jaula, acenou para Faith e saiu andando.
"Ei! Isso foi muito perigoso!" Faith disse, Silas parou e se voltou para ela.
"Não foi não. Ele não sentiu meu cheiro, isso o intrigou. Quando se aproximou, sentiu cheiro de algo que ele gosta e eu o encarei com carinho e respeito. Somos amigos agora. Acho que é uma boa mudança, já que para os outros ele é só uma atração." Ele disse se esticando.
Ele cheirava a lápis de cor. Faith entendeu o Canguru, já que mesmo não sendo uma boa desenhista, ela adorava lápis de cor novos. E mesmo tendo pouco mais que a metade da idade dela ele era tão alto que tinham o mesmo tamanho, seu olhar era inteligente, o que os colocou em pé igualdade. Ele era diferente dos outros filhotes e Faith quis conversar com ele.
"Ele não é uma atração. Ele chegou aqui bem novinho, demorou muito para papai considerá-lo apto para uma jaula."
"Antes da jaula, onde ele ficava?"
"Numa outra jaula, das que não há acesso aos moradores, só nosso, dos trabalhadores."
Ele assentiu.
"Jaulas. Jaulas por toda parte. Meu avô disse que podemos sair, mas continua sendo uma jaula." Ele disse baixinho, estava falando para si mesmo.
"Você está chamando a Reserva de jaula? Esses muros nos protegem dos humanos de fora, não protegem os humanos de nós, devia considerar isso. Atualmente temos o tamanho de três cidades de médio porte. Isso não pode ser considerado uma jaula." Faith disse, ele a encarou com as sobrancelhas negras erguidas, a beleza dele a atingiu, Faith deu um passo para trás.
"Se você diz..." Ele acenou uma despedida e ia saindo quando correu para Faith e tapou a boca dela a abraçando por trás. Faith tentou se soltar, mas ele era muito forte, ela ia morder a mão dele quando seu amigo Boon passou andando pisando duro e Jewel correu até ele e lhe puxou um braço. Ele se virou, Faith arregalou os olhos, pois os dois estavam muito próximos dela e de Silas, mas pareceram não tê-los visto.
"Achou que ia declarar que ia me beijar e eu não ia contra atacar? Pensei que me conhecesse! E eu cumpri minha parte, te... Te beijei." Jewel disse se esticando toda, algo bem inútil já que Boon era maior que o pai de Faith.
"Os queijos estão na caminhonete, Bebê do Pôr do Sol. Eu também cumpri minha parte, não entendo por que está aqui. Vá embora."
"Eu não fiz de propósito. Tio Al apareceu do nada. Eu vou conversar com ele." Jewel disse e havia pesar nos olhos dela.
"Faça como achar melhor. Agora vá." Boon disse e deu as costas para Jewel, Faith teve pena de sua amiga. Boon era grande e largo, dar as costas a ela era uma grande forma de fazer pouco caso, de desprezá-la.
"Eu vou te pagar, você vai ganhar um bom dinheiro."
"Vá, Bebê do Pôr do Sol. Vá embora." Boon disse ainda de costas.
"Você me chama assim por se sentir atraído, excitado. Faz isso para tentar esquecer que eu sou uma fêmea adulta. Faz isso para fugir do que sente por mim." Jewel disse e sim, havia uma tensão sexual no ar. Silas afastou seu corpo do de Faith, um pouco tarde demais na opinião dela, mas ela se sentiu melhor quando ele fez isso.
"Eu sinto isso por qualquer uma. Não fico isolado nas terras do meu pai por ser anti social." Ele disse e se virou, a ereção dele quase rasgava sua calça jeans, uma bonita calça nova, de lavagem clara. Ele usava uma camisa também jeans, tinha prendido os cabelos castanhos e feito a barba. Estava 'lindo de morrer', que era como a avó de Faith costumava chamar os filhotes dali.
"Eu sei disso. Não sou especial para você. Nem quero." Jewel disse erguendo o queixo.
Boon se aproximou mais dela, Faith quis limpar a garganta, mostrar que estavam ali, mas Silas continuava tapando sua boca e eles pareciam não estar vendo-os.
"É claro que não quer. O que você ganha com isso, não é? Já tem um ótimo estoque de queijos. Já tem tudo o que quer. Devia ir embora. Não sei por que continua aqui."
"Estou aqui porque..." Jewel não terminou, ela não sabia o que dizer. Faith nunca viu Jewel ficar sem palavras.
"Com licença?" Silas disse, Boon e Jewel se assustaram.
"Nos perdoem, por favor. Estávamos aqui e meu instinto me fez nos ocultar, isso é uma coisa automática, eu não fiz por mal, mas temos de ir. Vem, menina." Silas disse, pegou a mão de Faith e saiu andando com ela. Boon e Jewel pareciam em choque.
Silas e Faith correram, Faith tomou o caminho de sua casa, Silas a seguiu. Jonathan limpava as rodas de seu jipe na frente da entrada e quando viu Silas com Faith se ergueu em toda a sua altura, Silas se esticou também.
"Boa tarde, senhor. Sou Silas." Jonathan ergueu uma sobrancelha, Faith decidiu não dizer nada.
"Eu sou Jonathan. Irmão de Faith. O que estavam fazendo e onde estavam?"
"Nós encontramos no meio do caminho." Faith disse, Jonathan ergueu uma sobrancelha, ela o encarou. Quem ele pensava que era para querer tirar satisfações dos atos de Faith?
"Vem, acho que não conheceu meu pai, ou minha mãe." Faith pegou na mão dele de novo e o arrastou para dentro de sua casa.
Seu pai estava abraçando a sua mãe pelas costas, Faith suspirou, eles se separaram, sua mãe deu um sorriso amarelo para eles, seu pai fechou a cara.
"Não tinha ido passear?" Ele perguntou.
"Silas estava conversando com o Canguru, isso foi muito estranho e..."
"Conversando? Você fala com os animais?" A mãe de Faith perguntou com os olhos arregalados.
"Não. Animais não falam." Silas disse.
"É. Eu sei. Quer dizer, os caninos do Alasca juram que falavam de alguma forma com os lobos. O lobo de Tiberius parece muito humano pra mim. Enfim... Estou assando bolo de carne." Jocelyn apontou para os vários tabuleiros em cima da bancada.
"Eu preciso conversar com Silas. Quando terminarmos os bolos já estarão assados. Por aqui." Faith disse pegando novamente na mão de Silas e o guiando para o corredor dos quartos.
O pai dela limpou a garganta, Faith ignorou, Silas também não pareceu se importar.
"Faith querida, conversem na sala." O pai dela disse.
"Não, é algo sigiloso, pai. E você não está insinuando que não confia em mim, né? Silas tem metade da minha idade."
" É sério? Nossa ele é muito grande então! Tem o tamanho de..." A mãe de Faith observou.
"Exato, ele é muito grande. Por isso vão conversar na sala."
"Na verdade, eu tenho de..."
"Eu preciso conversar com você, então venha comigo." Faith disse apertando a mão de Silas quando ele tentou soltar sua mão da dela.
"Cris! Fique no quarto com eles." O pai de Faith disse, Cris apareceu na sala com um sorriso debochado no rosto.
Faith não disse nada e guiou Silas para o quarto dela, assim que entraram, Silas se aproximou do painel que John tinha pintado antes de Faith nascer e tocou na parede.
Faith pegou seu celular, mandou uma mensagem para Milly, logo o pai dela saia de casa dizendo que Hush precisava dele e mandando a mãe de Faith vigiar o quarto.
"Sai." Faith disse para Cris, Cris sorriu e estendeu a mão.
"Você ainda me deve, então pode me pagar vinte dólares e ficamos quites." Ele disse.
"Que tal eu não socar a sua cara vinte vezes?" Faith perguntou, Cris abriu as ventas do nariz, pronto a gritar a mãe deles, mas ele era encapetado demais para perder a oportunidade de chantagear Faith depois.
Silas porém, tirou uma nota de vinte dólares e entregou para Cris, Cris pulou a janela e sumiu de vista.
"Não devia ter feito isso."
"Eu sou muito curioso, essa é a minha fraqueza. E eu ganhei esse dinheiro do meu avô. Já tem um tempo que estou com essa nota no bolso, não me deixam pagar por nada aqui."
"Aproveite. Quando crescer terá de trabalhar. Eu sinto saudade do tempo em que nem sabia o valor do dinheiro direito."
"Eu já sou grande. E sei o valor do dinheiro."
"Que seja, o dinheiro era seu mesmo. Bom..." Faith estava falando, mas Silas voltou a tocar na parede. Ele até encostou a testa numa gatinha do desenho.
"Foi seu Tio que fez."
"Tio John." Ele disse as palavras com tanto respeito que Faith se aproximou e tocou também o desenho.
"Eu ainda não tinha nascido. É meio que uma tradição. Ele gosta muito de fazer isso. No quarto de Leonel há um quadro, no de Cris, John desenhou em todas as quatro paredes.
"Ele gosta muito do seu pai e ama muito vocês. Esse é o seu lugar preferido no mundo?" Ele perguntou para Faith lhe cravando os olhos azuis nos dela, Faith não teve resposta imediata.
"É... Não sei. Acho que..."
"Não. Tudo bem, você cresceu e talvez não entenda o que sente aqui, ou não vê diferença da atmosfera daqui para a atmosfera do resto da casa. Pra mim, esse quarto é..." Ele abriu um lindo sorriso e se virou para as prateleiras. Faith o observava, diferente de seus irmãos que só vestiam bermudas e tudo bem, pois tinham pouco mais de três anos, Silas usava roupas simples mas muito bem acertadas em seu corpo. Nada de conjuntos de moletons surrados e folgados como o que Faith vestia. Ele usava uma camisa azul e uma calça preta. Os cabelos estavam amarrados na nuca, os cachos negros e brilhantes mesmo amarrados iam até sua cintura.
Ele pegou uma das bonecas dela e passou o dedo por todos os detalhes das costuras.
"Redenção. Procurada fervorosamente. Cada ponto dessa boneca está repleto de um grande desejo de aceitação e de perdão." Ele disse e uma lágrima rolou do canto de seu olho esquerdo.
"Foram dias de costura, pontos minúsculos, dor nos dedos e muito, mas muito amor empregado. Eu nunca..." Ele olhou em volta.
Faith sentiu uma lágrima descer por seu próprio rosto e isso a surpreendeu muito. Aquelas bonecas lhe traziam alegria, eram preciosas, mas só.
"Ela morreu?" Ele perguntou com os olhos bem abertos.
"Você sente tudo isso só pegando nessa boneca?" Faith lhe perguntou.
"Você não me respondeu." Ele disse, os olhos bonitos ficaram sombrios, era importante responder.
"Sim e não. Você não deve conhecer a história. Quem costurou essas bonecas foi a vovó Ann e..."
"Vovó Ann não é aquela ruiva gradona?" Ele perguntou juntando as sobrancelhas.
"Sim, mas quando fez aquelas bonecas ela estava em seu corpo original. Ela era humana e estava praticamente cega. Ela tinha feito muito mal ao vovô Dus, então tinha ficado muito doente e estava cega." Faith tentou resumir a história, mas Silas ergueu uma sobrancelha, ela se calou.
"Entendo. Sim, eu também conheci a outra, a criança. Há muitas histórias interessantes aqui e eu quero muito saber dessa em detalhes. Ok, vamos deixar a atmosfera de seu quarto pra lá. Você quer me perguntar como Jewel e o... O felino não nos viram, não é?"
"Sim. E quero te fazer um convite." Faith disse.
"Eu sou ofídico e tenho uma afinidade com as ondas sensoriais que estão por toda parte. Eu posso fazer com que os olhos das pessoas não me enxerguem. A mim e a quem eu quiser. Por um pequeno período de tempo. E não quero aceitar seu convite." Ele disse.
Faith pensou no que ele disse e ia retrucar quando ele pegou a boneca que ela tinha feito.
"Interessante. Ficou horrorosa, mas posso sentir a sua boa intenção em costurá-la." Ele disse, Faith tomou a boneca da mão dele.
"Pare de pegar nas minhas coisas."
"Com medo de que eu pegue seu diário? Não vou fazer isso. A última coisa que você escreveu foi com bastante raiva." Ele disse, Faith rosnou.
"Cale a boca! Você não sabe de nada!" Ela disse.
"Seu pai ou seu irmão não sentiram o cheiro? Eu sinto a sensação de saudade, de ansiedade, mas o cheiro é bem diferente do seu cheiro, eles parecem ter um bom faro. Seu cheiro é..." Ele fechou os olhos e o nariz de Faith foi inundado com o cheiro de polidor de metais finos.
"Você tem cheiro de terra molhada." Ele disse e sorriu.
"Você vai me deixar explicar o convite?"
"Não. E se continuar insistindo, conto para seu irmão do colar em seu guarda roupa. O bolo de carne está pronto, vamos para a sala." Ele disse abrindo a porta e esperando ela passar.
"É para fazer parte do grupo das Senhoritas! É uma honra." Faith ainda tentou. Silas seria uma grande adição ao grupo delas.
"Não, obrigado." Ele disse e, como Faith não arredou o pé de onde ela estava, Silas lhe deu as costas e quando Faith entrou na sala ele estava sentado a mesa comendo o bolo de carne com garfo e faca, sua mãe olhava encantada para ele.
Faith se sentou também, ela iria falar com Jewel, Milly e Melody, elas trançariam uma estratégia para fazê-lo se juntar ao grupo delas. Noah ter viajado deixou uma lacuna muito grande nas Senhoritas. Faith mesmo estava com o coração apertado de saudade.
"Eu gostei muito da atmosfera das casas aqui, senhora. Será ótimo morar aqui." Ele disse para a mãe de Faith, Faith só resmungou que ele tinha chamado a Reserva de jaula, Silas a ignorou. Ele parecia filhote de Gift. Só respondia o que queria, só fazia o que queria também.
Faith se lembrou da reunião onde Melody contou que Gift sabia de vários segredos dos outros e às vezes usava uma ou outra informação em proveito próprio. Silas e Faith podiam ter ficado parados ouvindo e vendo a interação de Jewel e Boon por muito tempo, mas quando a tensão sexual ficou muito densa, Silas se desculpou revelando que também estavam lá.
Isso mostrou que ele tinha ética, era uma coisa boa.
Mas se tivessem esperado um pouquinho mais...

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