CAPÍTULO 9

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Patrick entrou no restaurante, olhou em volta e ficou surpreso com a desenvoltura de Moses com a garçonete. Ela ria de alguma coisa que ele disse, ele lhe segurava o braço. Patrick ficou indeciso entre ir até ele ou só observar. Moses não tinha por que tocar na mulher e ele não fazia nada sem um motivo claro. Nada mesmo!
E como que para mostrar que Patrick estava certo, a garçonete colocou a mão no peito e fechou os olhos com força. Moses se levantou e a ajudou a sair passando com ela por Patrick parado na porta.
Um táxi vinha, Moses deu sinal, o motorista parou e Moses ajudou a mulher a entrar no carro, ignorando os protestos dela. A mulher pareceu ficar fraca de novo, Moses a prendeu no banco, dizendo a ela que tudo ficaria bem.
Será que a mulher sabia que o que ele dizia seria o que aconteceria? Muitas pessoas diziam que tudo ficaria bem da boca para fora, mas não Moses.
Moses tirou um maço de notas de euros do bolso e entregou metade para o motorista dizendo:
"Isso é para levá-la ao hospital mais próximo e ficar lá até que..." O motorista contava o dinheiro e não reparou na pausa de Moses, mas Patrick sim.
"Até que a filha vá ficar com ela. E isso é para que ela seja atendida o mais rápido possível. Brigue, grite, mas faça com que um médico loiro a examine logo que entrar no hospital." Ele disse.
O motorista arrancou o carro a toda, Moses se virou para ele.
"O que aconteceu com o ruivo?"
"Bebeu demais, estava com um cheiro nojento. Eu preferi Bridges. Ele é bonitão, você não acha?" Patrick disse, Moses não respondeu, duas funcionárias o abordaram.
"O que aconteceu com a Betty?" Uma delas perguntou a outra tinha os olhos muito abertos de preocupação.
"Ela vai ficar bem, daqui a uma semana estarão comentando sobre hoje. Ela tinha feito meu suco, uma de vocês pode trazer?" Ele disse e lhes sorriu, as funcionárias o olharam abobadas.
"Sim, eu trago, pode deixar."
"Faça um pro meu amigo." Moses pediu ainda sorrindo, as mulheres voltaram para a cozinha do restaurante.
Patrick e Moses se sentaram, Patrick o encarou e perguntou?
"Fazendo uma boa ação? Taí, eu nunca esperaria isso."
"Eu não odeio os humanos, Patrick, você mesmo faz tanta merda, que se eu te odiasse, você já estaria morto."
"Você precisa de mim, todos vocês precisam. Isso aqui é um bom exemplo do quanto precisam." Patrick disse tirando o pendrive do bolso.
Moses só ergueu uma sobrancelha. Ele não dava sua atenção integral a ninguém, as visões vinham de minuto a minuto, ele tinha de se esforçar para se concentrar na realidade.
A garçonete veio, colocou os sucos na mesa e se afastou depois de agradecer efusivamente, Moses não disse nada ante a verborragia dela, só lhe sorriu levemente.
"Você vem sempre aqui, não é? É por isso que salvou a humana? Você gosta dela?" Patrick perguntou.
"Tome seu suco, depois tome o meu e me diga qual é o melhor." Ele disse olhando pela janela. Patrick também olhou, um homem se chocava com outro, os papéis nas mãos dele caíram no chão, os dois homens começaram a catar os papéis. Moses parecia contar baixinho enquanto os homens juntavam os papéis. Eles acabaram, se cumprimentaram e cada um seguiu seu rumo, Moses assentiu.
"Mande seu segurança matar o homem do terno azul. Um tiro na cabeça."
Patrick não se abalou. Moses não pedia, se ele não fizesse, pagaria por isso depois. Ele pegou o celular e deu a ordem. Moses já olhava para outro lado. Patrick provou os dois sucos e o de Moses tinha um gosto diferente, um pouco mais forte, era abacaxi com hortelã, mas o de Patrick tinha mais gelo, estava gostoso, mas o sabor do de Moses era mais marcante.
"Salvou a vida da garçonete por que o suco dela tem menos gelo? Sério?"
"Por que mais seria? Eu gosto desse lugar." Ele disse ainda olhando para a direita.
"Aqueles homens... Eram espiões? Estavam atrás de mim?" Patrick perguntou, Moses cravou seus olhos nele, Patrick desviou o olhar.
Foi a última coisa que seus olhos, os olhos que nasceram com ele viram, os olhos de Vengeance antes dele quebrar seu pescoço.
"Não. O homem do terno azul iria beber e dirigir embriagado na semana que vem. Ele atravessaria o sinal e mataria uma mãe e sua bebezinha, também morrendo no processo. Se ele já ia morrer..." Ele deu de ombros.
"Como você consegue? Como pode viver interferindo no futuro dos outros assim?" Patrick perguntou, Moses não respondeu. Ele fechou os olhos e ficou assim por alguns minutos, Patrick esperou.
"O que foi?"
Ele tomou o suco bem devagar desfrutando do sabor.
"Não deu tempo. O médico que a salvaria se atrasou. Esse foi meu último suco de abacaxi com hortelã." Ele disse lamentando pelo suco.
"Você não deveria ter visto isso antes?" Patrick perguntou.
"Eu vi, mas ela teria de sair daqui e eu não iria ficar sem meu suco." Patrick deixou seu queixo cair.
"Mas a dica do gelo pode ser útil. Viu? Até um inútil como você serve para alguma coisa." Ele fez um sinal, a garçonete se aproximou.
"Pode fazer mais um? Por favor? Ponha pouco gelo dessa vez." Ele disse, ela sorriu e se afastou. Antes de entrar na cozinha o telefone dela tocou, ela atendeu e entrou na cozinha correndo.
"Ela não vai fazer meu suco agora. Mas isso explica por que me vi aqui amanhã. Bom, me dê o pendrive, não é grande coisa no fim das contas."
"Eu preciso de Ananyia." Patrick disse segurando o pendrive com força na mão.
"Você não está em condições de barganhar. Só está vivo por que lhe trouxemos de volta. Flora não é tão importante quanto você pensa."
Patrick se recostou, o choro das funcionárias o incomodava.
"Mas Simple é." Ele disse, Moses fechou a cara. Era tão fácil.
"Sim, ele é. Mas Ananyia está fora do meu alcance, é perigoso."
"Eu faço o que tiver de fazer, pago o que pedirem." Patrick não se importou em implorar. O olhar de desprezo com que Moses o olhou doeu um pouco em seu orgulho, mas era Flora. Ele faria o que fosse!
"Você é humano, Patrick. Por que não usa essa vantagem e se livra dela? Você está no fundo do poço, seria até triste se eu me importasse com você."
"E você? Acha que seu momento com a felina não está sendo comentado? Acha que eu não sei que esse pendrive não tem valor para ninguém a não ser você?"
Moses não se abalou. Mas os olhos dele se concentraram em Patrick, Patrick se esticou. Ele não encarava ninguém por mais que só alguns segundos, Patrick aguentou o olhar azul cristalino, não por que fosse capaz de aguentar, mas por que os olhos de Moses o prenderam.
"Quem é o humano pequeno, velho e magro? Ele usa um avental preto. Roupa branca por baixo, de tecido grosso. Um uniforme branco por baixo do avental preto."
Patrick ergueu as sobrancelhas, ele não conhecia ninguém com aquela descrição. Moses continuava o prendendo, era uma sensação esquisita, lhe dava medo, mas também lhe despertava uma expectativa.
"Não sei. Meu barbeiro, talvez? A porra dos meus cabelos já está comprida."
Moses passou a mão por seus cabelos, já estavam maiores, ainda que não passavam do queixo.
"Por que um idoso iria matar você?" Ele perguntou.
Patrick pensou no salão em que ele sempre ia. O barbeiro, um humano já velho, não tinha por que fazer isso, nem como.
"Como um idoso me mataria?"
"Cortando seu pescoço. Ele faz a sua barba, não faz?"
Patrick travou os dentes. Simple! Só podia ser ele!
"Simple poderia sugestionar o meu barbeiro para me matar."
"Não. Simple está atrás de Ann Sophie. Outra merda que fizeram, mas eu não posso dar conta de tudo."
"Acha que... Tirando Simple, eu não vejo..."
"Você nunca vê, Patrick, nunca. Você teve Sarah em suas mãos, você poderia ter feito tanta coisa com aquela estúpida! E nem vou falar de Bronzy."
"Eu tenho Flora. Enquanto a tiver eu tenho Simple. Nenhum de vocês tem isso, nunca terão."
"Não exatamente. A sua morte poderia ajudar, mas eu prefiro o meu plano. Se alguma coisa mudar, não é difícil matar você." Ele disse.
Patrick sorriu.
Não era bem como aquele clone metido dizia, mas era melhor não contradizê-lo, ele era o pet do líder do Submundo da vez.
"Você mesmo faria isso?"
Moses não respondeu, a garçonete chegou com os olhos vermelhos e lhe serviu o suco, Moses disse que sentia muito, ela fungou e se retirou. Moses tomou o suco devagar, deixando que o líquido ficasse em sua boca algum tempo antes de engolir.
"É. Pobre Betty. Eu me vi vindo aqui e tomando suco, achei que ela escaparia. Era só a quantidade de gelo, não havia nada especial." Ele disse.
"Você não me respondeu. Você se julga capaz de me matar se eu estiver no corpo de Brian?"
"Eu não sou um assassino, meu irmão é. Embora..."
Ele piscou algumas vezes, depois sorriu.
"Brian. Nova Espécie de terceira geração, filho de Joseph, quinto filho de Valiant. Nenhuma capacidade excepcional observada, inteligência normal para os parâmetros de Joseph, que são mais elevados que alguns, mas está muito atrás de James e dos trigêmeos. Habilidades de luta mediana para os parâmetros de Valiant. Força e agilidade medianos, seu único diferencial seria sua criatividade, algo inteiramente de sua psiquê, logo, você não tem. Resumindo, eu não perderia meu tempo."
Ele disse.
"Esse dossiê foi feito pelo doutor? Como não sabemos disso?"
"Não. Está no pendrive. Esses dados foram coletados por Honest. Eu vou ler isso daqui a pouco."
"Você quer dizer que você já viu o que irá ler? O que está no pendrive?" Isso sim era digno de nota para Patrick, não a tentativa fracassada de salvar a garçonete.
"Sim. Eu não vi tudo, não é possível, mas a inferioridade de Brian é algo que vai me interessar."
"Ele não é inferior! Ele quase matou Simple!"
"Eu praticamente morreu no processo. E quase não existe no meu mundo. Ou acontece ou não."
Patrick entregou o pendrive, Moses era arrogante demais.
"E Ananyia?"
"Muitas coisas estão acontecendo, eu não posso me desviar de Simple. Ananyia está do outro lado agora, você deverá usar isso a seu favor. É tudo o que vou dizer, você é burro demais para saber os detalhes."
"Mas ela irá..." A voz de Patrick tremeu. Seu controle sobre Flora estava falhando, ela estava inerte devido a morte da filhotinha, mas em algum momento ela iria sacudir a poeira, como ela mesmo dizia e voltaria a viver. Voltaria a sentir e irradiar felicidade, voltaria a ser participativa no sexo, voltaria a nutrir a necessidade dela que Patrick tinha.
Isso iria acontecer se o agarre sobre ela ficasse mais forte. Só Ananyia poderia fazer isso.
"Sim. Irá. Você vai descobrir como obrigá-la e ela vai fazer. Como eu disse, use os Novas Espécies, ela se importa com eles."
Patrick engoliu em seco. Seus olhos arderam, ele não era ninguém sem Flora, ele não era nada sem ela.
Moses balançou a cabeça desolado.
"Não é amor, você sabe disso, não é? É um vício. Uma necessidade, uma tortura. Esse é o valor dela. Enquanto Simple estiver preso nessa teia, você é necessário. Se ele se livrar, imediatamente você e ela morrem."
"Isso é uma possibilidade? Você o vê se livrando do vínculo?"
"Não. Isso é uma ameaça. Simple é a essência da Reserva e se queremos usá-los precisamos dele. Ele precisa estar quebrado, mas não totalmente. É preciso uma chama de esperança no coração dele, isso o manterá vivo até que não precisemos dele mais. Se ele se livrar, se ele desistir, eu vou ver e vocês morrem."
"É possível se livrar de um vínculo?"
Moses piscou e não respondeu, Patrick o olhou.
Ele viu alguma coisa, mas poderia ser que o almoço do dia seguinte teria um tempero que ele não gostava, ele não tinha como filtrar suas visões.
"Não. Mas se existe alguém que possa fazer existir algo que não existe, esse é Simple. Essa é a força dele, ele cria oportunidades e muda trajetórias de formas que minha mente não consegue prever." Ele explicou, Patrick assentiu.
Pensar que sua existência estava condicionada ao sofrimento de Simple era confortador. Enquanto ele vivesse, Simple sofreria, se Simple vencesse, ele, Patrick não veria, estaria morto. Homens melhores que ele viveram sem essa vantagem sobre seu inimigo.
"E Ann Sophie? Eu não consigo ver vantagem nessa história. A África do Sul se pronunciou contra as invasões da Força Tarefa deles e alguns países aliados os apoiaram, mas Ann é filha de um congressista. Isso está unindo o governo e eles, o presidente será forçado a apoiá-los, a opinião pública está a favor deles. De quem foi a ideia idiota?" Patrick perguntou.
Moses torceu a boca, Patrick não esperava que ele estivesse por trás do sequestro de Ann Sophie.
"Não me perguntaram, eu não tenho por que me importar com ela e nunca a vi, eu preciso ter contato. Mas depois disso tudo, eu disse para meu pai que deixasse levarem o plano idiota adiante."
"Por quê? O que você viu?" Patrick perguntou se aproximando mais da mesa, olhando nos olhos de Moses. Era uma grande atração saber, mesmo sendo só um pouquinho do futuro.
"Ela está em Moçambique. Num pedaço esquecido do território, presa num aquário." Ele disse.
Aquários eram territórios demarcados, comprados pelo dono de Moses. Eram pedaços de terra que não constavam nos mapas oficiais e isolados totalmente. Podiam ser usados como área de testes, de laboratórios, depósitos de armas não registradas, depósitos de drogas, de escravos e também para criação de Novas Espécies especiais. Se Ann Sophie estava num aquário, só podia estar num do último tipo.
"Qual espécie?" Patrick perguntou. Ele não conheceu Ann muito bem, ela ainda era novinha quando namorou Sarah.
"Viperina. Um reprodutor muito bom. Já nos deu quatro gestações múltiplas. Dois filhotes estão com ele para controlá-lo. Papai vendeu os outros oito."
Patrick arregalou os olhos.
"Viperinos são os que mais se reproduzem em pares ou trios. Veja Sophia, cinco gestações, nove filhotes. E Paulo, como é chamado esse viperino, já nos deu dois trios de trigêmeos e dois de gêmeos. Dez filhotes e quatro gestações. Seu valor é incalculável."
"Pra quem venderam os filhotes?"
Patrick perguntou, Moses riu.
"Você quer saber o uso deles, quer saber o que perdeu enquanto teve Bronzy em seu domínio."
"Não era o meu domínio, ela era do meu pai."
Moses fez sinal pedindo mais suco, o estômago de Patrick roncou, eles pediram comida. Foi estranho comer tão pouco, ele queria mais, mas não conseguia.
"Se tivesse matado seu pai, sua vida teria sido outra. Você poderia estar ao lado do meu pai agora, não pronto a ser morto por um barbeiro velho."
"Você mataria seu pai? Eu não podia fazer isso. Eu e ele, bom, nós só tínhamos um ao outro e amávamos Bronzy. Papai tinha um sonho, ele queria alçar os Novas Espécies a governantes de um mundo único, ele os amava."
"E Flora o matou. Irônico, não?" Moisés riu. A garçonete colocou o suco, ele tomou e gemeu.
"Nossa! E eu gastei dinheiro com o taxista idiota!"
"Não foi ela que o matou. O cérebro dele..."
"Cozinhou ante o poder dela. Seu pai era humano, frágil. Se Flora pudesse ser controlada, ela seria nossa maior arma, nosso objetivo viria muito mais cedo, eu não teria de lutar para que meus filhotes desfrutassem do futuro que eu estou preparando sem mim, mas eu já me resignei."
"Eu a controlo! Eu a tirei de Simple!"
"Você está preso a ela, totalmente viciado no que ela emana. Precisa que o cérebro dela seja reiniciado novamente, precisa que ela esteja submissa a você. Isso não é controlar."
Patrick fez que não com a cabeça.
"Ela é minha. Ela quer ser minha. Ela quis."
"Sim, eu te dou isso. Ela não sabe a extensão do que ela é."
Patrick se lembrou daquele dia a tanto tempo. De Flora lhe ligando desesperada dizendo que estava sangrando. Ele a levou ao Doutor, o Doutor conseguiu salvar um filhote e esse foi o preço dele.
Patrick foi vê-la. Ela tinha acabado de acordar, tinha olhado para ele com tanta esperança nos olhos!
"Deu certo? Meu filhotinho..."
Patrick sorriu e a pegou no colo, a levou até a outra sala onde o filhotinho que não sobreviveu estava. Patrick a colocou sobre seus pés, Flora foi até a maca e abraçou o filhotinho morto. Ela não chorou, ela olhou para Patrick e ele caiu.
Cerca de cinquenta humanos morreram naquele dia. Flora abraçou o filhotinho e uivou, algo saiu dela e contaminou o lugar, foram vários suicídios e assassinatos, sem falar nos idosos que só caíram mortos. Ela desmaiou, o doutor teve que reanimar o corpo de Brian, retirar o chip morto e inserir outro, um backup.
Isso demorou, o próprio doutor também morreu, ele também foi reimplantado.
Quando voltou ao hospital, três dias depois, Flora estava em coma. Simple estava em Fuller, mas ele estava inquieto, Patrick se lembrava que no relatório, ele tinha ficado um dia inteiro sem respirar.
O doutor tirou Flora do coma, ela acordou e Patrick estava lá. Ela chorou, não se lembrava de nada, ela perguntou do filhotinho, Patrick não soube o que dizer.
Mas a própria Flora disse que não o sentia. Ela chorou e lamentou ter ido a casa de Wide, lamentou ter se entregado. Ela não tinha contado a Simple, ela não sabia o que fazer. Patrick lhe alisou o rosto e enxugou as lágrimas, dizendo que estaria com ela, que ajudaria, que faria o que ela quisesse.
Flora tinha balançado a cabeça e sorrido de uma forma tão triste, tão infinitamente triste que Patrick sentiu que algo morria dentro dele e entendeu que algo também morria dentro dela.
Flora perguntou se ele podia fazê-la esquecer. Esquecer a dor, esquecer o amor. E algo no cérebro de Brian se agitou, Patrick sentiu como se ele parasse de fazer parte do mundo real, como se entrasse em outra dimensão e nesse lugar houvesse um espelho.
Ele ficou a frente desse espelho, era a imagem de Brian ali, ele também era Brian nessa dimensão.
Mas a imagem se sentou no chão e Patrick continuou de pé. O rosto da imagem lhe sorriu de forma doce, com os olhos, olhos azuis não dourados, Patrick sorriu de volta.
"Quem é você?" Patrick tinha perguntado.
"Eu sou Brian. Ou o que restou dele."
A imagem respondeu.
"Vai me expulsar?"
"Não. Pode ficar com o corpo." Ele disse e sorriu, Patrick sorriu também.
"Mas seus olhos são azuis, isto está certo?" Patrick perguntou, pois achou aquilo muito estranho.
"Como eu disse, eu sou o que restou de Brian."
"Você sempre esteve aí? Ou melhor, dentro de mim?"
"Sim, mas não havia como falar com você. Nem vai haver depois de hoje se você aceitar minha proposta."
"Se for para ficar nesse corpo, eu aceito." Patrick tinha dito. Ele foi tão ingênuo! Mas Brian tinha sido mais.
"Fique com Flora. Eu despertei por causa dela, ela te pediu para fazê-la esquecer e sua mente no afã de obedecer nos juntou.
Flora se liga às pessoas e assim como sua mãe que cura, ela potencializa qualquer habilidade que alguém tiver. A sua habilidade é a minha. Brian tem uma parte de mim nele.
"Como assim? Você não é Brian?" Era muito confuso.
"Sim e não. Minhas partes tomam a mente em que habitam, mas não dominam a mente. Brian nasceu comigo em sua mente, ele desenvolveu meus poderes como nenhum outro, como o pai dele nunca vai desenvolver. E então, Brian e eu somos um só."
Patrick tinha olhado nos olhos azuis, olhos claros, bonitos. Da cor de um céu sem nuvens no alto do verão.
"E você vai me dar Flora."
"Sim." Ele sorriu.
E Brian ensinou a Patrick como usar a mente de Flora contra ela. Nada poderia fazer com que Flora fosse controlada a não ser ela mesma. Sua mente quis esquecer e se abriu ao controle de Patrick. Por um certo tempo.
Ele precisou de Ananyia, Ananyia disse que não seria para sempre, mas não disse que seria tão pouco tempo.
"É interessante. Você já estava obcecado. Sua sorte é que Brian é como eu, ele perdeu o amor de sua vida, então está além das disputas, da guerra que travamos, não há nada a ganhar ou perder para ele, Brian simplesmente existe."
"Sim. Ele está a muito tempo em silêncio, mas minhas habilidades de persuasão continuam intactas. Eu posso migrar pelos Chips sem nenhum problema, eu posso habitar algumas mentes humanas que sejam fracas demais para me resistir."
"Sim. Você pode. Tudo por que a dor fez Flora querer esquecer."
"Você diz que ela não tem valor, eu não concordo."
Moses piscou várias vezes, Patrick se sentiu estranho, tonto.
"Seu passado tem um peso enorme no que você é hoje, Patrick. Mas como todo idiota, você deixou passar alguns detalhes. Eu não. E isso é importante."
"Que detalhes?" Patrick perguntou, Moses pediu mais suco.
"Quer se afogar em suco? Que porra!"
"A prática leva a perfeição. Ainda não é como o de Betty. Falta alguma coisinha. E eu me vi voltando. Só voltarei se ficar igual." Ele disse.
Patrick também pediu um suco, a lembrança dele e de Flora se beijando estava... Quebrada? Ele não sentia o que sentiu. Foi a primeira vez que disse seu bordão 'Flora querida'
"Me dá um beijo, Flora querida?"
Essas tinham sido as palavras exatas.
"Por que minha lembrança está, não sei, eu..."
"Não é uma lembrança, Patrick, é uma visão. Minha, do seu passado. Você compartilhou o que eu vi, afinal, sua mente é especial. Mas eu não quero sentir o que você sentiu ao beijá-la." Ele fez uma careta.
"E beijar Daisy? Você quer?"
A garçonete trouxe o suco, ele tomou tudo e gemeu de prazer.
"Sim! É isso!" Ele disse sorrindo, a garçonete soluçou.
"Betty adorava quando você gostava do suco dela."
Moses baixou os olhos.
"Eu sinto muito."
"Tudo bem, você tentou ajudar, você fez muito, na verdade. Eu te agradeço. Betty era teimosa, eu mesmo já tinha mandado ela ir ao médico." Ela disse e se afastou.
"Você sente mesmo? Lamenta a morte de Betty?" Patrick perguntou.
"Não. Ela fazia algo que eu gostava, eu sempre dizia o dia em que voltaria, era sempre no dia em que ela decidia ir no médico. Ela vinha trabalhar para me encontrar e fazer suco para mim. Mas eu sempre me via tomando suco, não via Betty. Veja, é suco." Ele disse mostrando o restinho de suco no copo.
"Eu não preciso mais dela."
"Você não respondeu sobre Daisy. Foi sua primeira vez, não foi?" Patrick disse e riu da cara de Moses.
"Como... É. Sim. Eu vejo. Eu sou um pet pro meu pai. Pets não devem ter filhotes. Não devem cruzar. Devem ser castrados, essa é a regra."
"Exato."
"Meu pai está num processo, Patrick. Ele é necessário para mim, então ele vive. Eu não escolhi cruzar com Daisy. Foi uma experiência, só isso."
"Mas não mudou o futuro? E se ela estiver grávida?"
Moses sorriu, Patrick sentiu medo dele.
"O futuro está em construção, Patrick. Meu irmão não entende isso, essa é sua fraqueza. Harrison tampouco entende, embora ele se saia melhor. Ele está aprendendo."
"Você não tem medo? Deles?"
"Não. Eu vivi por todo esse tempo oculto deles, eles me vêem, mas não sabem que sou eu, não sabem que eu sou real."
"Agora sabem. Ela pensou que você fosse Romulus. Agora vão te procurar."
"Não vão me achar. O que fez Betty morrer foi você ter marcado encontro comigo e se atrasado. Eu olhava para fora, ela já se sentia mal, mas aguentou firme, o horário dela acabaria em trinta minutos. Ela esperou que eu a olhasse, eu olhava para fora. Quando te vi e a olhei, já era tarde. Eu não me importo com Betty, mas me importo com meu pescoço. Nada vai me distrair."
Patrick se sentia exausto, como se partilhar as lembranças dele com Moses o tivesse exaurido.
A garçonete colocou mais comida na mesa, Moses tinha pedido e ele não tinha visto. Ela também trouxe mais suco.
"Coma. Vai melhorar."
Patrick provou do suco e sim, estava como o de Betty. Ele olhou para Moses, Moses olhava para fora, esquecido de Patrick, o copo de suco dele estava ali, ele não tomou como das outras vezes, praticamente tomando o copo da bandeja da garçonete.
Patrick sentiu o medo agarrar seu coração, ele comeu rapidamente e saiu. Moses continuava olhando para fora, ele não respondeu ao adeus de Patrick.


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